Rita Piçarra é um exemplo inspirador de como é possível alcançar a liberdade financeira através de trabalho árduo e planeamento estratégico. Educada numa família rica em amor, compreensão e carinho, mas não financeiramente abastada, Rita foi encorajada a procurar uma profissão que não só a realizasse pessoalmente, mas também lhe proporcionasse estabilidade financeira. Formada em Auditoria pelo ISCAL, iniciou a carreira na empresa de auditoria Deloitte, tendo ingressado pouco depois na Microsoft Portugal, onde alcançou o cargo de diretora financeira. Contudo, alguns sinais de burnout e a morte prematura dos progenitores (o pai morreu aos 54 anos de ataque cardíaco e a mãe aos 59 anos por causa de um mieloma múltiplo), sublinharam a urgência de encontrar um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. O ano passado, com apenas 44 anos, deu-se ao luxo de se despedir da carreira corporativa. Reformada e a viver de rendimentos gerados por investimentos que foi fazendo em imobiliário e ações, Rita dedica-se hoje a fazer surf, a andar de skate, a pintar e a usufruir de uma vida mais tranquila ao lado do marido, Nuno Miranda, e da filha, Teresa, de 11 anos. Foi precisamente junto ao mar, em Carcavelos, que a CARAS marcou encontro com a antiga financeira para uma conversa que começou a propósito do livro que lançou este ano, A Vida Não Pode Esperar – A Estratégia para Conseguir Deixar de Trabalhar, editado pela Contraponto.
– Quem é a Rita Piçarra?
Rita Piçarra – É uma mulher, mãe, surfista, que gosta de andar de skate, adora viajar e, acima de tudo, tem liberdade. Comprou a liberdade de volta.
– Comprou ou conquistou?
– Boa pergunta. Sem dúvida conquistei, porque quando saímos da faculdade, damos a nossa liberdade a uma empresa a troco de um salário, e o que fiz foi conquistar essa liberdade de volta para não depender mais de um salário.
– Até essa altura, atividades como o skate e o surf estiveram hipotecadas para se poder dedicar à vida profissional?
– Sem dúvida. Por mais que tentes equilibrar a tua vida profissional com a vida pessoal, há sempre a prioridade que é o trabalho. E até teres maturidade suficiente na carreira, na vida corporativa e empresarial, até conseguires estabelecer as tuas prioridades pessoais, o desequilíbrio é quase permanente. Eu precisei de ser mãe e ver-me à beira de um burnout para perceber que primeiro temos de pensar em nós próprios. Quando andamos de avião, as comissárias de bordo dizem que, em caso de despressurização, as máscaras de oxigénio caem e somos nós que as devemos colocar primeiro, para depois conseguirmos ajudar quem está ao nosso lado. Mas quando somos novos e queremos conquistar o mundo e evoluir na carreira, e a empresa também muitas vezes assim o exige, passamos o eu para trás, passamos um bocadinho a família para trás, o que não está de todo correto. Temos de tentar este equilíbrio.
– Que sinais foram esses de que estaria perto de um burnout?
– Quando estava na Deloitte e, por vezes, ia chorar para a casa de banho, pensava que estava só cansada ou triste, nem sequer conhecia o significado dessa palavra. Há muitos anos que todas as manhãs faço um exercício, que é pensar nas minhas três caixinhas: a do eu, a da família e a dos amigos. Começo por perguntar se estou bem, se estou feliz, se ando a comer de forma saudável… E quando a maior parte das respostas a estas perguntas é “não”, vários dias seguidos, mesmo estando focada em melhorar, percebo que está algo pior prestes a acontecer. Este, para mim, sempre foi um sinal de alerta.
– Foi nessa altura que começou a repensar as suas prioridades?
– Tentei perceber o que poderia fazer para conseguir reverter a situação, comecei a estabelecer prioridades, a perceber o que é que era mais relevante para mim.
“Sempre fui uma pessoa muito ambiciosa e a minha prioridade era o trabalho.”
– Até então era o trabalho?
