Apaixonada pelo nosso país desde que o visitou pela primeira vez, Maria Alvarez García mudou-se para Lisboa de armas e bagagens há cerca de três anos. Mulher dos sete ofícios, a empresária espanhola, de 43 anos, herdou da mãe, a estilista Purificación García, a criatividade e o sentido estético, que alia na perfeição à sua paixão pela área dos negócios e do empreendedorismo. Proprietária, em parceria com os irmãos, de uma marca de acessórios, de um fundo de investimento na área da hotelaria e de uma fábrica de bolachas, realizou recentemente um desejo antigo: abrir uma cadeia de gelatarias. O local escolhido para a primeira loja foi o Príncipe Real, no coração da capital, e foi nesse espaço, inaugurado há um mês, que recebeu a CARAS.
– Como é que veio parar a Portugal?
Maria Alvarez García – Instalei-me cá em 2021, depois da primeira vaga de Covid-19, mas sempre tive a ideia de viver em Portugal. A minha irmã, mais nova do que eu um ano, estudou na Universidade Católica ao abrigo do programa Erasmus, há muitos anos, e quando vim visitá-la apaixonei-me e percebi logo que em algum momento da minha vida iria morar em Lisboa. Vivia em Londres há 10 anos e em 2020, em plena pandemia e sem vida social, percebi que a minha vida já não fazia sentido ali.
– O que é a que encantou no nosso país?
– No meu entender, é uma terra cheia de oportunidades a nível de negócios e está em crescimento. Lisboa é uma cidade que acolhe muito bem os estrangeiros, pode-se vir para cá sem se saber falar português. Vou a pé para o trabalho, tenho a praia a 15 minutos, e não há quase nenhuma cidade no mundo assim! Sempre vivi em grandes capitais, como Madrid e Londres, e faltava-me isso. Quase todos os fins de semana vou à Costa de Caparica e também rapidamente vou até à Comporta ou ao Algarve.
– Ao contrário de quem nos visita ou se muda para cá, não mencionou a gastronomia portuguesa…
– Bom, tenho de confessar que não gosto de bacalhau nem de arroz malandrinho. Mas gosto da comida, sim. Adoro o peixe e frequento muitos restaurantes de comida típica portuguesa.
– E mudou-se para cá sozinha?
– Sim, mas nunca estou sozinha. Tenho muitos amigos aqui, portugueses e estrangeiros que se mudaram para cá, tal como eu. Estou muito contente com a minha decisão, esta é a minha casa agora e não penso em sair daqui.
– Escolheu o Príncipe Real para viver porquê?
– Procurava uma casa diferente, com tetos altos, com muita luz, e encontrei uma que me encantou aqui no Príncipe Real. E apaixonei-me pelo bairro também, é muito familiar e calmo.
– E foi também onde decidiu abrir uma gelataria…
– Adoro gelados desde pequena e sempre disse que iria ter uma gelataria. Vivendo aqui, percebi que havia muita procura e pouca oferta e que não existia aquele gelado cremoso de que tanto gosto. Não havia um gelado de iogurte que me enchesse as medidas. Então, encontrei um sócio português e, em dezembro do ano passado, tomámos a decisão de abrir a Giola. Já inaugurámos também outra loja na Casa Reîa, um beach club da Costa de Caparica, e estamos a avaliar outros locais onde queremos abrir mais espaços, como o Chiado ou Belém. A ideia é abrir mais cinco aqui em Lisboa e depois expandirmo-nos para o Porto e para o Algarve.
– O que diferencia estas gelatarias das outras?
– Temos gelados vegan feitos com leite de arroz, o que não é comum. Os gelados são muito cremosos, com ingredientes naturais, e vamos variando a oferta de sabores. O doce de leite e o chocolate negro são dos favoritos, morango com menta também. E são todos feitos aqui na loja.
– Mas tem mais negócios.
– Tenho duas vertentes na minha vida profissional: os negócios com objetivos financeiros e os que levo a cabo só por paixão. A gelataria é um desses últimos. É quase um capricho meu. Este negócio e outro que tenho, que é uma fábrica de bolachas de amaranto no México, que é um projeto social. Se falasse sobre ele, teríamos de fazer uma outra entrevista, pois há toda uma história muito emotiva por detrás. Estes dois negócios preenchem-me o coração. Depois, tenho um fundo de investimento em hotéis e uma marca de acessórios, a Lonbali.
– Fale-nos um pouco sobre essa marca.
– Começámos há seis anos, eu e os meus irmãos, a minha irmã é a designer e a responsável pela parte gráfica, o meu irmão está na área de gestão e eu na parte estratégica.
– A Lonbali já chegou a Portugal?
