Há vários anos que Sandra Felgueiras, de 47 anos, escolhe a Praia dos Tomates, no Algarve, para fazer férias em família, com a filha, Sara, de 10 anos, os pais e o irmão. O trabalho fica em Lisboa, mas a necessidade de estar sempre atenta às notícias e ao que a rodeia faz parte de si. Ainda assim, tudo faz para que estes momentos sejam mesmo de descanso, diversão e construção de memórias, em especial para a filha.
Foi num dos seus últimos dias de férias, antes do regresso ao Jornal Nacional, da TVI, que conversámos com a jornalista e pivô sobre os dias que estava a viver, sobre as dificuldades de educar uma pré-adolescente nos dias de hoje, sobre a sua relação amorosa com o repórter de guerra e seu colega na TVI Sérgio Furtado, de 48 anos, mas também sobre uma cirurgia a que se submeteu e que posteriormente teve complicações que lhe deixaram algumas mazelas físicas e psicológicas.
– Estas são as tradicionais férias em família.
Sandra Felgueiras – Vimos sempre para a mesma praia e para mim é essencial passar uma semana a dez dias, no mínimo, com os meus pais, o meu irmão e a Sara, pelo que fazemos sempre isso. Como vimos para aqui há vários anos, acabámos por criar um grupo de amigos muito grande, entre adultos, crianças e seniores somos quase 40, e juntos sentimo–nos sempre todos muito bem e felizes. Temos sempre muitas coisas para fazer e acredito que essa é a melhor maneira de carregar baterias: estar entre amigos e ter conversas que não fluem em torno daquilo que é o dia a dia. Ainda agora viemos de uma semana na Sardenha, em Itália, mas é aqui que realmente me sinto a reforçar a energia de que preciso para um novo ano.
– E consegue desligar totalmente do trabalho?
– Assim que cheguei cá entrei em direto na CNN, por causa do caso das gémeas luso-brasileiras, que foi bastante importante para mim este ano e, portanto, esse bichinho nunca consigo largar. Leio sempre notícias de manhã, não consigo deixar de olhar para o telemóvel para ver alguma notícia de última hora, mas a verdade é que nunca sinto necessidade de desligar completamente. Tenho muitas caixinhas na minha cabeça e estão bastante bem arrumadas. O meu trabalho é muito importante, mas a família e os amigos são o meu balão de oxigénio e são o que mais me faz falta nesta época. Mas também estou superfeliz por saber que em breve vou regressar ao trabalho.
– As férias servem também para estreitar laços com a Sara?
– A minha relação com a Sara é especial, porque crescemos juntas. Eu transformei-me e renasci com ela. Sinto-me uma pessoa muito mais completa e generosa por ser mãe da Sara e é seguramente aquilo que mais orgulho me traz. Sou mãe dela todos os dias da mesma maneira. Acordo com a mesma vontade de ser mãe dela e tenho as mesmas preocupações com ela todos os dias. Temos muito tempo de qualidade as duas, todos os dias das nossas vidas. O nosso tempo a duas é sempre de qualidade e permite-nos muitas construções entre ambas. Estamos muito tempo juntas e envolvemos muito a Inês [filha mais velha do pai de Sara] em todas as nossas coisas. Ela tem tido uma presença cada vez mais forte nas nossas vidas e eu fico muito feliz por ver a Sara a construir a sua relação com a irmã. Sou tão feliz a vê-las juntas e felizes!
– Esta fase de pré-adolescência está a ser desafiante?
– Muito desafiante. Ser mãe na era dos telemóveis é das tormentas maiores que pode existir. Vivo no controlo parental, a limitar o tempo de uso e a ouvi-la pedinchar por só mais um bocadinho. E esta tirania de que todos os miúdos fazem o mesmo é muito complicada. Sou muito crítica dos telemóveis e acho que daqui a uns anos estaremos todos a refletir sobre os malefícios dos mesmos. Faço tudo o que posso para a tirar do telemóvel e pô-la em contacto com a Natureza.
