Na véspera de apresentar um novo programa na TVI, intitulado Dilema, que irá juntar-se ao talkshow que conduz diariamente no mesmo canal, Manuel Luís Goucha conversou com a CARAS sobre o seu longo percurso profissional e o atual paradoxo que vive, entre a vontade de abrandar o ritmo e estar sempre pronto para um desafio que o deixe feliz.
Aos 69 anos, o comunicador, casado com Rui Oliveira, falou também sobre o seu lado mais pessoal e de como uma longa relação só se mantém com compromisso, cedência e sentido de humor. Confessou, ainda, que teme perder a mãe, Maria de Lourdes Sousa, com 100 anos, mas que tudo o que viveu ao seu lado será mais forte do que a perda.
– Tem uma carreira vasta. Sente que há alguma coisa que ainda não tenha feito?
Manuel Luís Goucha – Não sei se me falta algum registo diferente, falta-me ser melhor. Sou muito insatisfeito. Sei o valor que tenho como apresentador, agora muito dedicado à conversa, mas tenho sempre a certeza de que podia fazer mais e melhor e é isso que me motiva a continuar.
– São os talkshows que o motivam nesta fase?
– Durante muitos anos fiz as manhãs, nas quais as conversas são muito rápidas, e nos últimos quatro tenho estado à tarde com conversas de 50 minutos, uma hora, que é, de facto, algo que gosto muito de fazer. Aos 66 anos, ter finalmente um programa de conversas com tempo é um luxo em televisão. É o programa certo na fase da vida em que estou, sem dúvida.
– Continua a fazer uma preparação exaustiva ou já se permite relaxar?
– Preparo-me sempre para o programa do dia seguinte como se fosse uma estreia, é daí que vem a minha segurança e o segredo para o meu sucesso. Até porque se há qualidade que tenho é a de ser curioso. E Goucha credibilizou-me como entrevistador. Raramente alguém recusa lá ir, inclusivamente políticos. Situo-me no centro, já dei a cara pelo PSD, mas os meus convidados são de todos os quadrantes e não deixo de ser imparcial e colocar perguntas pertinentes.
– Não tem medo que essa postura o prejudique?
– Nunca prejudicou. Quero acreditar que ninguém vai em “carneirada” atrás da minha opinião, que as pessoas pensam pela sua própria cabeça. A democracia é a existência da pluralidade.
– O que significam 50 anos de democracia para quem cresceu na ditadura?
– Significam justamente a pluralidade de opiniões, o respeito pelo outro e a liberdade de podermos conversar sobre todos os temas abertamente, razão pela qual temo os partidos radicais. Se estivessem no poder, a democracia seria afunilada e a nossa ainda é muito recente. Em1968, a mulher não votava, não havia divórcio. A minha mãe esteve separada judicialmente até 75 e não vivia com o meu pai desde 59. É preciso lembrarmo-nos da História recente. As democracias acabam e depois vêm períodos opressores e ditatoriais. Sermos livres é o bem maior.
– Cresceu em Coimbra, uma cidade pequena, com uma mãe progressista.
– A minha mãe não era bem progressista, era uma mulher à frente do seu tempo, porque era separada judicialmente e financeiramente independente. Não era politizada. Fui o único aluno do liceu com pais separados. Hoje, deve ser difícil encontrar alunos com os pais juntos. Talvez se tenha banalizado o divórcio. Luta–se pouco por um casamento que possa perigar num ou noutro contexto ou fase. Coimbra era uma cidade conservadora, um meio muito fechado, o que me salvava eram os livros e a televisão.
– Foi esse conservadorismo que o fez vir para Lisboa?
– Sim. Aos 17 anos vim para Lisboa, apoiado por um tio materno. Vim construir a minha vida. A minha atitude de coragem na vida é essa. Depois, com 19 ou 20, assumi perante a minha mãe a minha sexualidade. Ela só disse “quero que sejas feliz” e esta frase resolveu toda a minha vida.
“Tive a minha mãe, para já, 69 anos. Só tenho de agradecer à vida.”
– Ter uma mãe com 100 anos é um privilégio. Tiveram sempre uma relação cúmplice?
– Ter a minha mãe cognitivamente perfeita com esta idade é maravilhoso. Sempre fomos cúmplices, no entanto, ela é uma mulher extraordinariamente independente, que continua a viver na sua casa, em Coimbra, devidamente acompanhada por duas senhoras e tendo o meu irmão, cunhada e sobrinhos por perto. Já tem até bisnetos. Agora, quando se chega a esta idade, há um susto permanente quando o telefone toca. Penso na perda da minha mãe diariamente, mas independente dessa perda, que acontecerá, há uma graça muito maior, que é mais forte do que a morte: tive a minha mãe, para já, 69 anos.
– Estando a trabalhar à tarde, tem mais tempo para si e para a sua família?
