A pandemia e o musical Avenida Q fizeram-na deixar Nova Iorque e voltar para Portugal, de onde tinha saído com 15 anos, com o intuito de estudar Arte e descobrir quem era. Para uns, atriz “fora da caixa”, para outros, completa e aguerrida, Raquel Tillo, de 31 anos, prefere ver-se como uma artista em construção, que quer fazer mais e melhor. Atualmente encontra-se a gravar a novela da TVI A Fazenda, com data de estreia marcada para breve, e prepara o regresso da peça Sonho de Uma Noite de Verão, no Teatro da Trindade, em Lisboa. “Estou muito entusiasmada com tudo. Gosto de estar em muitas frentes diferentes da arte e fazer várias coisas ao mesmo tempo”, admite.
– O que a fez aceitar fazer uma novela? Temo-la visto sobretudo em teatro, também em televisão, mas noutros registos.
Raquel Tillo – Já queria fazer novela há algum tempo e quando me apresentaram a personagem interessou-me logo. Era um género que queria realmente experimentar, sobretudo por ser uma escola. São muitas horas de gravações, mais outras tantas de preparação de textos, é complexo, rápido, muito diferente de fazer uma série ou um filme.
– A dada altura, ao mesmo tempo estará no teatro com “Sonho de Uma Noite de Verão”, de William Shakespeare.
– É uma daquelas peças que todos os atores querem fazer, e neste caso está reunido um grupo de pessoas muito especial, que torna tudo mais bonito. Não achei que iria ter hipótese de a fazer, mas o convite aconteceu e foi uma felicidade para mim.
– Sendo ainda muito nova, tem um percurso invejável. Este tem sido um ano ainda melhor do que os anteriores?
– Este ano tem sido realmente fabuloso, cheio de projetos que tenho podido fazer. Comecei a trabalhar há pouco tempo em Portugal, com Avenida Q, e ainda estive algum tempo indecisa sobre o que queria fazer da minha vida, se ficava cá ou voltava para os Estados Unidos. Acabei por ficar e foi a melhor decisão que tomei na vida. Sou tão feliz cá e ainda por cima tenho tido a sorte de fazer trabalhos de que realmente gosto.
– Não sente que está em contracorrente com jovens da sua geração, que deixam Portugal para trabalharem fora?
– Sem dúvida, mas é importante dizer que não seria a pessoa que sou hoje se não tivesse ido para fora, por isso recomendo a qualquer pessoa que tenha esse sentimento de querer sair e explorar oportunidades que o faça.
– No seu caso, saiu muito cedo.
– Saí de Portugal com 15 anos. Era muito nova e Portugal um país muito diferente daquele que encontrei quando voltei. Vivia no Porto, uma cidade pequena, com os meus pais. Era completamente diferente de Inglaterra e de Nova Iorque, para onde fui. Quando regressei, vim para Lisboa, passei a viver sozinha uma vida de adulta e isso fez-me redescobrir o país, as pessoas, encontrar uma comunidade. Foi mil vezes melhor do que achava que poderia ser. Encontrei casa outra vez, quando achava que já não tinha. A sensação de voltar ao meu país foi muito boa, senti-me muito feliz.
– O que a fez deixar o Porto com 15 anos?
– Fui estudar para um colégio interno de Artes em Inglaterra, que era uma coisa que queria. Tinha aulas normais de manhã e aulas de Teatro, Canto e Dança à tarde. Era muito puxado, mas ensinou-me imensa coisa. Ensinou-me a ter uma capa mais dura e a conseguir lidar melhor com as contrariedades. Hoje em dia aceito bem um não, uma indicação. Não sou uma pessoa que leva as coisas muito a peito e penso que é por desde muito nova ter lidado com isso.
– Foi em Inglaterra que iniciou a sua carreira?
– Fiz algumas coisas, todas elas ligadas à escola. Vivíamos para montar um espetáculo, aprendíamos a fazê-lo desde as bases, e isso dá-nos uma preparação grande. Depois, aos 19, fui para Nova Iorque.
– Isso não a fez querer ser uma atriz a uma escala global?
– Nunca pensei nisso, embora trabalhasse fora antes da pandemia. Depois, tudo mudou. Hoje em dia, qualquer ator, ao enviar um vídeo, pode estar num casting espanhol, inglês, americano. Nós temos cada vez mais portugueses, caso da Daniela Melchior e do José Condessa, que trabalham fora muitas vezes e vivem cá. Atualmente podemos viver onde quisermos e continuar com a ideia de que uma carreira mundial é tangível.
– Gostou de viver nos Estados Unidos, que é notoriamente um país muito diferente dos europeus?
