
Foto: Luís Coelho
Foi professora durante 15 anos e em 2000 começou a escrever, tendo perto de 80 livros publicados, a maior parte deles de literatura infanto-juvenil, mas também vários romances históricos. Mãe de Tomás e de Rita Vilarinho, de 36 e 35 anos, respetivamente, aos 61 anos Maria João Lopo de Carvalho assume-se de bem com a vida, porque se realiza por completo com a escrita e tem uma família sólida, que se tornou ainda mais completa com o nascimento da primeira neta, Charlotte, há dois anos e meio. E foi na casa que partilha com a família alargada, na Quinta da Alorna, em Almeirim, que nos recebeu para uma conversa em que a sua paixão pelo seu “ofício” de escritora foi o tema principal.
– Lançou recentemente uma nova aventura dos Cinco, coleção infantil escrita por Enid Blyton entre 1942 e 1963. Como é que isso foi possível?
Maria João Lopo de Carvalho – A Enid Blyton é uma marca que em Portugal é representada pela minha editora, a Leya, e a marca decidiu que em alguns países da Europa iriam continuar as histórias dos Cinco tal e qual como se fossem escritas pela Enid Blyton e situadas onde ela acabou o último livro da coleção. E eu propus-me continuar cá em Portugal. Foi um processo que durou quase um ano. Tive que fazer uma sinopse do livro, que foi traduzida para inglês, e eles aceitaram este meu Os Cinco e o Quadro Desaparecido, dando-me algumas linhas mestras. E na casa-mãe eles acabaram por dizer que eu era uma autora que tinha um estilo muito Blyton. O que é normal, porque, além de ter lido todos os livros dez vezes quando era pequena, agora, durante um mês, reli os 21 todos seguidos, para me situar no universo das histórias e nas personagens. É uma coisa quase romântica, como é que eu, a maior devoradora dos Cinco, iria imaginar aos 11 anos que aos 61 seria o alter ego da Enid Blyton?! E foi uma responsabilidade enorme, mas diverti-me imenso, sobretudo a senti-la espreitar por detrás do meu ombro.
“Temos sabido preservar o património material que o meu bisavô nos deixou, mas também o património emotivo.”

– A sua predileção pelo universo fantástico infantil é notória. Tem um lado de criança em si?
– Sim, uma parte muito grande de mim ficou na infância. Continuo a ser o Peter Pan, continuo a ser a Cinderela. E é uma grande sorte.
– Isso deve-se ao ambiente familiar em que cresceu, foi alimentado pelos seus pais?
– A minha mãe, que era professora de Inglês, era a raiz, de uma disciplina férrea, e isso foi muito bom para a minha organização mental, pois sou a pessoa mais organizada do mundo, mas o meu pai, que era jornalista e escritor, era as asas, a fantasia, tudo era uma história. A fantasia era tão importante na vida dele que nos puxou completamente pela imaginação.
– Entretanto, apesar de ter estudado Letras, a História é também outra das suas grandes paixões.
– Eu só comecei a gostar de História quando o meu pai recebeu aqui na quinta as filmagens de um documentário sobre a marquesa de Alorna, D. Leonor de Almeida Portugal, que viveu aqui muito tempo, no século XVIII. A história era contada pela Natália Correia e fiquei deslumbrada por ela e pela maneira como contou a história da marquesa. Foi aí que se fez o clique para querer aprender História. E quando comecei a escrever o livro sobre a marquesa tremiam-me as mãos, porque, apesar de o meu pai já cá não estar, tinha que fazer uma coisa suficientemente boa para lhe agradar. Demorei quatro ou cinco anos a escrever esse livro. Cada romance histórico demora esse tempo. Porque não dá para contar uma história do passado estando no futuro. E para estar no passado tenho que estar pelo menos um ano a ler coisas e a ver filmes sobre a época em que se situa a ação e fazer muita pesquisa.
– E recentemente lançou também “História de Portugal de Cor e Salteada”. Quer explicar um pouco o que é este livro?
– É quase uma homenagem às pessoas da minha geração, que aprendíamos História de cor e salteado, a papaguear nomes de reis e datas. E o que tentei fazer foi gozar com essa forma de aprender História e contar os episódios mais sumarentos como se estivesse à mesa do café, sem chatear as pessoas e num registo totalmente sem pretensões. Mas não há nenhum facto que esteja errado, foi visto à lupa por um historiador, mas passo pelos episódios com ligeireza, porque são 300 páginas a contar 2700 anos. E acho que é um registo muito divertido.

