A cantora lírica Cecilia Lavilla Berganza nasceu em Madrid há 58 anos, filha do consagrado pianista Félix Lavilla e de um dos maiores nomes do canto lírico de todos os tempos, a aclamada mezzo soprano Teresa Berganza. Recentemente, por ocasião do Cascais Ópera – Concurso Internacional de Canto, promovido pelo maestro Adriano Jordão e no qual participaram mais de 40 jovens oriundos de 21 países, realizou-se no Casino Estoril um espetáculo com árias da Carmen, uma das óperas em que Teresa Berganza mais se destacou. Cecilia, que é uma apaixonada por Portugal, onde vem regularmente, veio de propósito ao nosso país para assistir a essa homenagem à sua mãe e para dar uma master class no concurso. Mas foi no Teatro Nacional de São Carlos, onde a sua mãe cantou diversas vezes, e onde, na final do concurso, esteve patente uma exposição de vestidos de palco de Tereza Berganza, que nos falou, com enorme simpatia, do ambiente musical em que cresceu, do peso do seu apelido, da influência dos pais no seu percurso como cantora, com o qual diz ser muito realizada, e do privilégio de ter partilhado o palco em recitais com a mãe, que apesar da fama internacional “nunca foi uma diva”.
– Sendo filha de uma cantora lírica e de um pianista, a música era quase um destino obrigatório para si?
Cecilia Lavilla Berganza – Seguramente. Um destino que no momento certo me foi difícil assumir, precisamente pela qualidade do que havia em casa. Mas a verdade é que vivíamos esse ambiente como algo natural.
– A sua mãe costumava cantar para si e para os seus dois irmãos quando eram pequenos?
– Sim, cantava muito, lá em casa estava-se sempre a cantar. Eu e os meus dois irmãos fazíamos óperas inteiras com ela, conhecíamo-las todas.
– Os seus irmãos também são cantores?
– Não, mas em pequenos cantarmos era uma brincadeira.
– Tem filhos?
– Tenho um.
– E ele também canta?
– Não, não quer saber nada disso, é desportista, quer é correr [risos].
– Foi a sua mãe que percebeu que a Cecilia tinha talento vocal?
– Foi ela que quis que eu estudasse canto. Porque acreditava que eu tinha uma voz. Mas também estudei decoração de interiores, porque achava que tinha que ter uma alternativa se o canto não funcionasse.
– E chegou a trabalhar como decoradora?
– Sim, quando acabei o curso comecei a trabalhar em decoração, mas também nessa altura comecei a ter aulas de canto, a minha mãe mandou-me estudar com a grande cantora Isabel Penagos, já eu tinha 24 anos, e deixei a decoração. E estreei-me a cantar com a minha mãe, foi muito emocionante poder cantar ao lado dela, ela ajudou-me muitíssimo, senti-me protegida.
–Ela chegou a ser sua professora?
– Sim, a Isabel Penagos fez a primeira parte, digamos a parte mais técnica, mas depois disso trabalhava sobretudo com o meu pai e a minha mãe.
“A minha mãe era muito exigente com toda a gente, mas de facto comigo tentava que fosse tudo perfeito e bonito.”
– E era mais exigente consigo pelo facto de a Cecilia ser filha dela?
– Ela era muito exigente com toda a gente, mas de facto comigo tentava que fosse tudo perfeito e bonito. Trabalhávamos cada nota, cada acento.
– Imagino que tenha muito orgulho por ter tido uma mãe assim.
– Muitíssimo! Sempre que me perguntam isso digo que na balança pesa sempre mais o lado positivo do que o lado difícil.
– Ela estava muitas vezes ausente, isso fê-la sofrer quando era criança?
– Não muito, porque tínhamos os nossos avós, os pais da minha mãe, que ficavam connosco sempre que os meus pais viajavam, por isso sentimo-nos sempre muito acompanhados e protegidos, muito amados. E a minha mãe falava-nos todos os dias pelo telefone e também escrevíamos cartas todos os dias. E sempre que podia levava-nos com ela.
– Quando estava convosco compensava essas ausências?
– Sim, completamente, era uma mãe-galinha, adorava ter-nos a todos à sua volta e muito próximos. Aproveitávamos muito o tempo que passávamos com ela.
– Teve a oportunidade de partilhar o palco com ela várias vezes. Considera que foi um privilégio?
– A minha mãe foi uma das melhores cantoras líricas de todos os tempos, por isso, claro que foi o maior dos privilégios!
– Foi difícil para si conquistar o seu próprio espaço carregando o nome Berganza?
– Foi difícil sobretudo porque havia sempre a comparação. Todos somos diferentes e nunca pretendi ser como ela, e o difícil foi fazer as pessoas compreenderem isso, que eu era outra pessoa, outra voz. Mas acabou por ser facilitado pelo facto de ela ser mezzo soprano e eu soprano.
– A Cecilia ainda canta muito?
– Sim, faço muitos recitais, com piano, música de câmara, e trabalho muito os compositores espanhóis e franceses, é com os que me sinto mais realizada.
“Trabalho muito com o meu companheiro, o pianista Miguel Ituarte, e fazemos tudo com muito detalhe, de forma muito intensa.”
– E já não canta ópera?
– Não, participei em algumas produções de ópera nos primeiros anos da minha carreira, mas a música de câmara, que é um universo maravilhoso e cheio de possibilidades, foi ganhando cada vez mais importância e espaço na minha vida. Recitais com piano, com guitarra ou com quarteto converteram-se no reportório em que me sinto mais confortável. Trabalho muito com o meu companheiro, o pianista Miguel Ituarte, e fazemos tudo com muito detalhe, de forma muito intensa.
– Não é difícil trabalhar com ele?
– É! [risos] Mas respeitamo-nos muito um ao outro.
– É uma carreira compensadora?
– Sim, muito! Também dou aulas de canto há vários anos e é igualmente muito gratificante. Tenho aprendido a concretizar-me com tudo o que faço.
– A sua mãe era famosa pela interpretação da Carmen. É um papel de que também fez?
– Não, porque a Carmen é um papel para mezzo soprano.
– Veio a Portugal no âmbito de um concurso de canto lírico em que houve um concerto de homenagem à sua mãe precisamente com árias da Carmen. Sente que, como veterana, deve ajudar os cantores mais jovens?
– Claro, há que ajudá-los muito, sobretudo emocionalmente, porque os tempos estão difíceis para trabalhar.
– No dia da final do concurso houve uma exposição no Teatro São Carlos de vestidos de cena da sua mãe, que cantou neste teatro várias vezes. Estes vestidos pertencem-lhe a si?
– Sim, são nossos, meus e dos meus irmãos, e alguns deles até os vesti em recitais meus.
– O que mais é que a Cecilia e os seus irmãos fazem para manter o legado dela vivo?
– Tudo o que conseguimos. Doámos todo o arquivo de documentação sobre ela, fotografias, programas, tudo o que tem a ver com o lado da carreira dela, à Escola de Canto de Madrid. E talvez doemos alguns vestidos a algum museu. Agora tiraram-mos para esta exposição [risos].
Agradecemos a colaboração de Teatro Nacional de São Carlos