Há 39 anos, então com apenas 21 anos, João Rôlo abriu a sua primeira loja, no antigo Centro Comercial City, em Lisboa, no dia do seu aniversário, 20 de abril. Começou a ser visitado e a vestir algumas das maiores estrelas da altura, como Serenella Andrade, Eládio Clímaco, Valentina Torres, Helena Ramos ou Manuel Luís Goucha, e apresentou o seu primeiro desfile em 1986. “Foi o Carlos Castro que nas suas crónicas falou da minha loja e de como havia um jovem que fazia coisas completamente diferentes para a altura. Tornei-me notícia por causa disso e as coisas foram surgindo”, explicou-nos o estilista numa conversa que decorreu no seu ateliê.
Tornou-se rapidamente um dos criadores mais desejados por atrizes, apresentadoras e cantoras, como Fátima Lopes, Sofia Ribeiro, Fernanda Serrano ou Mariza, entre muitas outras. Recentemente vestiu Cristina Ferreira para as galas do Dança com as Estrelas, da TVI, e tem visto o seu nome ser uma das marcas portuguesas mais internacionais.
Atualmente trabalha principalmente para países do Médio Oriente, tendo um espaço seu nas Galerias Printemps, em Doha, no Qatar, e está representado numa loja multimarca no Mónaco. Já vestiu estrelas internacionais, como a ex-Spice Girl Mel B., Nicole Scherzinger, das Pussycat Dolls, Amanda Holden, do programa Britain Got Talent, ou Victoria Swarovski, herdeira do império de cristais austríaco Swarovski, mas também cantora e apresentadora. Ainda assim, assume que não atingiu o pódio, mas que em breve o fará, com um projeto que, acredita, “irá fazer o meu país perceber que me deveria ter dado mais valor”.
– Parece sentir-se muito feliz neste ateliê.
João Rôlo – Sim, aqui sinto-me completo. Às vezes, ao fim de semana, quando estou farto de estar em casa, venho para aqui [risos]. A minha casa é onde descanso e aqui é onde me realizo.
– Como é que consegue, passados quase 40 anos de criações, continuar a inovar?
– Não sei… Estou sempre à procura de algo, do que ainda não está feito. Estou sempre em busca da inovação e da perfeição na criação, e isso faz com que me consiga reinventar. Há designers que mantêm sempre o mesmo estilo, mas eu não, eu gosto de ir acompanhando o mundo da moda, de estar atento às novas gerações e, desta forma, criar tendências.
– Essa atenção constante faz com que mantenha um espírito mais jovem?
– Sem dúvida, a cada dia sinto sempre que estou no início da minha carreira. Ainda agora tinha aqui o ateliê com 200 e tal vestidos espalhados e estar a arrumar tudo faz-me bem, parece que renasço, que o entusiasmo volta a fazer parte de mim. Sou mesmo muito feliz no que faço.
– Isso quer dizer que ao longo de todos estes anos nunca duvidou deste caminho na moda?
– Nunca, sempre soube que era isto que queria fazer e era disto que queria viver, e tenho feito por isso. Soube procurar mercados quando o mercado aqui começou a ficar pequeno para o que eu queria fazer e criar. Comecei a sentir-me limitado pelo país e não quis que isso ceifasse a minha criatividade. Foi assim que fui parar às Arábias, onde já me sinto em casa.
– Sente que tem sido mais acarinhado a nível internacional do que nacional?
– A nível do público, não, sou muito acarinhado pelas pessoas e sei que têm muito bem a noção do meu valor e do peso que tenho. As pessoas do mundo da moda também têm essa noção e acho que é isso que realmente as incomoda. Hoje em dia tenho essa perceção, mas antigamente achava que era eu que estava mal, não percebia porque é que as coisas me custavam tanto, porque é que era tão boicotado, e cheguei, inclusive, a duvidar do meu talento. Mas o tempo é bom conselheiro e hoje em dia olho para tudo isso com muita leveza. Sempre gostei de fazer alta-costura e algumas pessoas não entendiam esse conceito e não me viam como parte do chamado mundo da moda. Depois, também nunca gostei de entrar em lobbies e isso, obviamente, tornou tudo mais difícil. Não gosto de andar atrás nem a dar graxa para chegar a qualquer lado, e isso levou-me a fazer uma vida paralela à dos restantes nomes da moda.
