
No emblemático Coliseu Micaelense, em S. Miguel, nos Açores, Paulo de Carvalho abriu as cortinas para um novo capítulo da sua carreira, com o espetáculo intimista Contar Cantigas. Aos 78 anos e com mais de seis décadas dedicadas à música, o cantor e compositor partilhou memórias, reflexões sobre o seu percurso artístico e a emoção de ainda encher salas de espetáculo. Entre histórias pessoais, colaborações marcantes e conselhos para a nova geração, o intérprete de E Depois do Adeus revelou o segredo por trás da sua longevidade artística: paixão, seriedade e um amor constante pela música.
– Começou o ano com um espetáculo intimista nos Açores?
Paulo de Carvalho – Decidi chamar ao espetáculo Contar Cantigas, já que estou em palco só com um pianista, Vitor Zamora, cubano, meu amigo, com quem toco há quase 20 anos. Todas as cantigas têm uma história e eu conto uma ou outra história sobre uma outra canção. No final do ano passado fiz um outro espetáculo, na Casa da Música e no CCB, que se chama E Depois do Adeus?. Muita gente achou que me ia despedir dos palcos. Nada disso. Só se pergunta o que acham que vou fazer a seguir.
– Vai continuar em digressão com o E Depois do Adeus?
– Não decido sozinho, trabalho com uma empresa chamada Sons em Trânsito, e são eles também que decidem comigo o que é que vamos fazer. Depois do Adeus é preciso fazer qualquer outra coisa. Enquanto achar que tenho capacidade para fazer…
– Enquanto lhe der prazer subir ao palco?
– Prazer e não só, prazer e força. Este ano faço 78 anos… Mas se a casa aqui está cheia, é porque há muita gente que me quer ver e ouvir.
– É muito bom saber que, com 78 anos e 60 de carreira, continua a esgotar salas de espetáculo.
– A questão não é encher ou não a sala. É porque há muita gente que quer ouvir, que se lembra, que sabe o que é, que tem gosto e que vem pelo menos para ver como é que estou. E isso é muito agradável para mim.
– Tem contado com o apoio incondicional da Susana, sua mulher, que, calculo, também seja importante para fazer esta caminhada com alguma tranquilidade.
– Sim. Já são 26 anos de casamento e duas filhas. Ela ajuda-me bastante, provavelmente ela dirá que também a ajudo noutras coisas. Mas sim, é muito bom estarmos juntos.

– Como é que definiria a sua trajetória artística?
– Séria. Podem não gostar de mim por mil outros motivos, mas o público apercebe-se que sou, ou pelo menos tento ser, uma pessoa séria no que faço.
– Dos inúmeros êxitos que tem somado ao longo da carreira, existe alguma música que consiga eleger como particularmente especial para si?
– Já me fizeram essa pergunta variadíssimas vezes. E a minha resposta é sempre a mesma: normalmente aquelas que gostamos mais são as que o público menos conhece ou menos gosta. É evidente que não posso deixar de referir o tema E Depois do Adeus, não posso deixar de lhe dar a importância que efetivamente tem, por um motivo em relação ao qual não tenho nada a ver. Foi um acaso. Mas acabou por se tornar muito especial para mim.
– Algum dos artistas da nova geração – o filho não conta – com quem gostasse de trabalhar?
– Nos espetáculos na Casa da Música e no CCB convidei para cantar comigo uma das cantoras de quem mais gosto, a Milhanas. Não gostaria de referir mais nomes. Mas há imensa gente neste momento a cantar muito bem. Já não direi a fazer muito boa música, porque a composição está a tornar-se muito igual.
– O seu filho, Agir, tem feito uma carreira de enorme sucesso também. Como é que um pai cantor se sente ao ver um filho brilhar como artista?
– Brilhar e ter o sucesso que tem, certo? A ver se não sou mal entendido por quem nos vai ler. Tenho cinco filhos, só que aquele é muito conhecido, por motivos perfeitamente óbvios, já que faz muito bem o trabalho dele, mas tenho outros que também são muito bons no que fazem, não são é tão mediáticos. Portanto, em relação a ele, acho que é um belíssimo produtor, um belíssimo músico e compositor, e faz muito bem o trabalho dele. E ajuda muita gente a cantar e a gravar bem. Acho que posso dizer isto à vontade: ele é bastante importante no tempo dele.

– E são críticos um do outro ou tentam não misturar os temas?
– Ele já foi muito crítico de mim. Produziu um disco muito bem feito, que se chama Duetos, em que me pôs a cantar músicas minhas com companheiros de profissão que não conhecia.
– Mas confiou no desafio.
– Claro que confiei. Discutimos um bocado, mas o que é facto é que ele fez o disco muito bem feito. Depois dos sucessos de 1985, 86, esse foi o CD que mais vendeu na minha carreira. O que quer dizer que ele me ajudou a ter sucesso.
– Que mensagem gostaria de deixar a artistas que estejam agora a querer trilhar o seu caminho no meio musical?
– Que sejam teimosos, mas sobretudo que sejam sérios. Há condições que são básicas, que ou se têm ou não se têm. Depois a boa e a má sorte também existem, mas nós estamos a viver uma época muito complicada, a nível da música e do sucesso musical. Uns conseguem, outros não, sempre foi assim.
– Considera ter tido sorte no seu percurso?
– Acredito que sim. O que sei é que tudo isto passou por mim e não dei por passar. E já lá vão 63 anos de cantigas.
– E vai continuar a brilhar nos palcos?
– Enquanto achar que vale a pena e que tenho possibilidades, pois sim.