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Iniciou a sua carreira literária em 1980, com a escrita de livros infantis. Desde então escreveu ensaios, guiões de cinema e de televisão e vários romances, entre os quais se destacam Cinco Moscas Azuis, Pequenas Infâmias, galardoado com o Prémio Planeta, A Filha de Cayetana e A Mestre de Marionetas. O seu percurso leva-a a ser considerada uma das autoras latino-americanas mais relevantes da sua geração. Agora, Carmen Posadas, nascida no Uruguai há 71 anos, chega-nos com Hoje há Caviar, Amanhã Sardinhas, que conta as aventuras e desventuras da sua família no vaivém constante pelas diferentes capitais do mundo para onde o pai, Luis Posadas, embaixador uruguaio, foi sendo destacado ao longo da sua carreira diplomática: Madrid, cidade em que acabou por se estabelecer, Londres nos anos 80, e Moscovo em plena União Soviética foram alguns dos destinos por onde a escritora passou e de que recorda momentos especiais.
Escrito em colaboração com o seu irmão mais novo, Gervasio Posadas – Carmen é a mais velha, tendo ainda mais duas irmãs, Mercedes e Dolores –, o livro de memórias parte de um diário que a mãe de ambos, Sara Mañé, foi escrevendo, e no qual revela a existência nómada e sem monotonia de toda a família. Tudo pautado por receitas especiais, que vão desde o pastel de falsa lagosta até à sobremesa de chocolate a que ninguém resiste.
Mãe de duas filhas, Sofía e Jimena del Cueto, e com cinco netos, a autora quis com estas memórias eternizar a história da família.
– O que é que a levou a escrever este livro em conjunto com o seu irmão?
Carmen Posadas – Eu e o Gervasio decidimos concorrer a um prémio gastronómico que combinava literatura e gastronomia e que é muito prestigiado. Para tal, decidimos usar algumas notas que a nossa mãe tinha tirado para um futuro livro que queria escrever sobre episódios curiosos que a família viveu na Rússia soviética, nos anos 70. Depois, alargámos o espectro para contar também aventuras no Uruguai, o nosso país de origem, assim como noutros destinos diplomáticos do meu pai: Espanha durante a ditadura franquista e Inglaterra durante o tempo da princesa Diana.
– Qual foi a razão para a escolha do título?
– Chama-se assim porque é uma metáfora da vida dos diplomatas: um dia estão a comer caviar com a rainha de Inglaterra, noutro uma humilde sandes de sardinha num gabinete escuro de um ministério.
– Há também a narração da sua mãe. Vemo-la ao longo do livro como a matriarca, forte e determinada.
– A minha mãe conseguia lidar com tudo. Algo muito necessário quando se é a mulher do embaixador de um país pequeno como o Uruguai. Ela costumava dizer que cativar pessoas importantes alimentando-as muito bem não precisava de ser caro. Fazia milagres culinários incríveis, como a tarte de lagosta falsa, que era deslumbrante à vista, mas não tinha nem um bocadinho de lagosta.
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– Este livro é uma homenagem que lhe fazem?
– Sim, e também ao nosso pai. O livro é mais sobre ela, porque é escrito do seu ponto de vista, mas o nosso pai tem sido muito importante nas nossas vidas. Tanto eu como o Gervasio somos escritores porque ele nos incutiu, desde muito cedo, o amor pela literatura.
– Está habituada a escrever ficção. Foi mais difícil escrever sobre a vossa família?
– Não, foi muito fácil. Tratava-se de nos colocarmos no lugar da nossa mãe e conhecíamo-la muito bem, logicamente.
– Como descreveria a vossa família? Aventureira?
– Aventureira, sim. Acon-teceram-nos coisas extraordinárias, outras loucas, engraçadas, curiosas, estranhas. Também tristes, difíceis, dolorosas, claro, mas pouco aborrecidas. Somos uma família muito unida e isso ajuda.
– O que foi mais interessante descobrir ao escrever esta obra?