– Ainda não, estamos a avaliar locais para a abertura de uma loja cá. Mas não temos a certeza onde poderá ser, se nas Amoreiras, se em Cascais ou no Chiado… Temos um ótimo feedback das portuguesas que compram online e por isso achamos que vai correr bem. Em Espanha temos seis lojas físicas, temos pontos de venda no El Corte Inglés e vendemos muito online. Estamos a crescer e já faturámos mais de cinco milhões de euros. Vendemos acessórios e complementos, desde beauty cases, nécessaires, bolsas para Ipads e smartphones, carteiras e malas, que são o nosso forte. E apostámos na personalização, ou seja, o cliente pode pôr as suas iniciais ou logos nas peças.
– Fazem concorrência à vossa mãe?
– Creio que sim, em determinado target de malas sim, mas a marca Purificación García tem um espectro de mercado gigante. Quem me dera chegar a esse nível, estar em todo o mundo!
– E o outro negócio de que falou, o fundo de investimento, de que se trata exatamente?
– É onde estou 90% do meu tempo neste momento. No fundo, pegamos em condomínios no Algarve construídos nos anos 80 e 90 localizados em zonas excelentes, reformamo-los e definimos todo um plano de gestão para rentabilizar o potencial que têm. Gostamos deste conceito de boutique hotel, que acho que no Algarve não há muito. Já abrimos, em soft opening, o primeiro na zona de Olhos de Água.
– Como consegue gerir tantas áreas diferentes?
– Tenho uma rotina muito estabelecida, principalmente de manhã: levanto-me, medito 20 minutos, vou ao ginásio e às 10h30 estou no escritório. Sou muito organizada e confio plenamente nas equipas que trabalham comigo, nas quais posso delegar tudo o que é preciso. Estou numa fase de muito trabalho, mas espero ter algum descanso no futuro.
– Mas há tempo para, por exemplo, estar com os amigos?
– Sim, tenho sempre tempo para eles. Os amigos e a família são fundamentais na minha vida e felizmente estou rodeada de pessoas que amo e que me amam.
– A sua mãe, Purificación García, nome incontornável da moda, já cá veio conhecer os seus negócios?
– Sim. Ela reformou-se há dois anos e agora tem tido mais tempo para vir cá. A minha mãe segue os projetos dos filhos, opina muito, dá-nos conselhos, principalmente em relação à Lonbali. E com a gelataria também me ajuda. É por causa dela que adoro gelados, porque em nossa casa havia sempre gelados.
– Olha para a sua mãe como um modelo a seguir?
– A minha mãe é a minha fonte de inspiração. Trabalhou dos 17 aos 73 anos, sempre com garra e a lutar pelos seus sonhos, por isso só posso estar orgulhosa e olhar para ela como um exemplo.
– Teve uma infância feliz?
– Os meus pais divorciaram-se quando eu tinha 5 anos, mas isso não me afetou, sempre fui uma criança alegre, tenho irmãos da parte do meu pai e da parte da minha mãe, somos uma grande família e sempre nos demos todos muito bem.
– Nunca sentiu o peso de ser “filha de”?
– Não. A única diferença é que a minha mãe sempre fez questão de dar aos seus três filhos aquilo que ela nunca teve possibilidade de ter, como, por exemplo, frequentar a universidade, aprender idiomas, poder viajar. De resto, acho que fui uma criança e uma jovem igual às outras. Claro que a minha casa estava sempre cheia de gente, passávamos muito tempo nos bastidores dos desfiles, aparecíamos nas revistas, conhecemos a rainha Sofía e muitas personalidades.
– Fale-nos um pouco do seu percurso profissional.
– Estudei Direito e Economia em Barcelona, mudei-me para Madrid, onde estive quatro anos a trabalhar num escritório de advogados na área do Direito Tributário. Aos 26 anos saí e mudei-me para Londres, fui trabalhar para a banca, como trader. Enquanto lá estive, eu e os meus irmãos lançámos a nossa marca. Depois, veio a Covid-19, em 2020, e no ano seguinte mudei-me para Portugal. E o resto já sabe.
– Sendo essencialmente uma mulher de negócios, há mais algum em que gostasse de apostar?
– Bom, agora estou focada na expansão do que temos, mas estou sempre a pensar em novas oportunidades. Por influência da minha mãe, a minha parte criativa está sempre a olhar para novos negócios. Adoro analisar as cidades e ver o que lhes falta, que oportunidades existem. No futuro, se calhar, vou apostar mais em projetos sociais como o que tenho no México.
– E fará as viagens que tanto quer fazer?
– Sim, tenho muitas viagens pendentes. Quero ir ao Sri Lanka, ao Nepal, repetir a viagem que fiz à Índia e ainda quero celebrar os meus 40 anos – tenho 43 –, reunir todos os meus amigos e familiares aqui em Portugal e fazer uma festa de três dias. Quero mostrar a todos os meus amigos de fora como Portugal é um país maravilhoso.
Texto: Ana Rita Santos