– Sem dúvida. Sempre fui muito ambiciosa e, portanto, a minha prioridade era o trabalho. Passei alguns anos fora, em Seattle, Paris, São Paulo, Miami e Madrid. Fui mãe em 2012 e em 2013 mudámo-nos para Miami. Inscrevemos a Teresa num jardim de infância onde tinha que a ir buscar até às 5 da tarde. Fizeram-me assinar um papel em que me cobrariam 5 dólares [€4,68] por cada minuto que chegasse atrasada. Logo na primeira semana fiquei parada no trânsito, devido a um acidente, e quando liguei para o infantário a avisar que poderia chegar mais tarde, responderam-me que a minha filha estava lá desde as 8 da manhã, que estava sozinha, com fome e com vontade de ir para casa. Naturalmente desatei a chorar no carro, a pensar que era a pior mãe do mundo… Cheguei 7 minutos atrasada e paguei 35 dólares [€32,75]. Nesse dia prometi a mim própria que, independentemente dos fogos que precisassem de ser apagados na empresa, iria sair às 16h15 para ter a certeza de que chegava a horas ao infantário. Naturalmente não por causa do valor que paguei, mas pelo sentimento que me provocou perceber que estava a subir na carreira, mas o que me era mais querido estava a ficar para trás, eu não estava a ser a melhor mãe. Naquele momento estava triste, sentia que tinha falhado com a minha família.
– E foi por isso que repensou o seu futuro profissional ou o ponto de viragem aconteceu após a morte dos seus pais?
– O meu pai morreu com 54 anos, acabou por não gozar a reforma nem aquilo que todos ambicionamos, que é ter tempo para fazer o que quisermos. Nessa altura defini que queria deixar a vida corporativa aos 50. Se tivesse alcançado o meu objetivo, que era ser a diretora financeira da Microsoft, fantástico, caso contrário, abdicaria desse sonho.
“A morte do meu pai alertou-me. Estou a vivera minha segunda vida.”
– Chegou ao cargo antes disso.
– Sim, aos 38. Quando o meu pai morreu, fiz um planeamento financeiro muito apertado, tive de poupar muito dinheiro, investir, para me conseguir retirar. Há uma frase de Confúcio que diz que todos temos duas vidas, a segunda começa quando nos apercebemos que temos só uma. A morte do meu pai alertou-me. Estou agora a viver a minha segunda vida.
– E o que é que quer desta sua segunda vida?
– Uma coisa de que me apercebi foi que, quando as pessoas se retiram, seja por independência financeira antecipada ou por reforma, normalmente entram em depressão. E isso é muito assustador. Tive de trabalhar com uma psicóloga para perceber porquê, e tomei consciência de que tenho que ter um novo propósito, um novo objetivo, que defini que seria ajudar pessoas. Pensava fazer voluntariado ou dar aulas numa universidade sénior, mas depois do sucesso da minha entrevista no podcast O CEO É o Limite, percebi que o meu propósito é ajudar pessoas a tomarem as rédeas da sua carreira, da sua vida financeira, a escreverem o seu futuro, a pintarem a tela da sua vida para serem felizes, porque acho que há em Portugal muitas pessoas infelizes. Vejo uma quantidade de pessoas que reclamam que ganham pouco e trabalham muito e pergunto-lhes: o que é que estão a fazer para mudar isso? Estão à procura de outro trabalho? De formação para ter mais competências e mudar de carreira? Estão a pensar emigrar? Tomaram controlo das suas finanças? Quanto tempo dedicam a ver para onde é que o dinheiro está a ir?
– Porque ainda existe iliteracia financeira?
– Muito. Não se fala de dinheiro. O dinheiro é tabu. E essa literacia financeira deveria fazer parte da educação dos miúdos, para perceberem a importância do dinheiro. Isso foi uma das coisas que os meus pais me ensinaram: como havia falta de dinheiro, tinha de ser racionalizado e bem gerido.
– Acha que a sua filha irá conseguir reformar-se igualmente cedo ou, porventura, será mais difícil para as gerações mais novas atingir esse objetivo?
– Muito honestamente, estou a tentar preparar a minha filha para gerir os investimentos que eu fiz e lhe deixei. Não lhe quero deixar tudo, mas o suficiente para ela conseguir gerir e ficar bem. Portanto, na realidade, ela vai ter uma vida mais privilegiada do que aquela que eu tive e, se calhar, mais privilegiada do que a média portuguesa. O que estou a tentar fazer é educá-la financeiramente. Jogamos muito ao Monopólio, por exemplo, aos 11 anos ela já sabe o que é uma hipoteca de uma casa.
– Está não só a deixar uma almofada financeira como as ferramentas para que saiba cuidar dela?
– Sim. Mais importante do que lhe dar o dinheiro é dar-lhe as bases para ela o saber manter e multiplicar.
Agradecemos a colaboração de Ericeira Surf & Skate, Billabong Portugal e Biju & Arts da Su