– Nem por isso. Falo com a minha mãe quase diariamente. Com o Rui, ganhei algum tempo, porque ele tornou-se apresentador e fica em Lisboa. Antes desta aventura, estava a gerir o lado agrícola da minha empresa, no Alentejo. Agora, vou a Monforte de 15 em 15 dias.
– Sendo assim, o projeto de passar mais tempo no monte está adiado.
– Sim. Estar lá mais tempo implicaria não ter um programa diário, como tenho. Este contrato com a TVI vai até 31 de dezembro e depois logo se verá, mas enquanto a televisão me quiser, estiver apto cognitivamente e for feliz como apresentador, continuo. Não faz sentido reformar-me. Se puder passar a fazer programas semanais, aproveito o monte de outra maneira e tenho mais tempo para o livro que estou a escrever. Isso gostaria. Mas a verdade é que tenho a vida que quis e com a qual fantasiava quando era criança. Como é que não hei de ser feliz? Continuei a brincar pela vida fora e isso é um prazer único.
– Está escrever um livro de memórias?
– Acaba por ser. Cruzo histórias da televisão com as da minha vida. Se falo de uma mãe que me tocou muito numa programa, inevitavelmente tenho de falar sobre a minha. O mesmo se escrever sobre um pai, como o da transgénero Alice, que apesar de ser professor numa cidade de província estava orgulhosamente ao lado da filha na televisão. Isto leva-me ao meu pai, ausente e distante na minha vida.
– Mostra coragem quando fala do seu percurso, da ausência do pai, da orientação sexual.
– Para mim, tudo isso é muito tranquilo, mas tenho uma questão que ficou sempre por resolver em relação ao meu pai e de que falarei no livro. Não foi um bom pai e eu também não fui um bom filho. Ele deve ter pensado que a guerra com a minha mãe era tanta – acho que um dia me disse isso – que seria melhor esperar que nós fossemos maiores. Só que a maioridade era aos 21 anos e, nessa altura, já não havia hipótese de recuperar um vínculo que não existiu desde os três. Depois, no caso do Rui, as pessoas conhecem-no, não há razão para não falar dele, mas tenho o meu reduto de intimidade e privacidade que tem a ver connosco enquanto casal em que não há partilha para o exterior.
“Eu e o Rui casámo-nos, sobretudo, por questões legais, pois uma união de facto não tem os mesmos direitos que um casamento.”
– Uma relação que já tem 25 anos.
– É verdade. A relação completa 25 anos e o casamento foi há seis. Não era necessário, porque viver junto é um casamento. Importante é manter uma relação coesa e unida. Eu e o Rui casámo-nos, sobretudo, por questões legais, pois uma união de facto não tem os mesmos direitos que um casamento. De resto, nada mudou.
“Sou muito racional, disciplinado e o Rui é leve. Para ele, não há problemas.”
– É preciso, como dizia, lutar para manter um casamento?
– Obviamente! Viver com outra pessoa não é fácil. Facilita ter casas grandes [risos] e não alimentar discussões. Somos muito diferentes, mas convergimos em muitas coisas. O casamento é desafiante para todos. Agora, depois de 25 anos, conheço muito bem as fragilidades e seguranças do Rui. Ele também me conhece como ninguém e estamos juntos para construir e não para dividir. É esse o nosso norte. Respeitamo–nos e há cedências. Não temos de violentar a nossa essência, mas há coisas que vamos moldando com o outro. O Rui trouxe uma leveza à minha vida. Sou muito racional, disciplinado, só assim poderia fazer tanta coisa, e o Rui é leve. Para ele não há problemas, há soluções.
– Com vê a estreia de Rui como apresentador?
– Com graça. Ele é muito sociável, a antítese de mim, que sou bicho do mato. Está em festa permanentemente. A Maya viu-o na rubrica de culinária do meu programa e disse que se algum dia fizesse dupla, seria com ele. Isto foi-se avolumando, cimentando e é assim que começa.
– Qual é a sua relação com o dinheiro presentemente?
– O dinheiro permite-me fazer o que quero: ir à ópera a Milão ou Paris, passar o fim de semana fora, ficar em bons hotéis e ir a bons restaurante. No fundo, permite-me comprar “felicidadezinhas” e resolver problemas que possam surgir, como uma doença. Não é um objetivo em si, mas dá-me conforto.
“Quando se faz solidariedade não tem de se andar a dizer. A vida deu-me muito, portanto, devolvo parte.”
– É um homem solidário, embora não goste de falar sobre isso.
– As pessoas só sabem das histórias que me tocam em televisão. Tenho de agir, porque não consigo ficar indiferente. Há muito mais, mas não me interessa falar nisso. Quando se faz solidariedade não tem de se andar a dizer. A vida deu-me muito, portanto, devolvo parte e sinto-me bem.
Agradecemos a colaboração de Evolution Cascais-Estoril Hotel