Natural de Monforte, no Alto Alentejo, Maria Caetano cresceu no seio de uma família ligada ao campo, à criação de cavalos e à equitação. Começou a montar a cavalo com apenas 3 anos e, hoje, é considerada uma das melhores cavaleiras portuguesas. A dias de partir para Paris com o seu companheiro de equipa, o cavalo Hit Plus, e com o pai e treinador, o cavaleiro tauromáquico Paulo Caetano, Maria Caetano reuniu a família na quinta dos avós paternos, na zona da Costa de Caparica, e partilhou com a CARAS os seus planos e expectativas para esta que será a segunda jornada olímpica. “Manter os resultados de Tóquio seria ótimo, onde conquistámos o oitavo lugar por equipas. Esse é o grande objetivo e o grande sonho”, assegurou a cavaleira de dressage, de 37 anos, que contará, naturalmente, com o apoio incondicional de António Gomes Pereira, com quem vive há quatro anos, e sempre a pensar na filha, Rosarinho, que nasceu a 02/02/2022.
– Pelo que percebo, guarda boas memórias do tempo que passou nesta quinta.
Maria Caetano – Sim, sem dúvida. Além das memórias das férias que aqui passei em criança, foi aqui que treinei durante os oito anos que vivi em Lisboa. Conciliei o desporto de alta competição com o curso de Gestão de Empresas, que tirei na Universidade Católica, onde depois acabei por ficar como professora assistente de Gestão de Operações. Mais tarde, ainda trabalhei na Volkswagen AutoEuropa, e tudo isto ao mesmo tempo que competia. Foram oito anos bastante agitados. Nessa altura era completamente workaholic e gostava muito do que fazia nas duas esferas, mas quando o desporto chegou ao nível olímpico, tive mesmo de fazer uma opção, e fiquei só pelo desporto.
– A carreira do seu pai como cavaleiro tauromáquico certamente terá influenciado a sua decisão de enveredar pelo hipismo?
– Não só a carreira como a ligação de toda a família à criação de cavalos. Os cavalos estiveram muito presentes na minha vida e o meu pai sempre teve um grande amor pela dressage, pelo desporto equestre em si, e sempre me incutiu essa paixão. Ele é meu treinador e de outros cavaleiros também.
– E como é que é ter um treinador que também é pai? Não existem quezílias, pressões ou atritos entre os dois?
– Não, é muito fácil trabalharmos juntos. Costumo dizer que é muito bom ter um pai como treinador porque, muitas vezes, quando um treinador é muito exigente, há a tendência do atleta trocar de treinador, e eu não posso trocar de pai…
– O desporto de alta competição obriga a muitas deslocações ao exterior. Como tem sido conciliar isso com uma vida familiar estável?
– O grande desafio do desporto é, sem dúvida, essa vida de caixeiro viajante, como costumo dizer. No meu caso, vivi durante três anos seguidos na Alemanha, onde este desporto é mais forte e se pode competir em mais concursos internacionais de alto nível sem ter que viajar tanto. Entretanto, nos Jogos Olímpicos de Tóquio, competi grávida de três meses.
– Tinha carta-branca do seu obstetra para poder participar?
– Mais ou menos… Confirmei que estava grávida no mesmo dia em que recebi a convocatória para me juntar à equipa olímpica. Na altura estava na Alemanha e vim logo falar com a minha médica a Portugal. Fizemos um plano para que tudo corresse bem, mas claro que há sempre riscos. Só o António e a minha assistente pessoal na altura, que era a tratadora dos cavalos, é que sabiam. Não disse aos meus pais porque achei que iam ficar muito preocupados. Só no dia em que terminei a prova nos Jogos Olímpicos é que lhes contei. Foi um momento muito emocionante.
– Consegue-se, então, planear uma gravidez sem deixar de competir?
– Foi uma janela de oportunidade. Fiz as minhas contas e percebi que, se competisse já grávida nos Jogos Olímpicos, ainda conseguiria ter a minha filha a tempo de me preparar para o Campeonato do Mundo, que iria acontecer no ano seguinte. Era um plano um bocadinho maluco, que poderia dar certo ou não…
– Montou grávida até quando?
– Depois dos Jogos Olímpicos já praticamente não montei. Prometi a mim própria que, depois de correr um risco tão grande, iria parar e portar-me bem. Como também não tinha competições muito importantes, dava descanso aos cavalos e a mim própria. Mas um mês depois dela nascer já estava a montar e, dois meses depois, já estava a competir e consegui qualificar-me para o Campeonato do Mundo.
– O que gostaria que a sua filha aprendesse ao vê-la lutar, assim, pelos seus objetivos?
– O que o desporto nos dá é precisamente essa noção de perseverança, de determinação, de garra para atingir os objetivos e, ao mesmo tempo, dá-nos muito a realidade da vida, de perder e continuar a lutar, de ganhar e celebrar cada vitória. Acho que o desporto, qualquer que seja, é das melhores educações que podemos dar a um filho.
– Aumentar a família faz parte dos seus planos? Nas últimas olimpíadas competiu grávida. Tem alguma novidade para contar?
– Não [risos]. Correu tão bem da primeira vez, foi uma gravidez tão tranquila, consegui competir sem nenhum problema, que não vale a pena atentar a sorte, como se diz no Alentejo. Mas sim, gostava de dar um irmão ou uma irmã à Rosarinho. Talvez depois dos jogos aconteça.
– A Rosarinho vai assistir às suas provas em Paris?
– Queria muito levá-la, mas os sistemas de segurança são tão rigorosos nos jogos, as multidões, os transportes, está tudo tão complicado, que acabei por decidir não a levar. Além disso, como os atletas têm de ficar a viver na Vila Olímpica, não ia poder estar com ela o tempo que quereria. Estar a sujeitá-la a estas confusões para quase não estar com ela, não vale a pena.
– Tem algum ritual ou superstição antes de entrar em competição? Sendo filha de um toureiro, que são conhecidos por terem muitas superstições…
– Sou um bocadinho supersticiosa, mais até do que o meu pai, mas são coisas tontas, do género não gostar de me cruzar com gatos pretos ou de passar o saleiro de mão em mão. Em competição gosto de seguir mais ou menos os mesmos rituais, não será tanto por superstição, mas uma maneira de me focar e de me concentrar. Gosto de estar o mais sozinha possível, não gosto de ver as provas dos meus adversários, gosto de estar focada só na minha prestação.
– Qual foi o melhor conselho que o seu pai já lhe deu em relação à sua carreira?
– Sempre que entro em pista em provas importantes, tento lembrar-me de uma ideia que me passou desde o início: faz o que sabes fazer, seja nos Jogos Olímpicos ou num treino na quinta.