
Maria Vegas é “a melhor voz de que ainda não ouviu falar”, escreveu o escritor e cronista Nelson Marques, no site Comunidade Cultura e Arte, sobre esta mulher que nos agarra com o olhar misterioso e nos prende com a sua voz melódica. Uma mulher que não para de surpreender, que se reinventa e que é a prova de que nunca é tarde para dar vida aos sonhos. Ou não tivesse ela, além de um percurso repleto de múltiplas facetas, encontrado a coragem para, depois dos 40 anos, lançar o seu primeiro disco. Reconnecting é nas palavras de Tozé Brito, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), “diferente, sensual, sem artifícios. Ar puro”. Paulo Furtado, mais conhecido como The Legendary Tigerman, produtor do disco, não teve dúvidas, assim que se cruzou com a voz de Maria, que estava “perante uma descoberta única e uma voz essencial no panorama da música portuguesa”. E, de facto, não há melhor forma para descrever o primeiro trabalho desta cantautora emergente, que conta também com a participação do namorado, o músico Diogo Clemente.
Maria Manuela Marques, seu nome de batismo, nasceu no Porto, começou a cantar nos Pequenos Cantores da Maia, trabalhou como modelo, frequentou três anos do curso de Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, mas acabou a licenciar-se em Design de Moda, já em Lisboa. Criou uma marca de calçado nacional, fundou a MyPitangas – nome pelo qual é, aliás, conhecida nas redes sociais – uma empresa de consultoria de marca, passou pelo Sporting Clube de Portugal, onde foi diretora de marca e é colunista na Lemon Magazine. Em 2018, um problema grave de saúde, fê-la repensar e, desafiada por um amigo de infância, que sempre acreditou que a música era a sua verdadeira arte, decidiu começar a escrever as suas canções. Mas a vida de Maria Vegas voltou a dar uma volta. Divorciou-se do pai dos seus filhos, Gabriel, hoje com 13 anos, e Madalena, de 10, e foi nesta altura que decidiu estudar agricultura para abraçar um negócio de família com os primos, a Laborela, dedicado à produção de porco preto alentejano. Uma atividade que mantém até hoje e que a leva todas as semanas a viajar por todo o país para fazer entregas em restaurantes, cujos chefs compram diretamente ao produtor. O sonho de ser cantora não desvaneceu, como podemos constatar, e estamos agora perante uma artista a dar os primeiros passos. Esta é apenas uma resenha de uma trajetória cheia, que deu origem a esta conversa que podia não ter fim. Maria Vegas fala, atropela-se, faz uma pausa e continua a contar a sua história. Vamos conhecê-la.
– Começar uma nova carreira depois dos 40 só nos vem provar que nunca é tarde para darmos vida aos nossos sonhos?
Maria Vegas – Se servir para esse exemplo, espetacular. A verdade é que às vezes temos muitos receios – seja porque temos filhos, seja pelo medo de arriscar. Há muitas coisas que hoje estaria a ser mais afoita, não fosse a bagagem tão bonita que são os meus filhos. Mas é maravilhoso quando eu, ou qualquer pessoa que deseja muito algo, decide ir atrás disso.
– Quando há filhos, os riscos são mais calculados, no entanto, não deixou de arriscar.
– Sim, os riscos são mais calculados, mas, ao mesmo tempo, não há melhor maneira de ensinar aos nossos filhos que eles conseguem ser tudo o que quiserem, se nós liderarmos pelo exemplo. E isso, eu tenho a certeza absoluta, é algo que lhes dou. Eles são superconfiantes por minha causa. E todas as fragilidades que tiverem, vão saber abraçá-las e enfrentá-las porque a vida é isso: arregaçar as mangas e ultrapassar. Claro que me questiono muito. Mas o que é a vida sem um pouco de risco? A verdade é que eu precisava muito de fazer isto. Em algum momento da minha vida, soube que o faria, mas acabou por ficar esquecido porque fui fazendo outras coisas pelo caminho.

– Mas a vida tinha este plano para si.
– Sim, eu sabia desde pequena que eu queria cantar. Apesar de também ser artista, pintar, desenhar, escrever, é a cantar que eu sou feliz. Fui adiando. Depois, em 2018, tive uma embolia pulmonar e uma trombose venosa profunda. Foi muito assustador.
