
Médica há duas décadas, especializada em ginecologia-obstetrícia, Sofia Serrano, de 44 anos, encontra na escrita uma forma de terapia, ao mesmo tempo que procura ajudar quem passa por uma gravidez e desafios da maternidade.
Na seu quinto livro, Anatomia de Uma Médica – O que fazer quando se chega ao limite: lutar ou fugir?, Sofia, que também tem o blogue Café, Canela e Chocolate e dá dicas profissionais nas suas redes sociais, foca-se nos desafios e escolhas com que já se deparou no exercício da sua atividade, mas também disserta sobre a necessidade de a sociedade ter de mudar para que as mulheres possam ser mães numa idade saudável sem perderem a carreira de vista.
Oriunda de Lisboa, vive no Algarve com o marido e os dois filhos, Mariana, de 15 anos, e Pedro, de 12, e já não se vê a deixar a região. Gostaria apenas que o sistema de saúde no distrito fosse mais eficaz e luta todos os dias para que isso aconteça.
– O que leva uma médica a escrever livros?
Sofia Serrano – Sinto que para mim escrever é terapêutico, pois contacto com uma série de histórias que me marcam, emoções pesadas, umas muito boas, outras mais complicadas. Chegar a casa e passar para o papel, refletir, ajuda-me a entender melhor quer os pacientes, quer a mim. Depois, também sinto que estou a ajudar. As pessoas acabam por se identificar muito com os assuntos que abordo e sentem que não estão sozinhas. Ou seja, é terapêutico para mim, mas também pode ajudar outros.
– Há também uma partilha pessoal que vai além do que faz enquanto médica?
– Sim. Neste livro falo até de um dos meus partos, que não esperava que pudesse ser cesariana, mas que acabou por ser o que fazia sentido e o melhor para mim. Não me tornou pior mãe, mas foi difícil de gerir. E, se calhar, se partilhar estas histórias, as pessoas acabam por se identificar e fazem alguma reflexão sobre a maneira como correram os partos delas. Ter ficado grávida e ter sido mãe também me ajudou a ser melhor ginecologista-obstetra. Uma coisa é estudarmos, outra é quando vivemos a experiência. A partir deste momento, é muito mais fácil pormo-nos na pele das outras mulheres, ter uma empatia diferente. Sem dúvida que a maternidade fez de mim melhor médica.
“A solução não é adiarmos a maternidade, pois biologicamente não será uma boa decisão”
– Menciona que as mulheres adiam a maternidade por causa das carreiras. É preciso acabar com o mito de que a partir do momento em que somos mães deixamos de ser boas profissionais?
– Somos amplamente multifacetadas, portanto temos de repensar estes conceitos, porque cada uma de nós é capaz de fazer aquilo que decidir que quer fazer. No meu caso, tive dois filhos enquanto fazia a especialidade. A maternidade dá-nos determinadas capacidades extra de multitasking e acabamos por conseguir gerir várias situações ao mesmo tempo. Acredito que posso ser uma boa médica e uma boa mãe. Obviamente, há questões inerentes à maternidade que temos de aprender a gerir nos nossos trabalhos e que, muitas vezes, são esquecidas. A sociedade põe muito esta opção: ou és mãe ou segues uma carreira, mas sermos mães pode sempre ajudar-nos a ser melhores profissionais e não fazer com que percamos o comboio. Temos de evoluir neste sentido, as entidades patronais precisam de perceber que tem de haver flexibilidade e consideração. A solução não é adiarmos a maternidade, pois biologicamente não será uma boa decisão.
– Mas é o que acontece.
– Acontece, mas não faz sentido. Cada vez mais temos mulheres a engravidar depois dos 40, o que traz uma série de consequências, desde uma maior dificuldade em engravidar, pois sabemos que depois dos 35 a fertilidade decai rapidamente. Biologicamente, a nossa reserva ovárica diminui muito e aumenta o risco de complicações, como a diabetes, hipertensão, maior probabilidade de cesariana, porque o corpo já não tem a mesma perspetiva do de uma mulher de 20 anos. O risco de infertilidade aumenta com a idade e é o grande problema da sociedade atual. 20% dos casais têm dificuldade em conceber.