– Escreve num ritmo muito intenso. Como é que descansa a sua cabeça fervilhante?
– A escrever. É como estou feliz, por isso é como descanso, como o espírito e o feitio melhoram. Se não puder escrever, dou em doida.
– A maior parte dos seus livros tem como protagonistas mulheres desobedientes, intensas, inconformadas. Também é assim?
– Sou tudo isso, sim. E todas as personagens sobre as quais escrevi foram transgressoras, a marquesa de Alorna, a padeira de Aljubarrota, a Severa, e no livro As Revolucionárias – Doze Mulheres Desobedientes falo de mulheres do início do século XX que foram pioneiras, quebraram todos os tabus, como a primeira médica, a primeira advogada, a primeira jornalista, e que abriram caminho para nós, hoje, podermos ter as nossas profissões.
– A ligação da sua família à Quinta da Alorna já dura há várias gerações.
– O avô da nossa Alcipe [nome com que a marquesa de Alorna assinava os seus poemas] comprou esta propriedade de três mil hectares em Almeirim em 1723. Depois da morte da marquesa a quinta passou por várias outras famílias e acabou por ser vendida em hasta pública, e o meu bisavô Manuel Caroça comprou-a. Daí eu ter escrito O Bisavô, que no fundo é a continuação da história desta casa. Ele foi um visionário e nós temos sabido preservar o património material que nos deixou, que está impecável, mas também o património emotivo. Todos nós, eu, os meus irmãos, os meus primos, os nossos filhos, temos um amor enorme por esta casa e fazemos questão de criar nas novas gerações esse amor.
– Que recordações de infância tem desta quinta?
– De dormir no quarto das crianças com as minhas amigas, dos passeios a cavalo, dos passeios pelo campo, de aprendermos a mugir as vacas… Para nós, citadinos, foi uma grande lição. E de ver o meu pai receber aqui muitos escritores, Jorge Amado, David Mourão Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, Fernando Namora, a Matilde Rosa Araújo, que foi muito importante para a minha escrita para crianças e jovens.
“Estou totalmente estável emocionalmente desde que a Charlote nasceu.”
– O que é que significa para si ser avó?
– É a mais completa forma de amor nesta fase da vida. É amor infinito e em estado puro. É uma sorte, uma bênção e uma alegria ter a Charlote na minha vida, sinto-me muito agradecida por isso. Faz-me sentir o coração a bater do lado certo do peito. E, sendo a minha filha mãe solteira [Charlotte nasceu em Nova Iorque, de uma relação entretanto terminada de Rita com um jamaicano], estou mais do que presente, dividimos absolutamente a guarda dela.

– Disse numa entrevista à CARAS, há alguns anos, que sem estabilidade emocional não consegue escrever uma linha. Tem hoje essa estabilidade?
– Estou totalmente estável emocionalmente desde que a Charlote nasceu. E tenho uma família ótima, por isso está perfeito, tenho tudo o que quero.
“Está tudo perfeito. Não tenho uma relação amorosa nem faz parte dos meus planos voltar a ter.”
– E não tem uma relação amorosa?
– Não tenho nem faz parte dos meus planos voltar a ter.
Maquilhagem e cabelos: Sara Jogo
Agradecemos a colaboração de Mirosa Ceras e Velas