Adriano Toloza estava no quarto ano do curso de Psicologia, em São Paulo, quando decidiu ingressar na Escola de Teatro Célia Helena. Ainda terminou o curso de Psicologia, mas a paixão que sentiu assim que pisou pela primeira vez um palco não lhe permitiu seguir outro caminho que não o da representação. O mais difícil foi convencer os seus pais, com profissões mais tradicionais, ele juiz, ela procuradora. Mas assim que entrou na sua primeira novela, quatro anos depois, tudo mudou e a opção profissional passou a ser vista com bons olhos pelos pais e até aplaudida. Hoje, com 40 anos e quase 20 de carreira, trabalha em três mercados diferentes: Brasil, Portugal e Irão, pelo que decidiu estudar persa. “Adoro as possibilidades que ser ator me dá”, assume.
Atualmente está em Lisboa a gravar a novela Cacau, da TVI: “Faço um vilão encantador, cheio de camadas e que me está a dar muito gozo representar.” De parte, pelo menos para já – e porque quer desfrutar ao máximo da sua carreira, mas também por causa da instabilidade da mesma –, fica a vontade de ser pai.
“Nunca tinha tido a ambição de um dia ter esta carreira e ser ator. Venho de uma família muito conservadora.”
– Como é que sucedeu mudar o seu rumo quando já estava adiantado no curso de Psicologia?
Adriano Toloza – O teatro começou como um hobby, mas na apresentação de final de curso da escola de teatro fiquei imediatamente apaixonado. Até aí, nunca ambicionara ser ator. Venho de uma família muito conservadora, o meu pai é juiz, a minha mãe é procuradora, os meus irmãos advogados, trabalham todos na área da justiça. Eu desde pequeno que gostava de representar na escola, mas nunca tive a ambição de seguir esse caminho a nível profissional. Terminei a Faculdade de Psicologia para ter o diploma, mas já tinha a certeza de que queria seguir interpretação.
– E teve o apoio da sua família?
– Não foi fácil, principalmente porque demorei muito para ser remunerado pelo meu trabalho. Comecei a fazer teatro aos 24 e só aos 29 fiz a minha primeira novela, andei cinco anos na luta. Adoro fazer teatro, mas não me dava retorno financeiro, porque o meu nome não era conhecido no meio. Claro que no início houve um certo preconceito por parte da minha família, mas, após a primeira novela, e depois de ouvirem os amigos comentar que tinham visto o filho deles na televisão, tudo mudou e ficou mais fácil [risos]. Há muito a cultura de que um ator só é bom se aparece na televisão e não é verdade, de todo.
“Dá muito prazer termos a possibilidade de viver outras vidas sem compromisso, sem ter de pagar o preço daquilo que fazemos.”
– Porque é que há esse amor tão grande à arte de representar?
– É um prazer termos a possibilidade de viver outras vidas sem compromisso, sem ter de pagar o preço daquilo que fazemos. É muito bom podermos ser outras pessoas, fazermos coisas que trariam consequências na vida real e que na arte dramática experimentamos sem penalizações. É incrível!
– Recorre às suas emoções no momento da representação?
– Venho de uma escola que usa o método Stanislavski, em que se usa o famoso “e se…”. O sentimento que uso parte sempre de mim, a essência, o arquétipo, é sempre o meu, mas as circunstâncias são outras. Por isso acredito que parte sempre de nós, e se o sentimento que estamos a transmitir não nos atravessa fica falso. Tem de partir de mim, das minhas vivências, das minhas emoções, da minha memória afetiva. Costuramos isso através de circunstâncias fictícias.
– E depois despe-se facilmente o personagem?
– Claro. Tenho muita facilidade em fazer isso e sei muito bem separar o que é meu e o que é do personagem. O que me acontece é que às vezes, quando acaba um projeto, fico um pouco deprimido, porque despendemos muita energia e de repente há uma despedida abrupta.
“Amo Portugal, as pessoas, a cultura, e adoro trabalhar aqui.”