– Mas, por outro lado, é quase senso comum afirmar-se que existe mais paciência e tolerância quando se é mãe mais tarde.
– É verdade que há alguns estudos que mostram algumas vantagens nesse campo, mas biologicamente não faz sentido atrasar ao máximo. É certo que conseguem ser mães, mas há sempre mais implicações e, muitas vezes, só acontece recorrendo a técnicas de procriação medicamente assistidas.
– Acha, então, que é a sociedade que tem de se reorganizar no sentido de um maior equilíbrio?
– Com certeza. Quantas mulheres grávidas ou mães recentemente veem os seus cargos ser retirados, passam pela incompreensão dos colegas, são preteridas ou perdem o emprego? É uma realidade. Gostava que houvesse uma maneira de equilibrar maternidade e trabalho. Não tenho nenhuma fórmula mágica, infelizmente, mas acho que devia haver uma conciliação no horário de trabalho para as mulheres que são mães, se calhar um pouco mais reduzido, mas que permitisse manter a carreira e a progressão de acordo com o que seria esperado. Alguns países do Norte da Europa estão mais à frente nesta matéria.
– Ao falar destes temas no livro, tenta ir ao encontro das preocupações e ansiedades das mulheres na atual conjuntura?
– Sim, tentei partilhar vários casos que ilustrassem diversos aspetos da nossa vida enquanto mulheres. Falo na infertilidade, mas também do conhecimento do corpo, das gravidezes perfeitas que vemos nas redes sociais e que depois, quando passamos por elas, não são assim tão idílicas. O parto também pode não ser o que idealizámos, mas o que nos permite ficarmos saudáveis e o nosso bebé também. E depois também falo de casos menos bons. Os abortos espontâneos ainda são um bocadinho escondidos, mas uma gravidez que não evoluiu é uma coisa muito frequente e é preciso saber fazer o luto, tal como as malformações detetadas no diagnóstico pré-natal e que implicam escolhas muito difíceis por parte dos pais. E depois há histórias mais divertidas e inspiradoras, em que está bem expresso o nosso instinto de mães.
– Foi sempre esta a área que quis?
– No início do curso pensei em Cardiologia, mas no dia em que assisti ao primeiro parto senti que queria ser ginecologista-obstetra. Quando vi um bebé nascer, soube que era Àquela parte da vida que me queria dedicar. É uma área bonita, com muito boa energia. Não há nada como o cheirinho de um bebé recém-nascido. E foi assim que saí da minha zona de conforto e fui viver para o Algarve, para fazer a especialidade. Consegui convencer o meu marido, namorado na altura, a ir também e não me arrependi, apesar de o Algarve, em termos de cuidados médicos, ser um desafio grande.

– Depois de vários anos no público, passou a trabalhar apenas num hospital privado. O que a levou a esta tomada de decisão?
– No Algarve, mesmo no privado, há uma grande sobrecarga de doentes e enorme falta de profissionais e de meios. Acabei por, numa certa fase, sair do público porque senti que estava a chegar a um ponto de burnout. Não tinha tempo para mim nem para a minha família. E se estiver extremamente cansada, se não dormir durante dias, não vou ser uma boa profissional.
– No meio dessas dificuldades, como gere a sua vida pessoal?
– Tento gerir a minha agenda para ter tempo todos os dias para a minha família, porque houve uma fase em que a minha filha era pequena e eu fazia várias noites e deixava-a a chorar. Alguma coisa estava desequilibrada. Se tinha querido ter filhos, tinha de ter tempo para eles. Neste momento tenho os dias organizados para consultas e casos urgentes, mas também para os ir buscar à escola, para os ajudar nos trabalhos de casa e levá-los a atividades extracurriculares, o que divido com o meu marido.
Agradecemos a colaboração de The Editory Riverside Hotel