É impossível definir Francisco Faria, de 31 anos, apenas só por uma profissão. É um dos manequins portugueses com uma carreira internacional mais consistente, fazendo desfiles e shootings para Dolce & Gabbana, Dior, Gucci, Prada, mas também é um jovem empreendedor que lançou duas marcas, a Hurricane Lab, de chapéus artesanais que andam na cabeça de celebridades internacionais, e a Blue Avenue, de calções de banho masculinos. Filho do falecido Chico Faria, uma das estrelas do Sporting, herdou do pai e também da mãe a veia criativa e a vontade de fazer sempre mais, pelo que também é influenciador digital e, agora, ator em ascensão, um novo capítulo que começou com o filme Chuva de Verão, atualmente em cartaz.
– Está de passagem por Portugal ou voltou a estabelecer a sua base cá?
Francisco Faria – Na verdade agora estou a morar entre Braga, Porto e Madrid, com passagens por Lisboa. Neste momento já tenho casa em Madrid.
– O que o levou a mudar-se para Madrid?
– Gosto imenso da cidade, tenho amigos lá e já era um sítio onde ia frequentemente. Sobretudo para trabalhar há mais oportunidades. Portanto, foi uma questão de estratégia, faz sentido estar lá posicionado. Ao mesmo tempo, quero fazer formações em representação e tinha de ser agora.
– Depois de uma carreira como manequim, empreendedor e influenciador, acaba de se estrear no cinema.
– Fiz o filme há tanto tempo que parece que foi numa outra vida. Filmámos há dois anos. Sinto que de lá para cá amadureci. Foi o meu primeiro projeto como ator e ainda era muito inocente e leigo nestas coisas da representação. Só percebi mais tarde como é que a indústria do cinema funciona. Foram dois anos de espera, já estava a ficar ansioso, mas finalmente estreou.
– Sendo o seu primeiro papel, como se sentiu durante as filmagens e agora quando viu o produto final?
– Este filme foi muito desafiante para mim a todos os níveis. A personagem que fiz está muito distante do que sou. Trata-se de uma pessoa muito convencida, arrogante, violenta, com uma relação tóxica com a namorada. Nunca tinha feito nada do género antes, e coube-me o mau da fita, o que me deixou muitas vezes a pensar e até perturbado. Houve cenas que foram muito duras para mim. Na minha vida e nas minhas relações há um limite em termos de agressividade, não passo a linha, mas no filme tinha de estar sempre a passar e isso teve até consequência físicas em mim. Mas foi maravilhoso ter essa experiência e estou muito grato por este papel, que me pôs em realidades que nunca tinha experimentado.
– Que tipo de consequências físicas?
– Houve uma cena em que a minha personagem tratava muito mal a namorada e foi extremamente dura. Tinha de estar exaltado, já a partir para a agressão, e foi um ataque tão grande de raiva que no dia a seguir tinha dores nas costas das contrações musculares, parecia estar doente. Na verdade, foi quase uma coisa mágica. Como é que ao representar se pode ficar assim? Fiquei ainda mais fascinado por esta coisa da representação.
– O que o levou a investir na representação nesta altura? Foi um acaso ou já tinha dado por si a pensar nisso?
– Foi algo pelo qual sempre senti muita curiosidade, sempre quis experimentar, e nesta altura da minha vida faz sentido para mim. Sinto-me apto a fazê-lo e também tenho sido provocado para o fazer pelas pessoas que estão à minha volta. Talvez devesse ter começado a estudar representação um bocado mais cedo, mas trabalho tanto que ainda não tinha conseguido espaço até ter surgido esta audição. Fiquei com o papel e agora quero fazer mais, sem dúvida.
– Pensou como vai conseguir conjugar a carreira de manequim e empresário com a de ator?
– Terei de abdicar de alguns trabalhos em prol de outros, da mesma forma que abdiquei da Semana da Moda de Milão quando estava a filmar no Alentejo. É tudo uma questão de prioridades e investimento. Por vezes temos de fazer escolhas, e estou disposto a investir tempo e energia nisto de ser ator.
– Não deu por si a olhar para trás e a pensar que tinha perdido muito dinheiro enquanto esteve a filmar?
– Não, apesar de ser ambicioso. Confesso que quando estava a gravar ainda tentei perceber se conseguia fazer o desfile da Armani, ir a Milão num dia e vir no outro, mas percebi que tinha de estar focado. E ainda bem, pois desfiles há muitos e filmes não sei quantos vou poder fazer, sobretudo em Portugal, onde o meio é tão fechado. Para mim, ter começado no cinema é uma honra e estou muito grato.