– Apesar disso, parecem muito cúmplices.
– Muito. Ela está numa fase em que me critica imenso, mas não levo a peito nem ligo [risos]. É mais uma etapa no meu crescimento enquanto mãe [risos]. Sou muito impulsiva e hiperativa e a Sara consegue serenar-me. Ela é ainda mais elétrica do que eu e, então, obriga-me a acalmar e a respirar para conseguir responder à altura. Mas é uma relação muito bonita e, realmente, muito cúmplice.
– Uma relação na qual o Sérgio se “encaixou” bem?
– É verdade, e tem sido muito bonito de ver. Ele dá-se muito bem com a Sara e foi tudo muito natural. A Sara é muito respeitadora da minha relação com o Sérgio e isso ajuda muito. Eles têm uma relação muito boa.
– Como é que vive com a preocupação constante em relação a ele, já que tem passado muito tempo na Ucrânia a relatar a guerra?
– É difícil. O que mais me fascina na nossa relação é a harmonia que temos na forma de estar na vida. Sempre olhei para o jornalismo como uma paixão, muito mais do que uma profissão, e o Sérgio vê a vida como eu a vejo. E nunca tinha encontrado ninguém que visse a vida pelo mesmo prisma que eu. Custa-me sempre muito quando ele vai para a Ucrânia, mas tenho imenso orgulho. Ele é um batalhador, com uma tenacidade e coragem muito fora do normal. Faz tudo sozinho na Ucrânia, faz coisas que eu seria incapaz de fazer. E ainda ajuda muitas das pessoas com quem se cruza, enquanto faz o trabalho dele com muita dedicação e rigor. Para mim, o Sérgio reúne uma série de requisitos humanos que valorizo imenso e que o tornam quase perfeito. E depois ainda me diz que eu é que sou boa no meu trabalho, porque faço cair governos e trago casos muito importantes a lume. E eu só penso: “Realmente, não sabes a importância que pessoas como tu têm, que nos trazem estas notícias, o que seria incapaz de fazer.”
– A verdade é que não há ninguém a trazer as notícias que a Sandra descobre.
– Queria ser jornalista desde criança e sempre fui extraordinariamente curiosa. E se há qualidade que tenho é a persistência. Não abdico com facilidade e quando o meu faro me diz que há qualquer coisa não desisto. O caso das gémeas luso-brasileiras, por exemplo, se fosse por metade da redação nem teria acontecido. Sempre achei que estava tudo mal contado. E, de facto, tenho tido a sorte de seguir as pistas certas. Mas também trabalho muito, gosto imenso de descobrir e de ajudar os outros. Além dos podres da sociedade, dá-me bastante orgulho já ter ajudado a libertar seis pessoas da cadeia, que estavam presas injustamente. E sinto-me superorgulhosa por isso, por ter ajudado a mudar aquelas vidas.
– Entretanto, há pouco mais de um mês teve de fazer uma cirurgia. O que aconteceu?
– No ano passado descobriram que tinha duas hérnias, uma umbilical, outra epigástrica, e uma diástase [separação anormal dos músculos do abdómen] provocada pela gravidez. Em abril fui sujeita a uma laparoscopia, que me disseram ser um procedimento muito simples, mas não fiquei bem. Durante dois meses tive muitas dores abdominais e foi quase insuportável trabalhar assim. Mas no final de junho fui salva pelo cirurgião do SNS José Carlos Santos, que, quando eu já pensava que não se iria descobrir o que tinha, me operou de novo e percebeu o problema. Corrigiu-o e desde então sou outra pessoa. Não me quero alongar mais, pois é um tema que me magoa bastante. Agora é lidar com a cicatriz na barriga e com o fato de banho que pela primeira vez na vida (fora a natação) tenho de usar na praia. Mas o importante é a saúde! E cá estou. Rija para as curvas e para um ano seguramente melhor.