– Até escrevermos este livro, nunca tínhamos pensado na vida colorida que temos tido. Conhecemos as pessoas mais variadas, desde astronautas soviéticos, bailarinos mundialmente famosos, rainhas, reis, espiões, pessoas duras, outras bondosas e extraordinárias.
– Que papel desempenham as receitas que pontuam o livro?
– Os sabores e os cheiros estão intimamente ligados às memórias. O sabor de uma tarte de maçã remete-nos para a casa da nossa avó, o cheiro das couves para o colégio interno que frequentámos em crianças e que nos marcou para sempre.
– De tantas pessoas que visitaram a casa dos seus pais, qual delas escolheria como a mais interessante?
– É muito difícil escolher uma. O Gervásio lembra-se, por exemplo, de Zhukov, um general soviético e herói da II Guerra Mundial ou do Presidente Nixon (era adolescente e ficou chocado por ele usar maquilhagem para ficar bem nas fotografias). Eu recordo-me de Valentino Tereshkova, astronauta soviético, da princesa Diana e da rainha Isabel II.
– Contam histórias engraçadas como uma que aconteceu no Palácio de Buckingham com a sua mãe. Quer partilhá-la?
– A minha mãe fez literalmente um striptease em frente de Isabel II. O protocolo para cumprimentar a rainha era muito rigoroso: três passos para a frente, um passo para trás, reverência. E, nesse momento, a minha mãe, que estava a usar um vestido de musselina fúcsia e adornava o pescoço com uma longa e fina corrente de ouro, viu que o meu pai começou a fazer todo o tipo de ruídos alarmantes, que ela não entendeu até se aperceber que a pequena corrente de ouro estava presa na bainha do vestido e que, quando ela se levantou, a saia do vestido também subiu. A minha mãe ficou aterrorizada, mas a rainha aproximou-se dela e disse-lhe muito gentilmente: “Não se preocupe, já me aconteceram coisas muito piores.”
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– É uma escritora de renome, com uma vasta obra. Em que é que este livro é diferente?
– Este é o livro de que mais gosto. São as memórias, não só minhas e do Gervásio, mas de toda a família. Somos muito uma tribo.
– Viveu em muitos países e fixou-se em Espanha. Depois de tantos anos, sente-se mais espanhola do que uruguaia?
– Devo tudo a Espanha e estou-lhe muito grata. A minha carreira, as minhas filhas, o meu marido, mas quando me perguntam, digo sempre que sou uruguaia. Não gosto de pessoas que rejeitam as suas raízes.
– Lembra-se da vida no Uruguai?
– Claro que sim, e com muito carinho. Como diz Rilke “a verdadeira pátria de uma pessoa é a infância” e eu tive uma infância muito feliz.
– Como foi chegar em 1965 à Espanha de Franco, um país sob uma ditadura?
– Era um país a preto e branco, muito triste, muito austero. A religião tinha um peso enorme. No entanto, ao lado dessa Espanha de fechados e enterrados havia uma outra de charanga e pandeireta. Quando os meus pais chegaram, descobriram os tablaos e íamos lá muitas vezes. Agora, tenho a certeza de que os teriam denunciado, mas quando tínhamos 12, 10, 6 e 3 anos ficávamos até às três da manhã a bater palmas no El Corral de la Morería quando no dia seguinte havia escola.
– Como é que vê o país agora?
– A transformação de Espanha foi espetacular. Já não há nada daquela Espanha sombria. É um país próspero, aberto, otimista.
– Alguma vez pensou em regressar a Montevideu?
– Muitas vezes, mas as minhas filhas e os meus irmãos vivem cá.
– Para as suas filhas, Hoje Caviar, Amanhã Sardinhas, acabou por ser uma lição de história sobre a família?
– Sim, e para os meus sobrinhos também. Eles já tinham ouvido muitas das histórias do livro, mas não outras. Na família, é importante falar sobre o passado. Muitas histórias perdem-se se não as contarmos.
– Tem duas filhas e cinco netos. Algum deles herdou o seu talento para a escrita?
– A minha filha Sofía, que é médica, escreve muito bem. Escrevemos um livro juntas há alguns anos. Nas novas gerações, vários deles escreveram contos e muito bons.