Nesta entrevista exclusiva mergulhamos no mundo da nutrição com Cláudia Minderico, que partilha dicas e estratégias para otimizar a nossa saúde e forma física através de uma alimentação adequada, abordando temas atuais, como os benefícios do jejum intermitente e a utilização de medicamentos desenvolvidos para a diabetes, mas procurados para a perda de peso.
– Nesta altura do ano há uma maior procura por consultas de nutrição, na perspetiva de se poder mostrar, sem vergonha, o corpo no verão?
Cláudia Minderico – Efetivamente. Temos dois momentos fortíssimos em termos de procura de consultas: no início do ano, na sequência das resoluções de Ano Novo, em que as pessoas procuram cuidar da sua saúde e bem-estar, e quando chegamos à primavera, em que as preocupações têm mais a ver com a imagem corporal, em perder peso.
“A perda de peso tem que ser um processo lento e bem planeado, não pode ser entendido como uma dieta.”
– O que é que as pessoas podem fazer nesta fase sem comprometerem a sua saúde?
– A modificação da composição corporal tem que ser um processo lento. Se queremos ir com demasiada sede ao pote, como se diz na gíria, acabamos por perder demasiado peso e massa muscular. Podemos fazer uma dieta muito restritiva durante dois ou três meses, mas quando chega ao fim voltamos aos hábitos antigos e recuperamos não só o peso que tínhamos como aumentamos mais três ou quatro quilos, porque, entretanto, a massa muscular que perdemos passou a ser gordura. A perda de peso tem que ser um processo lento, bem planeado e que não pode ser entendido como uma dieta, mas como a adoção de novos hábitos alimentares que conduzam à imagem corporal que desejamos. Terão de ser alterações de fundo na nossa alimentação.
– É importante apostar também na variedade de alimentos?
– Sim, tem de haver prazer e alegria na alimentação. Temos é de aprender a gostar desses alimentos, adequar a quantidade e até a ordem pela qual os ingerimos. Quando comemos, digerimos os alimentos, que depois passam para o sangue. E nós temos vários mecanismos para a homeostasia, ou seja, para manter determinadas concentrações dos nutrientes no sangue. Se estão em excesso, temos de os arrumar em algum lado. Arrumamos os hidratos de carbono, as glicoses, dentro da célula muscular, e tudo o que é excedente transformamos em gordura. O que alguns estudos têm demonstrado é que quando comemos primeiro os legumes, com fibra, vitaminas e minerais, depois a proteína e, por último, os hidratos de carbono, reduzimos o pico de insulina em 70%, logo não vamos produzir gordura. Só depois dos hidratos de carbono é que deveremos comer a fruta.
– Privilegiando legumes crus ou cozinhados?
– Pode ser de qualquer forma, mas, se for em sopa, não se deve triturar tudo, deve haver alimentos mastigáveis. Porque o mastigar dá a sensação de saciedade ao cérebro. E se fizer barulho ainda melhor. Por isso é que todos os snacks são crocantes. O cérebro gosta, sente que se está verdadeiramente a alimentar.
– Existem alimentos específicos para promover a saúde das unhas, do cabelo e da pele?
– Existem. Nos suplementos para as unhas e cabelo conseguimos ver alguns dos micronutrientes que compõem os alimentos. Ou seja, se separarmos a composição dos alimentos em nutrientes (proteínas, hidratos de carbono, gorduras) e micronutrientes (vitaminas e minerais), descobre-se quais é que promovem a saúde do cabelo e das unhas. Retiram-se apenas esses e juntam-se em comprimidos, que são mais fáceis de tomar.
– É, então, a favor da suplementação?