– Fui para lá tirar o meu curso superior e acabei por ficar depois de terminar, porque sentia que já conhecia as pessoas, tinha os contactos, trabalho, sabia como tudo funcionava. Em Portugal não conhecia ninguém. Estava há muito tempo fora e fui ficando, mas é muito diferente, de facto. Nova Iorque é uma cidade difícil, tudo custa, até lavar a roupa, porque é preciso ir a lavandarias e nisso perde-se horas da nossa vida. Além de que é uma cidade gigante, demora algum tempo até nos sentirmos em casa, mas adorei. Foi uma experiência que me tornou descomplicada. É a cidade perfeita para se viver aos 20 anos ou se formos multimilionários.
– Voltando atrás, como foi crescer no Porto?
– Tive uma infância muito boa e feliz. Sou a mais nova de seis irmãos. Somos cinco raparigas e um rapaz. Cresci numa família numerosa, na Foz, que é um meio pequeno e muito “beto”. Toda a gente se conhece e se dá. Quando crescemos num ambiente destes, sentimo-nos acolhidos e seguros. Mesmo hoje, há sempre alguém que conheço por onde quer que passe. Foi exatamente o contrário da minha vida fora.
– São as mulheres que lideram na família?
– Sempre, e todos adoramos isso, inclusive o meu irmão. Quando estamos juntos, todos, o que é cada vez mais difícil, pois estamos espalhados, ou alguns, é sempre muito divertido.
– A mais nova de vários irmãos costuma ser a mais mimada ou a mais rebelde.
– Mimada com certeza que sou, porque os meus pais mimaram-nos a todos, mas rebelde nunca fui. Nenhum de nós é. Fugimos só um bocadinho ao que nos foi proposto durante o nosso crescimento, que era ir para a universidade, casar, ter filhos, viver uma vida calma.
– E nenhum de vocês fez esse percurso?
– Talvez uma das minhas irmãs. Não seguimos o que era expectável ou que está convencionado. O meu pai incutiu-nos esse espírito. Sempre nos disse para viajarmos, experimentarmos, sempre nos desafiou a sermos nós próprios. No fundo, embora houvesse um caminho que era esperado, deram-nos liberdade para escolher. E somos todos muito diferentes e criativos.
– A arte já era uma coisa existente na família?
– Não. Os meus pais nunca tiveram nada a ver com artes. O meu pai morreu num acidente quando eu tinha 10 anos, a minha mãe, felizmente, está viva, mas também não foi esse o seu caminho. Só mesmo eu.
– Como lidou com a perda do seu pai tão cedo?
– Aos 10 anos não sabemos lidar com nada. Não tinha dimensão nem maturidade para entender o que me estava a acontecer e como é que a falta do meu pai iria afetar a minha vida. Na altura, houve muita calma comigo, muitas explicações do que se passava. A minha família fez isso muito bem e sempre nos apoiámos, principalmente os irmãos, então, por mais que tenha sido um processo péssimo, senti-me sempre segura e apoiada. Só mais tarde, a partir dos 18, é que comecei a lidar com a perda do meu pai de uma forma mais real. É muito difícil, sentirei sempre saudades, isso não vai passar. Não interessa a idade com que se perde um pai, como se perde, é sempre difícil. É um processo que farei durante a minha vida toda. Falta-me uma pessoa, mas da qual tenho memórias muito felizes.
– Faz parte de uma nova geração, interveniente, sem medo de falar, feminista. Sente que já estamos noutro lugar ou o caminho é longo?
– Foi feito um caminho grande. Hoje as mulheres têm muito mais oportunidades e são mais tratadas como iguais. Já há mulheres com lugar e carreiras de poder que são exemplos para outras de futuras gerações, que irão certamente chegar ainda mais acima. E esse é o caminho que tem de ser feito. Cada nova geração puxa mais para a frente, até estarmos iguais em todos os patamares. Nesse dia seremos todos mais felizes.
– É também rosto da causa LGBTQIA+. Sente que aqui ainda há muito por fazer?
– Na minha visão, todos devemos ser respeitados e a igualdade é muito importante. Não interessa o nosso género, a orientação sexual, a etnia, religião ou cor de pele. Não há um menos ou um mais na igualdade, há um igual. Claro que ainda há um caminho a ser percorrido na aceitação, até porque o preconceito é um lugar escuro, cheio de rancor. Não acho justo as pessoas terem de sofrer por viverem a sua verdade, porque sermos genuínos é sermos felizes. A diferença deveria ser celebrada. Sinto-me muito feliz por ser genuinamente eu e aconselho todos a viverem a sua verdade, seja ela qual for. O ódio só cultiva mais ódio. Eu rodeio-me de quem cultiva amor.
Agradecemos a colaboração de Ler Devagar e Luís Carvalho
Cabelos: Francisco Souza
Maquilhagem: JOZIANE LIMA