“Houve alturas em que soube que ainda estava longe do que almejava, mas sempre acreditei que lá chegaria. Nunca duvidei do talento e da criatividade que tenho.”
– Tudo isso podia ter feito com que duvidasse do seu talento…
– Houve alturas em que soube que ainda estava longe do que almejava, mas sempre acreditei que lá chegaria. Nunca duvidei do talento e da criatividade que tenho, mas também precisava de ganhar dinheiro para pôr isso em prática, para comprar materiais cada vez melhores e para continuar a evoluir. Não venho de pais ricos e sempre tive de trabalhar e ir investindo o dinheiro que ia ganhando.
– Essa determinação vem da sua educação?
– Eu sou Touro de signo e quando decido uma coisa levo tudo à frente [risos]. É muito difícil desistir de uma coisa que quero ou em que acredito, mas acho que, naturalmente, também terá a ver com a minha educação. Apesar de todos os meus irmãos serem bancários e eu ser das artes, o meu pai sempre me disse: “Podes ser aquilo que tu quiseres, desde que faças sempre o melhor.”
– E sente que já chegou onde quer?
– [Risos] Nem pensar! Penso que muito em breve, talvez em poucos meses, irei fazer o que sempre sonhei na vida, e aí, sim, vou fazer o meu país perceber que me devia ter dado mais valor. Ainda não posso contar, por questões contratuais. Sinto que já não tenho de provar nada a ninguém e vivo tranquilamente com o meu trabalho, com as minhas ideias e intuição.
– Faz alta-costura, mas também outro género de peças mais em conta.
– Claro, nem todas as pessoas têm dinheiro para pagar alta-costura. Eu faço couture. É engraçado que as pessoas aqui acham que uma peça com brilho é alta-costura, e a alta-costura tem padrões muito restritos de confeção, de trabalho. Todas as minhas peças têm uma estrutura e uma apresentação e acredito que não haja ninguém no nosso país com a minha qualidade. Prova disso é que tenho celebridades internacionais com acesso a todas as marcas do mundo que compram as minhas peças. Pessoas que têm biliões e me ligam porque viram um vestido meu no Instagram e me enviam as suas medidas tiradas pela casa Chanel só me podem fazer acreditar que as minhas coisas são mesmo muito boas.
– Como se faz o processo de criação? Onde vai buscar inspiração?
– Desenho sempre em frente das minhas clientes, elas são a minha inspiração. Fica logo tudo decidido. Tem um pouco de psicologia. Gosto de conversar com a pessoa, de a analisar, e consigo perceber o que é o seu mundo e a sua personalidade. É quase como se fizesse uma radiografia imediata daquela pessoa e acredito que esse é o grande sucesso do meu trabalho. Não faço cabides, não sigo tendências, valorizo a pessoa que me procura.
– Apesar de todo o luxo de que se rodeia, mantém-se o mesmo João de sempre…
– Sim, eu gosto de fantasiar com a minha roupa, mas não com a minha vida. Somos terrenos e ninguém é mais do que ninguém. Nascemos e morremos sem nada. A ostentação não faz parte de mim. Não ligo nada a isso.
“Adoro crianças, mas nunca quis a responsabilidade de ter um filho, de lhe dar educação.”
– Alguma vez se arrependeu de não ter tido filhos ou constituído família?
– Não. Adoro crianças, mas nunca quis a responsabilidade de ter um filho, de lhe dar educação. E depois sempre pensei que não queria falhar na minha profissão por causa de um filho, mas também não queria falhar com um filho por causa da minha profissão. Como tenho os meus sobrinhos e os filhos dos amigos, que posso devolver quando quiser [risos], nunca senti essa necessidade. Quanto à minha vida, sinto-me muito feliz com o que vivi até hoje, inclusive com os erros que cometi. A vida é uma aprendizagem, uma escola. Sinto-me realmente bem com o rumo que a minha tomou.
– Trocar Portugal pelo Médio Oriente faz parte dos planos?
– Não, o meu país será sempre o meu porto de abrigo. Em tempos tive um investidor no Dubai e não aceitei. Não gosto de estar dependente de ninguém profissionalmente. Prefiro ter pouco e ser meu do que estar com milhões e ser dependente de um investidor. Se fosse deslumbrado, já lá estava no bem bom [risos].