Na adolescência, João Craveiro, de 50 anos, já tinha necessidade de se expressar fosse através das músicas das bandas que integrou ou das peças de teatro que fazia na escola. Com o passar do tempo, o “bichinho” do teatro foi crescendo e percebeu que teria de estudar para ser o ator que ambicionava. Aos 20 anos ingressou na Escola Profissional de Teatro de Cascais, onde acabou por dar início à sua carreira. Como ator e encenador, já passou por muitos palcos, nacionais e internacionais, e já apareceu inúmeras vezes nos ecrãs de salas de cinema e em casa dos portugueses nos projetos televisivos de que fez parte.
No seu percurso conta com os maiores amores da sua vida, as filhas gémeas, de dez anos, que já gostam de o acompanhar ao teatro e são muito curiosas em relação ao trabalho do pai.
– Ser fotografado no Teatro Experimental de Cascais é uma experiência especial?
João Craveiro – Foi aqui que tudo começou e, apesar de ter estado muitos anos sem pisar este palco, aqui sinto-me sempre em casa. Já pisei palcos por todo o país e além-fronteiras, mas esta é, de certa forma, a casa-mãe. Por isso, estou muito feliz por regressar aqui com uma peça mais para o final do ano.
– Sempre que aqui vem há algum saudosismo ou não é um homem de memórias, mas sim de futuro?
– Olho mais para o futuro, mas claro que tenho as minhas memórias e que gosto de as revisitar.
– O teatro é a sua raiz?
– Com toda a certeza. O teatro é a minha casa, onde me reciclo e volto a aprender. Tenho necessidade de fazer teatro constantemente.
“À medida que me vou tornando mais experiente, tenho mais respeito e medo do palco, mas isso é bom, porque me permite tentar fazer melhor.”
– Iniciou a sua carreira aos 20 anos. Teve sempre o desejo de ser ator?
– Sempre tive, desde muito cedo, necessidade de me exteriorizar, de mostrar alguma coisa. Comecei a fazer teatro na escola, ainda na adolescência, a pertencer a grupos de teatro e, em simultâneo, comecei também na música. Tinha bandas e tocávamos em diversos sítios… tínhamos muita vontade de mostrar o que fazíamos. Depois, comecei a assistir a mais peças de teatro, a fazer algumas formações e a viajar com alguns grupos e percebi que, se queria ser ator, tinha mesmo de investir, de aprender, de estudar.
– É uma profissão com altos e baixos. Alguma vez pensou em deixar de ser ator?
– Já houve alturas, momentos menos bons, em que me questionei se teria escolhido o caminho certo, mas estar bem preparado também me permitiu fazer outras coisas, como entrar na via do ensino. Em alturas de mais necessidade, fui dar aulas de representação, mas, felizmente, não me posso queixar de falta de trabalho. Não seria justo da minha parte.
– Trabalhar em tantas áreas, como encenação, dobragens e representação em televisão, teatro e cinema, também lhe permite ter mais oportunidades de trabalho.
– Dobragens já não faço desde 2019, por opção. Mas os trabalhos em teatro, televisão e cinema permitem-me ir flutuando em algumas produções. Depois há fases em que trabalho menos, até porque o nosso mercado é pequeno. Mas outras vezes as coisas também se tornam complicadas por excesso de trabalho, por termos convites que não podemos aceitar por não ser possível fazer tudo ao mesmo tempo. Aliás, os atores até brincam e dizem que neste meio ou aparece tudo ou nada. Mas é muito bom fazermos de tudo um pouco e termos as mais diversas experiências profissionais.
– De todas as áreas, o teatro é a que o preenche mais?
– Sim, mas também gosto muito de fazer cinema. Fico muito indeciso entre o teatro e o cinema. O teatro dá-me mais medo, mas um medo saudável. À medida que me vou tornando mais experiente, tenho cada vez mais respeito e medo do palco, mas acredito que isso é muito bom, porque me permite tentar fazer mais e melhor.
– Mas há medo de falhar?
– Não é medo de falhar, é ansiedade antes de subir ao palco, e é terrível. Mas é esse nervoso que depois nos dá energia em palco.
– Também escreve argumentos. A escrita é complementar?
– Sem dúvida. É uma maneira de expurgar as ideias. Estou sempre a ter ideias e às vezes faço pequenas sinopses que levo avante ou ponho na gaveta. E tenho muitas coisas na gaveta. Sempre que posso, volto à escrita, pois faz parte de mim. Tenho sempre três a quatro coisas em andamento.
– Como ator, mas também encenador e argumentista, a rejeição faz parte do caminho. Lida bem com isso?
– Perfeitamente. Já concorri a coisas que não ganhei, mas faz parte, o principal é não desistir, porque tudo é variável. Já aconteceu estar absolutamente confiante, por exemplo, de que iria ficar com determinado papel e não ter ficado. E o oposto também. Faz parte deste trajeto e temos de saber lidar com isso. Esta profissão faz-me estar em análise constante e tenho sempre as minhas dúvidas, duvido muito de mim, das minhas capacidades, mas não quero nunca ser um ator falsamente inseguro. Interiormente há sempre dúvidas e pensamentos, mas quero sempre continuar a ter ideias e também a trabalhar em projetos de outras pessoas. Gosto muito de ser dirigido, orientado.
– Essas dúvidas também ajudam na construção dos personagens ou não mistura a realidade com a ficção?
– Cá dentro misturam-se, mas cá para fora tento que não. Senão estou a entrar numa espécie de laboratório das minhas emoções, que só me pertencem a mim ou aos meus. Gosto muito de fazer a construção do personagem, mas prefiro não misturar sentimentos e usar outras técnicas. Quando usamos as nossas angústias e memórias afetivas, torna-se violento. Quero emocionar-me com a cena que estou a fazer e não com algo que vivi. Já o fiz, mas também já aprendi a não o fazer. Há que haver capacidade de vivermos e de nos emocionarmos com a própria cena.
– E há tempo para as suas filhas ou é difícil ser um pai presente?
– Por vezes, sim, quando tenho vários projetos que impliquem viagens, como aconteceu quando gravei a série Maré Negra ou o filme Lugre – Terra Nova. Sinto muito a falta delas nessas alturas e elas a minha, mas faz parte. De resto, consigo ser presente. Elas gostam muito de vir comigo para o teatro. Se calhar saem ao pai, mas nem quero pensar nisso [risos]! Elas estão muito presentes na minha vida profissional, são muito curiosas, gostam que eu lhes conte como tudo aconteceu, o que estive a fazer, e isso ajuda muito a que sejamos próximos.
– Em casa também é um contador de histórias?
– Sempre. Tenho de lhes contar histórias, de arranjar personagens, e elas gostam muito das maluquices do pai. Sou um pai muito descontraído e gosto de as incluir em tudo o que faço. Elas são maravilhosas.
Agradecemos a colaboração de Teatro Experimental de Cascais