– Estar perante uma doença grave faz com que agarremos tudo com mais força?
– Não tive nenhuma epifania. Percebi que tinha o coração e a cabeça no sítio certo. Mas estive um ano inteiro a reaprender a respirar e recuperar. Na altura, não fechei a empresa que tinha, mas encerrei todas as contas. A música acabou por entrar na minha vida quando fui desafiada por um amigo meu, o produtor Frederico Pereira, que desde sempre, me dizia que eu tinha de fazer algo na área da música. Foi durante a minha recuperação que decidi aceitar. Ele apresentou-me todo um plano que incluía uma masterclass de escrita criativa com o Neil Gaiman e depois songwriting com o Pat Pattison. Comprei uma viola online, aprendi alguns acordes e comecei a dedilhar, fui escrevendo e, de repente, parecia que fazia aquilo há uma vida inteira. Mas depois a minha vida deu uma volta.
– Está a falar do seu divórcio?
– Sim, foi um processo doloroso, naturalmente, como todos os divórcios. Acabei por interromper o que estava a fazer. Tirei um curso na área da agricultura para me dedicar à Laborela, um negócio familiar dedicado à criação de porco preto de raça alentejana, que fornece cozinhas alinhadas com a filosofia “farm to table”.
– Como é que se sai ilesa de um divórcio?
– Não sei sai. Vamos ficar com marcas de guerra para sempre.
– Recomeçar é difícil?
– É um abismo. É reaprender a viver. Precisei de me adaptar. Mas nunca vi o divórcio como uma desconstrução da família. Vamos ser sempre os quatro, mesmo que estejamos em pontos diferentes do mundo.
– Voltemos à música…
– Em 2022, a vida fez-me cruzar com o Paulo Furtado e foi assim que o meu sonho começou finalmente a tomar forma. Um dia, ele ouviu as minhas músicas e acreditou em mim. E eu queria fazer aquilo mais do que tudo na minha vida. Foi o meu mentor. Candidatei-me ao fundo cultural da SPA, ganhei, e foi o grande apoio financeiro que tive. Os sonhos não são de graça.
– E assim nasce o Reconnecting.
– Desenrolámos este primeiro álbum maravilhoso. Ele soube interpretar o meu imaginário sonhador, cinematográfico, muito retro, como se tivesse entrado na minha cabeça. Foi o casamento perfeito. O melhor cartão de visita do que sou é este álbum, com oito temas, sendo que um deles conta com um produtor convidado: o Diogo Clemente, que, incontornavelmente, tinha de estar.
– A sua ligação com o Diogo não é estritamente profissional. É fácil não misturar a vida profissional com a pessoal?
– Separámos bem as coisas. Ele foi uma das pessoas que acreditou no meu potencial. Acabei a não querer trabalhar com ele porque percebi que o meu destino com ele não era no campo profissional. Pelo menos nesta fase não podia trabalhar com ele.

– Este álbum traz-lhe um sentimento de missão cumprida?
– Este álbum nasce de um sonho de criança, é um recomeço e o princípio de tudo. Traz-me a sensação de sonho cumprido, sobretudo quando vejo nos olhos dos meus filhos um orgulho desmesurado. Isso já valeu tudo. Mas claro que quero que as pessoas gostem das minhas canções, que saibam cantá-las de cor, que as façam felizes.
– Quando lançou o disco, deixou de ser um património só seu para passar a ser do mundo.
– Quando ele sai para o mundo, é como parir. Um filho também o tens para o mundo. Agora, só quero que as pessoas o respeitem e acarinhem.
– Onde é que quer chegar com este disco?
– World Tour [risos] Quando faço uma coisa, é para o mundo. Aliás, toda a gente, quando faz qualquer coisa, deveria ser com o objetivo maior possível. Por isso não havia outra forma de eu fazer isto. Sei que o pináculo da minha felicidade – e já fiz muitas coisas que me deixaram muito feliz – vai ser estar em cima do palco, seja numa aldeia ou numa grande cidade, a fazer aquilo que me dá mais prazer, porque sei que vou dar prazer às pessoas. Este álbum foi só o primeiro passo, a partir de agora vou a correr.
Produção: Luís de Andrade Peixoto
Agradecemos a colaboração de 8 Marvila