O ano de 2024 foi cansativo, mas muito produtivo para Martim Sousa Tavares, de 33 anos. Um livro, um programa televisivo, um podcast, desafios no teatro e na música, o seu casamento com Ana Ribeiro e a mudança de cidade foram alguns dos frutos que colheu ao longo dos últimos 12 meses. Fechou o ano com chave de ouro, concretizando o desejo apresentar ao público o concerto teatral Speak Low, uma carta de amor do maestro a Kurt Weill, um dos seus ídolos. Foi precisamente por isso que a CARAS foi ao seu encontro, no Teatro São Luiz, em Lisboa, onde a récita, que conta com o desempenho de Catarina Wallestein, esteve em cena.
– Levar a cabo este espetáculo era algo que desejava há muito tempo?
Martim Sousa Tavares – Sim. Eu sempre quis fazer algo em forma de declaração de amor ao Kurt Weill e já tinha tentado até, de forma humilde, fazê-lo em alguns programas de rádio dedicados a ele. Conheço a Catarina [Wallestein] há muitos anos e já tínhamos esta ideia de colaborar, de fazer qualquer coisa juntos. Pensei que agora podia juntar tudo e escrever um espetáculo sobre Kurt Weill para a Catarina. E tinha de ser para ela porque tinha de ser alguém que estivesse completamente em casa no mundo da representação, mas também a ler partituras, com uma formação clássica para estudar as canções. Alguém que além de representar, sabe o que é um dó sustenido, o que é um si bemol.
– Não havia grandes opções, então.
– Na verdade, são muito poucas as pessoas com esse “pacote” completo. Já tinha vontade de fazer alguma coisa com a Catarina e, portanto, sondei-a, ela disse que sim e escrevi o texto. Imaginei o espetáculo, escolhi as canções, fez-se o arranjo delas todas num trabalho de alfaiate porque isto é mesmo para a voz da Catarina. E assim nasceu esta carta de amor a este homem que eu acho incrível, não só música dele, mas a vida também.
– Começou com três récitas, que esgotaram o São Luiz, mas certamente as apresentações não se ficam por aí…
– Sim, soube a muito pouco. Esgotou em minutos! Temos tido outros teatros interessados, agora é preciso também conjugar com a disponibilidade da Catarina, que é uma jovem mãe que não vive em Portugal. Mas temos a certeza de que o espetáculo vai circular. E queremos muito.
– À parte deste, que outros projetos tem tido em mãos, e o que é que está a preparar para 2025?
– Agora em janeiro tive uma série de concertos de Ano Novo. É sempre um mês muito intenso na música clássica, em que ando por todo o país com espetáculos, mas assim o grande projeto para este ano é, na verdade, conseguir trabalhar menos. Mudei-me para Évora este verão, era um projeto de vida meu e da minha mulher e, portanto, aquilo que estamos a tentar fazer agora é aprender a dizer “não”, sobretudo eu, que manifestamente trabalho demais.
– Sente necessidade de ter mais tempo para si e dar mais atenção à sua vida pessoal?
– Sim, mas acima de tudo queria conseguir entrar numa fase um bocadinho mais saudável. Por isso mesmo até saí de dois projetos também relacionados com teatro, onde ia estar a fazer a direção musical. Gosto muito daquilo que faço e, a certa altura, dou por mim a trabalhar 13 ou 14 horas por dia. E isso não é bom. Portanto, o meu principal objetivo e o meu grande projeto é mesmo esse: abrandar o ritmo.
– Mas, por exemplo, o facto de estar mais longe de Lisboa não implica um desgaste maior por causa das viagens?
