Esteve recentemente em Cuba a especializar-se na realização de documentários na conceituada Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba. Durante um mês e meio teve formação e, numa das disciplinas, o desafio era procurar uma pessoa que fosse objeto de um documentário. Ângelo Rodrigues deu de caras com Milagros, uma cubana de fibra, cheia de sabedoria, como a define, que o fez confrontar-se “com a inevitabilidade da perda, mas também com a beleza da resiliência humana”. Foi por aqui que começou a nossa conversa no Brunch Caras, na Kinta do Meko, mas que rapidamente deu lugar a algumas partilhas relacionadas com aquele que foi o pior momento da sua vida. Recorde-se que em 2019 o ator, que podemos ver na novela da SIC Papel Principal, esteve em coma e correu risco de vida na sequência de uma grave infeção decorrente de injeções de testosterona.
– Milagros marca a sua estreia na realização de documentários em espanhol. De que é que se trata?
Ângelo Rodrigues – Milagros é uma cubana, de 66 anos, que conheci. Percebi que a realidade dela era bastante diferente da nossa, com um pai de 96 anos de quem estava a tomar a tempo inteiro. Reformada, tinha, no entanto, de fazer trabalhos domésticos de limpeza para lhe proporcionar qualidade de vida. Faz-nos refletir sobre como a sociedade ocidental lida com os idosos, como os descarta.
– E descarta.
– Há uma diferença grande entre o mundo ocidental e oriental. No Oriente, a posição do mais velho é sempre a mais respeitada. Os mais velhos são vistos como os anciãos, pessoas com os conselhos mais sábios, e isso seria o correto. No Ocidente, evoluímos para uma sociedade em que os cidadãos que não contribuem diretamente para a economia são considerados descartáveis, o que está profundamente errado. Os mais velhos deveriam ser os mais protegidos e recompensados pela vida que tiveram.
– Li numa publicação sua no Instagram que a Milagros o fez recordar a sua tia Estrela Novais. Que legado é que ela lhe deixou?
– A minha tia foi uma pessoa muito importante na minha vida. Tinha 69 anos. É ela a responsável por eu ser ator, porque desde criança que me levava a ver espetáculos. Era o exemplo da resiliência, de uma força fora do comum, e foi esse o legado que me deixou.
– Como é que lida com a inevitabilidade da perda dos que mais ama?
– Esse é um assunto muito presente na minha vida, porque já tive uma experiência que me levou a estar muito perto da morte. E por já ter perdido algumas pessoas próximas leva-me a refletir. Se não o fizesse seria inconsciente. E isso ajuda-me a focar-me mais no presente, porque sei que tudo é efémero. Só quem não passa por experiências dessas é que não percebe a fragilidade da nossa condição enquanto seres humanos.
– Quando se está perante a morte e se consegue sobreviver, de que forma é que uma pessoa se agarra a vida?
– Quero acreditar que é como se eu tivesse adquirido um superpoder, que é uma oportunidade que mais ninguém tem. Eu percebi na primeira pessoa que a vida é finita, e foi-me dada uma segunda oportunidade para voltar a fazer as coisas, mas de outra forma. Uma oportunidade para valorizar o presente, o que não fazia até então. Sou eternamente grato a esse momento, porque fez de mim uma pessoa muito melhor.
– Como é que está a aproveitar essa oportunidade que a vida lhe deu?
– Carpe diem, na sua perfeita definição. Aproveitar o dia, mas não numa perspetiva hedonista, não na busca constante do prazer diário, é mais encontrar validade nos momentos que vivemos e nas pessoas que conhecemos. Naturalmente, consigo fazer uma triagem melhor do que preciso na minha vida e do que não preciso.
– Houve certamente mudanças significativas nas prioridades. Alterou crenças ou valores?
– Sim, comecei a pensar mais no tipo de ser humano que queria ser, e percebi que o que queria agregar à minha existência eram valores verdadeiramente significativos, para ficarem na memória daqueles de quem gostamos. Aproximei-me da espiritualidade e até da fé. Tinha uma forma completamente ateia de ver o mundo e como é um milagre o eu ter sobrevivido, negar tudo o que era espiritual era só um lugar de conforto.
– Que Ângelo é que descobriu depois desse processo?
– Um Ângelo com a velocidade certa que quer ter na vida, com o balanço correto entre a efusividade de alguns momentos e a calmaria de outros, ter esse equilíbrio.
– A imagem passou a ter uma importância secundária?
– A minha profissão vive disso, é-nos exigido de alguma forma que, para termos alguma longevidade nesta profissão, para durarmos mais tempo, tenhamos de ter cuidado com a imagem, e até nisso coloquei as coisas no devido lugar, ao tornar-me mais consciente para não cair numa imagem mais superficial que tive no passado, era só uma estratégia de sobrevivência.
– De que forma é que essa experiência mudou a forma como se relaciona com os outros?
– Mudou completamente. Ajudou-me a fazer uma filtragem automática de quem quero ter na minha vida e das pessoas que não me interessam, e a saber valorizar os momentos, sem me render à efemeridade dos mesmos.
– Cinco anos depois, e agora com maior distanciamento, quais foram as maiores lições que retirou com essa experiência.
– A principal é que a minha intimidade foi de tal forma devassada que percebi que não era de facto por causa disso que eu estava nesta profissão. Sou ator por uma paixão intrínseca, então não preciso de eventos, de fotografias, mas, ao mesmo tempo, é uma consequência da minha profissão, por isso tornei-me mais consciente do ser humano que sou e de como quero passar essa informação. Antes, vivia sem refletir tanto sobre isso.
– É por isso que tem resguardado a sua vida amorosa?
– Sim, escreve-se tanta coisa que já não me dou ao trabalho de desmentir. Se não quero ser desviado do meu centro de tranquilidade, ignoro certas coisas. Já consigo fazer outra leitura. Há pessoas que fazem “barulho”, porque às vezes, para nos tornarmos relevantes, é preciso fazer ruído. E eu pude conquistar algumas coisas na minha vida privada e na minha carreira para já não precisar de fazer ruído. É uma paz que nem consigo explicar.
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