– Como está a ser voltar a trabalhar em Portugal?
– Tem sido incrível. Amo Portugal, amo as pessoas, a cultura, os lugares e adoro trabalhar aqui. Sinto que aqui há um ambiente mais familiar a nível profissional comparando com o Brasil. Aqui as equipas de produção, maquilhagem, etc., são sempre as mesmas e isso torna o ambiente de trabalho mais acolhedor. Sinto-me muito bem acolhido e tem sido maravilhoso.
– Está a gravar a sua quarta novela portuguesa.
– Sim, está a ser um projeto incrível e muito diferenciado, que foge do melodrama convencional. O elenco é espetacular e está a ser um daqueles projetos raros onde tudo corre muito bem entre todos. É um personagem muito complexo, um vilão com possibilidades de redenção. Talvez seja o personagem com mais camadas e mais rico que já tive a oportunidade de representar em televisão.
“Gosto muito desta vida de nómada. Conheço pessoas novas, lugares novos, tenho experiências diferentes.”
– Uma das coisas boas de ser ator é poder representar em qualquer parte do mundo. O Adriano tem uma carreira no Brasil, em Portugal, mas também no Irão.
– Sim, o Brasil é a minha primeira casa, Portugal a segunda e o Irão a terceira. Sou completamente fascinado pelo Irão. É uma cultura completamente diferente, caí de paraquedas. Fiz uma novela na Globo, logo depois outra na Record e sucedeu-se um tempo sem fazer novelas. Surgiu então a possibilidade de vir para Portugal gravar Ouro Verde e pouco depois fui fazer um casting para uma comédia iraniana que seria gravada no Brasil. Foi o segundo filme mais visto na história do cinema iraniano, foi um sucesso tremendo. Chamaram-me para fazer uma sequela, gravada lá, por isso fiquei dois meses e aproveitei para fazer outros contactos. Comecei a estudar persa, o que já faço há três anos, e acabei por fazer outro filme e depois outro, e agora vou e venho. Antes de vir gravar Cacau, estive mais de um mês no Irão a fazer a minha quarta longa-metragem lá, que será apresentada para o ano.
– E o que se segue após o fim das gravações de “Cacau”?
– Vou fazer uma longa-metragem em Portugal, estrear-me no cinema cá, mas ainda não posso adiantar muito. Posso dizer que vai ser um projeto incrível, muito polémico e com atores formidáveis. Estou muito feliz. Depois disso, devo ter um projeto no Brasil, em streaming, e, se tudo der certo, no segundo trimestre do próximo ano farei a minha primeira novela no Irão.
“Tenho vontade de ter filhos, mas não é uma meta na minha vida. Os homens têm esse privilégio de poderem ser pais mais tarde.”
– Com tanta ponte área, deve tornar-se difícil formar uma família…
– Até para o meu cão está difícil, imagina para ter uma família, casar e ter filhos [risos].
– E lida bem com essa opção?
– Muito bem. Gosto muito desta vida de nómada. Conheço pessoas novas, lugares novos, tenho experiências diferentes. Claro que por vezes me sinto sozinho, mas nunca estou mesmo sozinho. Posso não ter um compromisso estável, mas não estou sozinho [risos]. Os meus pais é que estão sempre a perguntar quando é que me caso e tenho filhos. Já nem respondo [risos]. Tenho vontade de ter filhos, mas não é uma meta na minha vida. Os homens têm esse privilégio de poderem ser pais mais tarde. Estou com 40, por isso vamos ver, ainda há tempo. Mas a minha carreira, por si só, já é algo instável, sem saber bem onde estamos e se temos trabalho ou não, por isso fica realmente difícil ter tempo para isso. Sou casado com o meu trabalho, amo o que faço e também quero aproveitar esta fase boa. Ter o privilégio de ter uma carreira internacional em três continentes diferentes não me permite queixar de nada.
Agradecemos a colaboração de Ambitious, Estalagem Muchaxo e Fred Perry