– Não, sou a favor dos alimentos. Já que temos de comer para produzir energia, se escolhermos bem os alimentos escusamos de fazer os suplementos. Nos alimentos há sinergia entre os micronutrientes, eles potenciam os efeitos uns dos outros, o que não acontece quando tomamos um comprimido sintético. Por exemplo, fez-se um estudo científico para estudar o sistema imunológico de um grupo de atletas que comeram exatamente a mesma coisa e fizeram os mesmos treinos. A metade do grupo deram mil miligramas de vitamina C, à outra deram uma laranja todos os dias, que corresponde a perto de 100 mg de vitamina C, ou seja, um décimo do suplemento. Após duas semanas, o grupo que comeu a laranja tinha melhor sistema imunitário. A sinergia entre a vitamina C e as vitaminas A e E presentes na laranja faz aumentar não só a quantidade de absorção de vitamina como também a ação da própria vitamina. Portanto, não sou contra a suplementação, mas a suplementação é isso mesmo: suplementa a alimentação, não substitui. Se eu estiver numa fase de restrição energética, a comer menos alimentos, não vou, por exemplo, conseguir atingir os 100% de selénio que devia consumir. Então faz sentido consumir o restante em suplementação, porque o selénio é fundamental para a textura do cabelo.
“Já que temos de beber dois a três litros de água, então podemos escolher uma água que nos traga minerais de que necessitamos.”
– A que outros alimentos devemos prestar atenção para ter cabelo, unhas e pele saudáveis?
– A primeira coisa a fazer é hidratar. E temos de olhar para a água como um alimento composto por minerais. Se olharmos para o rótulo da água, verificamos os valores de cálcio, potássio, cloro e ferro. E, já que temos que beber dois a três litros de água, então podemos escolher uma água que nos traga minerais de que necessitamos.
– Devemos, portanto, olhar para o rótulo para escolher a melhor água. A que é que devemos ter atenção nos rótulos?
– À quantidade de resíduo sólido. Quanto mais resíduo sólido tiver, maior a quantidade de minerais. E se tiver maior variedade de minerais, melhor é a qualidade da água. Os iões, os minerais na água, estão livres, não têm de ser digeridos. Portanto, vamos ter uma biodisponibilidade, ou seja, uma capacidade de os absorver muitíssimo superior do que quando estão nos alimentos. Num legume ou numa fruta a vitamina está associada à proteína, às fibras da fruta, e quando me alimento tenho sempre bolo fecal, ou seja, não absorvemos tudo daquele alimento. Nesse bolo fecal vão algumas vitaminas e minerais, portanto há sempre menor capacidade de absorver esses mesmos minerais. Por isso é que a água é um alimento por excelência.
– Como poderemos saber o que compõe a água da torneira?
– É obrigatório a companhia da água informar sobre a água da região. Agora, a água da torneira é menos mineralizada porque é de pouca profundidade e tem de ser tratada com muito cloro e ozono, por causa de micro-organismos e produtos tóxicos que estão nos terrenos. As águas naturalmente mineralizadas passam pelas rochas durante anos até chegarem à nascente, portanto há a dissolução dos minerais da rocha nessas águas, tornando-as muito ricas em minerais.
– Referiu a importância do selénio. Em que alimentos está presente?
– Em frutos secos, leguminosas e o alho cru também é muito interessante. Depois temos os carotenoides, que o nosso fígado transforma em vitamina A, que é fundamental para uma boa hidratação e elasticidade da pele e que está presente nas laranjas, cenouras e abóboras. Também precisamos de colagénio, que é uma proteína que dá elasticidade à pele e que vem da medula óssea. Fazer o antigo caldo de ossos é extraordinário, é dos melhores alimentos que há. A gelatina animal tradicional também está carregadinha de colagénio.
– Devemos, portanto, apostar na tradicional canja de galinha?
– A canja é fantástica, sim. O ferro também é muito importante para não termos o cabelo espigado e seco e vamos buscá-lo ao fígado de animais, as conhecidas iscas, e aos frutos secos. As leguminosas são também riquíssimas em fibra, em proteína vegetal de alta qualidade, em vitaminas e minerais, e têm poucos hidratos de carbono. O grão-de-bico, o feijão branco, frade ou manteiga, as lentilhas, as ervilhas e os tremoços são alimentos extraordinários, que saciam e fazem bem à pele, ao cabelo, a todos os nossos órgãos.
“Ficou provado que fazer jejum de 12 horas diurnas ou 16 horas noturnas é muito saudável.”
– Fazer jejum intermitente é benéfico ou nem por isso?