– Eu tento otimizar as minhas vindas a Lisboa. Ou seja, por exemplo, em relação ao programa da RTP3 Duas Pessoas a Fazer Televisão, que vai para o ar todas as semanas, conseguimos gravar dois episódios de seguida. Tenho o podcast Encontro com a Beleza na Rádio Observador todas as semanas, mas é gravado uma vez por mês. Desta forma, tenho conseguido ganhar alguma resistência a vir a Lisboa. Já vou dizendo às pessoas que vivo no Alentejo, portanto não posso ir a Lisboa “por dá cá aquela palha”. E, devo referir, o meu trabalho felizmente é um bocadinho por todo o país: a Orquestra Sem Fronteiras é no Interior, a Orquestra do Algarve é no Algarve, as coisas mais mediáticas, televisão e rádio são em Lisboa e também faço muita coisa no Porto e em Braga. Na prática, vou estando por todo o lado
– E porque é que escolheu Évora para viver?
– Tenho uma paixão pelo Alentejo e por essa cidade em especial. Gosto do tipo de vida, da qualidade de vida, não tenho raízes nenhumas lá, simplesmente apaixonei-me em miúdo e concretizei um desejo que tinha há muito.
– A sua mulher partilha dessa paixão por Évora?
– Ela é do Norte, não conhecia muito bem o Alentejo, mas começou a ir comigo e, tal como eu, gostou muito daquilo e a verdade é que basta experimentar e a pessoa já não quer outra coisa, pelo menos connosco foi assim. E há outro aspeto: em Lisboa o mercado imobiliário está completamente louco e o poder de compra é muito diferente nas duas cidades. A casa que nós temos em Évora, se fosse em Lisboa, nem com duas vidas a trabalhar a conseguiríamos comprar. Portanto, tudo isso pesa. Évora é uma cidade mais acessível para viver, para sairmos com o nosso cão, para passear, para aproveitar. Tem ótima comida, ótimo clima.
– Saiu de uma zona urbana para uma zona rural?
– Não, na verdade, até estamos no centro histórico de Évora, que é lindo de morrer. Para ter uma ideia, a nossa casa tem um jardim, cujo limite é a muralha do Castelo de Évora. Portanto, estamos protegidos quanto à invasão dos espanhóis quando eles quiserem vir [risos]. Isto para dizer que Évora está rodeada de campo, mas nós até estamos na cidade, portanto, temos os serviços todos de uma zona urbana, não falta absolutamente nada. E vivemos com esta paz de saber que em 5 minutos estamos na ecopista e podemos ir a pé até Arraiolos se quisermos.
– Sente que encontrou um equilíbrio perfeito?
– Ainda não cheguei ao ponto ideal. A minha mulher está sempre a perguntar quando é que eu começo a estar uma semana inteira em casa, porque nós mudámo-nos em agosto e eu já tinha muitas coisas marcadas em Lisboa até ao fim do ano passado e início deste que começou.
– Sai de Lisboa desiludido com a cidade?
– Estava numa situação de muito desgaste. Já não reconheço esta cidade. Muitas vezes parece que tudo é uma luta. E está muito cara, muito caótica, muito cheia de gente. Agora, depois de sair, consigo aproveitar a cidade com mais prazer. Por exemplo, vim sem carro, portanto não estou preocupado se estacionei bem ou mal. Vou de metro, passeio pelo Chiado e faço-o de uma forma que antes não fazia.
– Foi jurado do Ídolos em 2022. Faz parte dos seus objetivos voltar a participar num programa de entretenimento?
– Fui novamente convidado, mas não achei que fizesse sentido aceitar dessa vez. A minha relação com a televisão tem sido curiosa. A minha primeira experiência foi no Ídolos, ou seja, um programa de grande audiência transmitido em prime time [horário nobre]. Depois, um programa autoral na RTP 2, algo mais de nicho, de informação cultural pura e dura. E agora este late night show na RTP 3 e estou-me a divertir muito. Portanto, para mim, a televisão tem sido mais uma forma de, pontualmente, tentar fazer algo diferente.
– Há alguma coisa que gostasse, efetivamente, de levar a cabo, a nível profissional ou até pessoal em 2025?
– Há um projeto que eu espero tirar do bolso e talvez 2025 seja um bom ano para isso: pretendo gravar um disco com algumas músicas ao piano.