“Gosto deste relógio porque é simples e vê-se bem as horas. É como um edifício: tem de ser simples e funcional, e se possível bonito… ou então, como dizia o Oscar Niemeyer, tem de ser bonito e, se funcionar, melhor.” diz, divertido, Eduardo Souto Moura ao descrever-nos o relógio de uma série numerada que desenhou para a Cauny e que foi lançado na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, um espaço com a sua assinatura. Foi aí que o arquiteto, de 71 anos, nos cedeu alguns minutos do seu tempo para pormos a conversa em dia. Trabalhador inveterado, contou-nos que um enfisema pulmonar o fez abrandar o ritmo e que agora viaja muito menos, passou a ter os sábados livres e até já tira 15 dias de férias para poder aproveitar a companhia da mulher, Luísa Penha, também arquiteta, com quem está casado há 43 anos, das filhas, Maria Luísa, de 42 anos, Maria da Paz, de 38, e Maria Eduarda, de 34, dos genros e dos quatro netos, três raparigas e um rapaz. Com um Prémio Pritzker e um Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza no currículo, além de muitos outros troféus, diz que há um que gostaria de juntar a todos os reconhecimentos que já teve: o de Arquitetura Contemporânea da União Europeia – Mies van der Rohe.
– A arquitetura é uma espécie de vício?
Eduardo Souto Moura – É. Mas, mais do que um vício, existe a necessidade de estar sempre muito disponível para a arquitetura. Tenho de pensar muito, pensar nos outros, e não é demagogia, porque a arquitetura é uma arte social com uma responsabilidade em relação ao coletivo, portanto, não podemos falhar. Por exemplo, um escritor, quando não gosta do que escreve, rasga o papel, um pintor, se não gosta do que fez, deita fora a tela, mas um arquiteto não pode fazer nada disso. Depois de a obra estar pronta, não pode querer fazer alterações.
– É para “espairecer” que se aceitam, por exemplo, este tipo de desafios, como desenhar um relógio?
– Sim. No fundo, também é arquitetura, mas com outra escala.
– Em que é que se inspirou?
– Não sou colecionador de relógios, mas gosto, e por isso quis fazer um à minha medida: analógico, com ponteiros e, se anda à volta, tem de ser circular e não quadrado. Depois, tentei resolver o que não gostava nos outros relógios.
“Houve uma altura em que pensei em desistir. Pensei em ser fotógrafo. Depois percebi que era uma fuga ridícula e cobarde.”
– Algum dia pensou em…
– Desistir? Pensei. Há alturas de grande cansaço e desalento e houve uma em particular em que, como dava aulas e a mercearia estava sempre resolvida, como se costuma dizer, pensei em ter uma atividade em que pudesse responsabilizar-me por ela sozinho, porque a arquitetura implica estar dependente de muito mais gente. Pensei em ser fotógrafo. Depois, percebi que era uma fuga ridícula e cobarde, porque ser fotógrafo também tem complicações, cada profissão tem as suas dificuldades, o que tem um lado bom, porque a falta de dificuldades leva-nos à mediocridade, a uma aceitação fácil das coisas.
– E combater a mediocridade leva-o a querer superar-se cada vez mais.
– Sim. São os problemas que nos motivam a trabalhar e aperfeiçoar.
– Mas o que lhe ia perguntar era se algum dia pensou que iria chegar ao topo. Que iria receber um Pritzker, por exemplo?
– Não. Como o Siza [Vieira] me ensinou, quanto mais se quer ganhar um prémio, menos se ganha. Por isso nunca penso em ganhar nada. Claro que tem muitas vantagens receber esse tipo de prémios, porque dá-nos perspetivas diferentes, dá-nos convites para trabalhos que nunca pensei ter, dá-nos acesso a projetos que não aconteceriam, mas a responsabilidade também é cada vez maior.
“Há um prémio que gostava de receber, o Mies van der Rohe, o arquiteto de quem mais gosto. Seria uma dupla honra.”
– E há algum reconhecimento que gostasse de ter?
– Há um prémio que nunca recebi e gostava que é o prémio Mies van der Rohe, o arquiteto de quem mais gosto e seria uma dupla honra, mas não penso muito nisso.
– Tem consciência do seu verdadeiro valor?
– Não posso ter. Se tiver isto acaba e vou para as termas [risos].
“Um dos segredos para um casamento de 43 anos como o meu é que cada um tem direito ao seu espaço e à sua vida. A outra regra é não falarmos de arquitetura.”
– Como concilia uma profissão tão absorvente com um casamento tão longo?
– Tem um segredo que não é segredo nenhum [risos]. Viajei muito, dei aulas lá fora, nos Estados Unidos, Moçambique, Suíça, Itália… e o facto de partir é que depois é bom chegar. A distância também é boa, porque os casais não podem conviver diariamente. Depois, cada um tem direito ao seu espaço e à sua vida e respeitamos muito isso. A outra regra é não falarmos de arquitetura [risos]. A Luísa também é arquiteta e é boa no que faz.
– Nunca houve rivalidades?
– Não e seria ridículo. Somos completamente diferentes.
– Duas das suas filhas que seguiram as vossas pisadas…
– Mas não trabalham comigo. Uma trabalhou um mês, mas não funciona trabalhar com a família. A mais nova trabalhou com o Siza. A do meio é enfermeira, andou pelo mundo inteiro, tem uma vocação quase missionária e atualmente vive no Porto. É talvez a que se interessa mais pelo meu trabalho.
– Reformar-se é uma miragem?
– Acho que sim. O Siza, por exemplo, tem 91 anos e trabalha noite e dia e sábados e domingos. Eu agora não trabalho aos sábados, para ter uma referência em relação aos dias de semana, senão não sei quando é que é segunda ou sexta-feira… Quando era novo, como ia à missa, ainda sabia que era domingo [risos].
– Não trabalha aos sábados. E férias, consegue ter? Tempo para viajar?
– Antigamente tinha uma semana de férias, agora tenho 15 dias, embora não desligue totalmente. Para viajar estou um bocado limitado, porque fumei muito, os meus cigarros e os do Siza [Vieira] quando trabalhávamos juntos, e agora tenho um enfisema pulmonar.