– O jejum intermitente foi descoberto pelo japonês Yoshinori Ohsumi, distinguido com o Prémio Nobel em 2016 precisamente depois de um largo estudo sobre autofagia, que é a reciclagem de componentes celulares. Por exemplo, nós vamos arrumando a nossa casa, mas de vez em quando temos de fazer uma limpeza mais profunda. O mesmo se passa nas nossas células. Se estivermos sempre a alimentar as células, elas vão armazenando os nutrientes que não utilizam. Se estivermos um período largo sem nos alimentarmos, vamos “limpando” a casa, vamos consumindo o que estava armazenado, proteínas, mitocôndrias que envelhecem e morrem, vírus que conseguimos matar e que ficaram lá… Vamos destruí-los e alimentar a célula com eles. Por isso ficou provado que fazer jejum de 12 horas diurnas ou 16 horas noturnas é muito saudável. Este senhor aconselhou a fazer a limpeza da casa uma vez por semana, mas há quem o faça duas vezes por semana, para ajudar na perda de peso. E o ideal será fazer um bom lanche, saltar o jantar e depois tomar o pequeno-almoço.
– Fazer jejum intermitente é benéfico ou nem por isso?
– O jejum intermitente foi descoberto pelo japonês Yoshinori Ohsumi, distinguido com o Prémio Nobel em 2016 precisamente depois de um largo estudo sobre autofagia, que é a reciclagem de componentes celulares. Por exemplo, nós vamos arrumando a nossa casa, mas de vez em quando temos de fazer uma limpeza mais profunda. O mesmo se passa nas nossas células. Se estivermos sempre a alimentar as células, elas vão armazenando os nutrientes que não utilizam. Se estivermos um período largo sem nos alimentarmos, vamos “limpando” a casa, vamos consumindo o que estava armazenado, proteínas, mitocôndrias que envelhecem e morrem, vírus que conseguimos matar e que ficaram lá… Vamos destruí-los e alimentar a célula com eles. Por isso ficou provado que fazer jejum de 12 horas diurnas ou 16 horas noturnas é muito saudável. Este senhor aconselhou a fazer a limpeza da casa uma vez por semana, mas há quem o faça duas vezes por semana, para ajudar na perda de peso. E o ideal será fazer um bom lanche, saltar o jantar e depois tomar o pequeno-almoço.
– Qual é a sua opinião em relação à utilização de medicamentos como o Ozempic, usado no tratamento da diabetes, para a perda de peso?
– É eficiente, sem margem de dúvida. Funciona como uma cirurgia bariátrica, ou seja, vai atuar nos sensores cerebrais, na nossa área de saciedade ao nível do cérebro, reduzindo efetivamente o apetite. Por outro lado, retarda muitíssimo o esvaziamento gástrico. A utilização desta medicação começa, contudo, a estar ligada a quadros de depressão por quem a utiliza só porque tem cinco ou seis quilos a mais. Ao tirar o apetite, vou comer muito pouco, e, se não fizer uma boa suplementação, vou desnutrir o organismo, principalmente nas vitaminas B3 e B9, que estão relacionadas com o sistema nervoso. Portanto, a toma da medicação tem que ser sempre acompanhada. Para quem tem apenas excesso de peso, e não obesidade, não faz sentido, na minha opinião, fazer esta medicação. Basta mudar o estilo de vida através da alimentação e do exercício físico.
Nutrição e desporto
A ligação de Cláudia Minderico à nutrição surgiu através do desporto. Foi atleta de ténis – chegou a participar no Campeonato Nacional Sport Goofy – e praticou natação, competindo a nível regional. Foi, contudo, enquanto treinadora que começou a estudar formas de potenciar o desempenho dos atletas através da alimentação. Começou por tirar a licenciatura em Educação Física e Desporto na Faculdade de Motricidade Humana, tirou uma segunda licenciatura em Ciências da Nutrição e Alimentação no Instituto Superior Egas Moniz, fez um mestrado em Nutrição Clínica pela Universidade Autónoma de Barcelona e tirou o doutoramento em Condição Física e Saúde na Faculdade de Motricidade Humana, além de ter várias formações no âmbito da nutrição clínica, nutrição do desporto e composição corporal. É professora há 32 anos, autora de vários artigos pedagógicos e científicos no âmbito da nutrição clínica, nutrição do desporto e composição corporal, e nutricionista do Comité Olímpico de Portugal há seis anos.