– Voltando atrás, a moda também apareceu um pouco por acaso na sua vida.
– Isto de ser manequim surgiu em 2013 e, de facto, aconteceu de uma forma muito espontânea, quando estava a estudar em Milão. Na altura, uma agência estava a fazer um concurso de modelos, viram o meu perfil no Facebook e convidaram-me para participar. Aceitei, fui logo para a final e acabei por ganhar. Foi a partir daí que comecei.
– Nunca tinha pensado nisso antes?
– Na verdade, sempre gostei de moda e fui vaidoso, há que admitir. A minha mãe toda a vida esteve ligada à moda, ainda hoje, com 73 anos, tem uma loja, e desde pequeno que a acompanhei. Ia muito com ela a Paris e Milão e isso apurou o meu sentido estético. Acredito que estas coisas que não nos são intencionalmente transmitidas, mas que vamos vivendo, acabam por criar em nós alguma sensibilidade e interesse.
– Mas ainda estudou Engenharia.
– Estive em Engenharia Civil, mas só aconteceu porque não sabia o que queria fazer e na família há muitos engenheiros. Estive um ano no curso, não gostei e mudei para Marketing, área em que sou licenciado. Depois ainda me especializei em Marketing Digital. Trabalhei um ano numa empresa de consultoria, mas nessa altura a moda começou a explodir na minha vida e segui por outro lado. Se a moda não tivesse acontecido, estaria numa área mais de negócios e gostaria igualmente, mas quis aproveitar as oportunidades que a vida me trouxe e não me arrependo de nada.
– A moda é mais divertida?
– É mais divertida, mas é um trabalho igualmente duro, exaustivo. É preciso trabalhar muito e tem de haver disciplina. Nós fazemos parecer tudo cheio de glamour, mas há muito trabalho por detrás do que se vê. Para se ter uma carreira com longevidade, sustentável e que traga o retorno que queremos, tem de ser levada a sério.
– Passa por várias semanas da moda. Com quais se identifica mais?
– Adoro as de Copenhaga, Paris e Milão por motivos diferentes. A de Copenhaga é divertida, colorida, as pessoas estão felizes, vão de bicicleta de um desfile para o outro, os próprios designers são disruptivos. Paris e Milão porque são fascinantes. Lido com marcas que achei que nunca iria conseguir, como é o caso da Dior, Saint Laurent, Prada, Gucci, Miu Miu. São muito exclusivas, não é fácil entrar. Quando estou lá, estou em clima de pressão durante dias. Perco peso nessas alturas, porque é muito intenso, mas, felizmente, cada vez tenho mais coisas para fazer: desfiles, eventos, produção de conteúdos. Aquilo não é a realidade, são eventos que ocorrem duas a três vezes por ano e a seguir a terra chama-nos novamente.
– Viaja durante o ano todo. Quando está em Portugal, o que é que o conforta?
– A minha família, os meus amigos. Preciso muito deles para me manter quem eu sou. Eles são a minha essência. As minhas raízes, que ficam entre Braga e Porto, mantêm-me firme, são imprescindíveis.
– Apesar de ter uma rotina frenética, criou duas marcas. O que o levou a pensar nesses projetos?
– Queria investir a longo prazo, para não depender só da moda, até porque pode ser uma carreira efémera, e então decidi criar a Hurricane Lab, chapéus feitos à mão com lã natural. É uma marca que me deu muito gosto criar e é muito gratificante ver que um produto feito perto do Porto, com muito amor e detalhe por pessoas mais velhas, chega a tantos lados na moda, streetwear, música, arte, da Rosalia a Maluma e Carol G. E também tenho a Blue Avenue. Na altura, eu e os meus sócios sentimos que não havia o modelo perfeito de calções de banho para homem e a brincar passaram oito anos.
– O desporto, de que não prescinde nos seus dias, foi uma “herança” do seu pai?
– O meu pai foi uma grande referência para mim em tudo e está muito presente nos valores que me transmitiu. Era uma pessoa muito conhecida, porque foi jogador do Sporting durante nove anos, jogou na Seleção Nacional, e após terminar a carreira continuou a trabalhar. Era muito inteligente e sempre teve negócios. A vertente trabalhadora e empreendedora foi-me transmitida pelos meus pais e o desporto também.
– No meio de tantas responsabilidades profissionais, onde encaixa a sua vida pessoal?
– Dedico tempo à família, tenho uma vida social intensa, embora nem sempre tenha tanto como gostava. O tempo, para mim, é cada vez mais escasso.