É muito perto do paredão da Costa da Caparica que Gregory Bernard, de 52 anos, reside com os seus dois cães, Capa e Rica, desde que se mudou para Portugal em busca de tranquilidade e de uma nova forma de vida depois de ter tido um burnout. Na sua casa, as obras de arte misturam-se com livros, clutches da sua marca, a Olympia Le-Tan, móveis antigos e uma pequena horta que espreita no quintal.
Farto do frenesim das grandes metrópoles, o empresário e produtor, com negócios ligados ao cinema, tecnologia, moda, arte, restauração e bem-estar escolheu a sua nova morada ao acaso. Encontrava-se em Lisboa em trabalho, mas já tinha vontade de ficar. Pesquisou no Google Maps o sítio mais próximo com boas praias para o surf e acabou na cidade do concelho de Almada. E foi paixão à primeira vista.
Há sete anos no país, tem investido em força em si próprio, mas também na zona. Depois da abertura do Dr. Bernard, um complexo com restaurante, escola de surf e aulas de ioga a que deu o nome do pai, um reputado cirurgião e professor de Medicina em França, nasceram mais dois projetos na área da restauração, um cowork, uma associação cultural e a compra da Transpraia, a empresa detentora do icónico comboio que, nos seus tempos áureos, ia da Costa da Caparica à Fonte da Telha. “A Costa da Caparica salvou-me a vida. Estava a viver num frenesim sem parar e fui obrigado a abrandar e adotar um estilo de vida mais saudável para me reencontrar. Agora, quero devolver à comunidade o que ela me deu”, diz.
– Esta é a vida com que sonhou?
Gregory Bernard – Sim. É uma vida muito boa, feita bem perto do mar. Na minha casa, ouvem-se as ondas. No verão há muita gente, mas quando entro no meu espaço, estou isolado, é tudo muito calmo. Todas as vibrações descem e fico apaziguado. É também um bom espaço para trabalhar e ser criativo.
– Costuma trabalhar em casa?
– Normalmente sim, mas criei um espaço de cowork no centro da cidade, onde também tenho o meu escritório. É um espaço de onde se pode ver o mar. Se vemos uma boa onda, paramos e vamos surfar. Acredito que a criatividade e as boas ideias nascem destes pequenos momentos. É o privilégio de viver e trabalhar na Costa da Caparica. O valor deste local é incrível.
– O que leva um francês, que cresceu em Paris e residiu em vários locais no mundo, a escolher esta pequena cidade para morar?
– Esta mudança aconteceu numa fase em que queria e precisava de abrandar. Tive um vida muito intensa entre os 30 e os 40 anos, mas é um bocadinho difícil definir o que é o sucesso de uma vida quando se passa todo o tempo a trabalhar. Fui muito bem-sucedido como empreendedor e a fazer filmes. Comecei em 2007 com Lagerfeld Confidential e foi logo um sucesso gigante. De um dia para o outro, tornámo-nos uma das produtoras mais importantes de França. Estava sempre a trabalhar. Fazíamos um filme por ano. De Paris fui para Los Angeles, continuei a trabalhar em cinema, mas também lancei uma marca de moda que se tornou um êxito imediato. A dada altura, dividia-me entre a Olympia Le-Tan, a empresa de tecnologia e o cinema. Não tinha vida. Há um momento em que gostamos da atenção, do sucesso, do dinheiro, mas aos 40 tive um burnout.
– Excesso de trabalho?
– E não só. Não comia saudavelmente, bebia demais, trabalhava demais, passava demasiado tempo a socializar e não o suficiente com a família, com os que amo, então cheguei a um esgotamento. A minha vida estava em perigo e disse a mim mesmo que tinha de mudar, deixar Los Angeles, Londres, Paris, e encontrar um sítio para viver mais humano. Aconteceu vir a Lisboa na altura. A cidade começava a ser um destino trendy, mas ainda estava no início desse caminho.
– Mudou-se para Portugal há quantos anos?
– Há sete, mas comecei a ir e vir a Lisboa há oito, até que decidi ficar. Queria que fosse em frente ao mar. Vi qual era a praia mais perto da cidade e acabei na Caparica. Não sabia nada sobre este lugar, mas mal cheguei, fiquei apaixonado e tive sorte, porque encontrei uma casa maravilhosa à venda. Comprei-a, mudei-me e comecei a misturar-me com a comunidade. Gostei realmente das pessoas, do estilo de vida, da simplicidade, dos valores, dos surfistas e dos pescadores que se misturam, tornando este local tão especial. Naquela altura, a mudança para a Caparica significou paz e recomeço. Prometi a mim mesmo que não ia trabalhar, porque tinha feito muito dinheiro, que me permitia parar, mas passado um ano e meio já estava cheio de ideias e a decidir ter um restaurante cool, que não havia. Não percebia nada de restauração, mas fui em frente e abri o Dr. Bernard. Tento resistir, mas é mais forte do que eu ter ideias e investir.
