Vitória de Inglaterra, que foi soberana do Reino Unido durante 63 anos e marcou até à atualidade as Casas Reais europeias, praticamente todas aparentadas com os Windsor, estava longe de ser uma mulher imbuída do espírito puritano da época. A trisavó de Isabel II – a única reinante britânica que ultrapassou Vitória em longevidade de funções – era uma mulher apaixonada e caprichosa. Quem o desvenda é Isabel Machado em Vitória de Inglaterra, a Rainha que Amou e Ameaçou Portugal, o seu sexto romance histórico, agora reeditado numa versão aumentada e com novos elementos. Partindo da ligação entre Portugal e Inglaterra, a escritora tece uma teia empolgante à volta da monarca inglesa.
– Neste livro escreve sobre Vitória de Inglaterra, talvez a rainha mais importante da História. A que se deveu esta escolha?
Isabel Machado – A rainha Vitória é, de certa forma, a rainha das rainhas, porque ainda hoje nos marca. O seu reinado, que foi o mais longo de sempre até Isabel II a ultrapassar, coincidiu com o auge do império britânico em todas as áreas: o maior poder político e militar de sempre, as conquistas sociais, a liberdade, os direitos humanos, que têm quase todos origem em Inglaterra. O século XIX é transformador e extraordinário. Além disso, o reinado de Vitória é o momento da História em que Portugal e Inglaterra têm as relações mais próximas da sua longa aliança, por via das ligações pessoais entre Vitória e o marido, o príncipe Alberto, com a família real portuguesa, pois eram primos.
– Foca-se na vida de Vitória a partir do momento em que ascende ao trono.
– O livro começa na coroação e foi absolutamente fascinante escrevê-lo a partir deste ponto. Ela torna-se rainha aos 18 anos e é coroada aos 19. E a relação entre as famílias reais inglesa e portuguesa foi sempre muito estreita. Há um contraste enorme, pois, ao mesmo tempo que nunca houve uma ligação tão próxima, também é o período em que houve as crises mais graves entre Portugal e Inglaterra, que culminam com o Ultimato feito pela rainha Vitória ao rei D. Carlos. Foi o apogeu de Inglaterra e o período mais conturbado de Portugal. No século XIX, tudo o que aconteceu cá com a queda da monarquia já se adivinhava.
– É o seu século favorito?
– Sem dúvida. É o século do movimento romântico. A rainha Vitória é um produto deste, que é de liberdade, de autodeterminação dos povos, dos direitos humanos. E depois tem a componente do amor associada, pois Vitória era uma mulher de paixões.
– Que ninguém diria, olhando para o seu ar austero.
– É verdade, a sensualidade da rainha foi uma surpresa para mim. Na realidade, a época vitoriana devia ser a época albertina, pois o marido é que era casto e puritano. Mas há aqui também uma grande história de amor.
– O que não acontecia muito na época, em que os casamentos eram alianças…
– Mas até nisso a rainha Vitória se destaca. Ela sempre disse que se casaria por amor. Descobre muito cedo a sua sensualidade, pois era uma esteta, obcecada com a beleza, não com a sua, pois dizia que era horrível, mas com a dos outros. Chegava ao ponto de gostar ou não das pessoas à primeira vista. Mas rende-se a Alberto, que era um homem lindo e uma pessoa extraordinária, humanista, culto, inteligente. Os dois viveram uma história de amor fascinante, de absoluta fidelidade, muito carnal. Eles dormiam na mesma cama, construíam casas com zonas privadas só para eles, até longe dos filhos. Vitória era uma mulher de extremos, caprichosa e contraditória, capaz de fazer aquilo que hoje consideraríamos quase abuso moral aos filhos e, ao mesmo tempo, estava preocupada com os súbditos na Índia. Era desprovida de racismo, não gostava de elites, preferia pessoas simples, tanto que na viuvez se apaixona por um criado escocês, o que foi um escândalo na corte, e, no fim da vida, por um criado indiano.
– Era uma mulher à frente do seu tempo?
– Em certas coisas sim, em outras não. Era moderna na defesa dos mais pobres, na igualdade racial, no direito das mulheres a casarem-se por amor. Permitiu que todos os filhos se casassem por amor, exceto o que foi rei, Eduardo VII, que se casou por interesse.
– Um romance histórico obriga a muita pesquisa. Quanto tempo levou até concluir este livro?
– Entre pesquisa e escrita foram quase dois anos. Fui duas vezes a Inglaterra e fiquei encantada com as descobertas que fiz, sobretudo à volta do Ultimato e do Mapa Cor-de-Rosa. Perco-me na descoberta. Não sou uma pessoa organizada, os últimos meses de escrita são muito complicados, praticamente não saio à rua, é uma loucura total, mas adoro o que faço e só o sei fazer com rigor. Sou hipercrítica comigo.
– Foi jornalista e professora e é escritora. Em qual dos ofícios se revê mais?
– Definitivamente, como professora, embora neste momento não ensine, e escritora. Os livros são a minha grande paixão desde sempre, venho de Literatura. O jornalismo acontece mais tarde na minha vida, interesso-me bastante, mas não era o mais importante para mim.
– Como é que uma mulher que procura na História inspiração assiste ao desenrolar da sociedade atual?
– Certamente com preocupação. Em primeiro lugar, estamos com uma crise de valores, em segundo, de democracia e liberdade. Há gerações que nunca conheceram outra realidade e que as tomaram como garantidas. A paz e a liberdade são frágeis e não podemos nunca afastar-nos da sua manutenção. Se olharmos para a História, vemos que os períodos de paz são curtos. Temos de lutar, pois tornámo-nos todos muito resignados. Não tínhamos de fazer nada, pois tudo nos foi dado, e isso não tem base de sustentação.