Fale-nos um pouco sobre o seu percurso…
Nasci em Lisboa, onde vivo e trabalho como artista visual, mas a minha vida passou também por Braga e Maputo. Sou mestre em Ciências Farmacêuticas e trabalhei na área em Portugal e Moçambique. Em 2016, aos 30 anos, decidi parar para repensar a minha carreira profissional e escutar o coração. Investi na minha formação em fotografia e desenho, concluí o primeiro ano do mestrado em Ilustração e Animação no IPCA e trabalhei quatro anos numa agência em Braga, como fotógrafa e ilustradora,
antes de me tornar freelancer.
Sempre demonstrou aptidão para as artes?
Sempre. Sou muito observadora, contemplativa e desenho desde muito pequenina. Em criança,
vibrava com as sessões de desenho livre na escola. O desafio de ter uma folha em branco à minha
frente, com a oportunidade de superar as minhas ideias anteriores, era um exercício que me fascinava.
Por outro lado, em casa divertia-me muito a copiar as minhas personagens favoritas dos livros
e dos filmes. Recordo-me de parar as cassetes VHS da Disney e contornar as personagens com o dedo encostado ao ecrã da televisão. Memorizava o gesto para depois passar para o papel.
E hoje como é o seu processo criativo?
Incessante. O meu olhar é um assalto constante ao mundo. Estou sempre a selecionar pedaços da
realidade – o comportamento humano, a linguagem corporal de alguém, a paleta de cores da fachada
de uma casa, as texturas e os cheiros no mercado, o cinema, a música que oiço, o trabalho
dos meus pares. São infindáveis os estímulos que desencadeiam ideias e me permitem construir
imagens mentais antes de fazer os primeiros esboços. Para além da atenção ao que me rodeia, muitas
vezes faço pesquisas orientadas e estudo temas específicos, para poder desenvolver o meu trabalho.
Que mensagem e símbolos são recorrentes nos seus trabalhos?
Ao longo do meu percurso artístico tenho vindo a explorar diferentes abordagens gráficas, e por isso tanto utilizo a colagem como pinto com acrílico, pastel de óleo, marcadores ou lápis de cor. O fio condutor e unificador do meu trabalho é, sem sombra de dúvida, a cor. Tenho muito prazer na criação de paletas cromáticas e gosto de arriscar combinações menos prováveis. Através da cor procuro transmitir leveza, luz. Desenho objetos mundanos, a Natureza (muitas flores) e a mulher. As minhas personagens femininas têm olhos grandes, rasgados, sobrancelhas carregadas e pescoços elegantes. Expressam uma certa melancolia, que intriga, são simultaneamente fortes e sedutoras – inspiradas nas pessoas que conheci e com quem me cruzei durante a temporada em que vivi em Moçambique.
O contacto próximo com a arte africana, tão crua e desconcertante, teve um grande impacto na minha decisão de abraçar a carreira artística.
Tem trabalhos seus em casa?
Sim. Sobre a bancada da cozinha tenho uma reinterpretação em fita-cola que fiz do Les Demoiselles d’Avignon, de Picasso, e no quarto, em cima de uma das mesinhas de cabeceira, tenho uma fotografia, o retrato que fiz em filme de 35 mm de um amigo a tocar piano.
Fotos: Mariana Dimas