– Até que chegou aos comboios de praia que comprou e pretende voltar a pôr a andar.
– Quando vi a Transpraia, a primeira coisa que pensei foi que aqueles armazéns eram fantásticos para exposições de arte. Aquilo é património nacional. Lembra-me um filme de Wes Anderson. Tudo é simples e bonito. Além de querer o comboio a andar, a minha ideia é fazer daquele um espaço cultural, com exibições diversas, que apoie artistas locais, e um museu com a história da Caparica. Acabámos de expor Kampus. Gostaria muito de devolver à Caparica o que ela me deu e acho que pode ser a Venice Beach da Europa. O meu objetivo não passa por ganhar muito dinheiro, mas por cuidar da minha saúde mental, da comunidade e fazer algo com propósito.
– Já se sente um local?
– Ainda tenho dificuldade na aprendizagem da língua, que é mesmo muito difícil, mas sinto-me um local. Estou muito ligado à comunidade, à Natureza, ao sol, à comida. Há muita solidariedade e bons sentimentos aqui.
– Ter passado por um burnout mudou-lhe efetivamente a vida?
– O burnout fez-me questionar a forma de vida que estava a levar e qual queria ter, mas foi a descoberta da Costa da Caparica que me mudou realmente. Quando aqui cheguei, senti paz, era onde queria estar.
– Morou em grandes metrópoles. Por vezes, não sente saudades da agitação?
– Não tenho saudades nenhumas, porque vivi lá na melhor época de cada uma delas. Sei que estou a parecer um velho a falar, mas o que digo é verdade. Vivi em Nova Iorque nos anos 90, antes do 11 de Setembro, e foi inacreditável. Continuo a adorar a cidade, mas acho que nunca voltará a ser a mesma. Para Los Angeles, mudei-me em 2000, quando estava a borbulhar de interesse. Abri a minha galeria de arte, produzi quatro filmes em quatro anos, conheci muitas celebridades, algumas entraram nos meus filmes. Adorava a confusão e loucura da cidade. Foi uma época muito divertida. Também morei em Tóquio, tal como em Londres antes do Brexit. E, claro, Paris. Nasci e cresci lá e não podia ter sido melhor. Mas nesta altura não sinto falta da confusão e acredito que as grandes cidades estão a passar por uma enorme crise. Há muita agressividade, tensão, demasiados problemas de tráfego que conduzem a poluição que não estão resolvidos. O melhor é estar na Natureza, trabalhar remotamente. Tenho uma qualidade de vida incrível sem precisar de ser multimilionário.
– Nunca se sente sozinho? Não é fácil viver longe da família, dos amigos?
– Nunca. Tenho a minha irmã a viver ao pé de mim. O meu pai vem visitar-me com frequência e estou a tentar que venha para junto de nós. Tenho muitos amigos cá, outros que vêm com frequência. Vivia com a minha namorada durante a pandemia, mas a nossa relação não sobreviveu à Covid. A solidão, a tranquilidade e o silêncio também são um luxo nos dias de hoje. Eu era uma pessoa extremamente sociável, mas agora gosto que a minha vida social seja contextualizada e respeite os meus tempos. Estou bem comigo mesmo e com o que tenho aqui.
– O que é um dia perfeito para si desde que fez esta mudança de vida?
– O dia perfeito começa muito cedo com os meus cães a saltarem para cima de mim. Vou ver as ondas com eles e, se estiverem boas, vou surfar para ganhar energia. Depois, começo a trabalhar nos meus projetos, como o robalo perfeito ao almoço, volto ao trabalho com a equipa em Paris e nos Estados Unidos e à noite, por vezes, vou aos meus bares ou até Lisboa ou Cascais jantar fora. Adoro cantar e sou fã de karaokes. Na verdade, o meu dia perfeito são quase todos os passados cá. Continuo a viajar bastante, mas quando entro no avião para voltar fico extremamente feliz, pois estou a regressar a casa. A Caparica é realmente casa para mim.