
“Amensagem mais bonita do filme é que talvez todos nós possamos escapar a uma vida difícil. Espero que as pessoas vejam que é possível mudar – há sempre uma segunda oportunidade”, assegura Karla Sofía Gascón, a protagonista de Emilia Pérez, o filme francês, em língua espanhola, de Jacques Audiard, que foi nomeado para 13 categorias dos Óscares, incluindo o de Atriz Principal, cuja cerimónia está agendada para 2 de março (dia 3 na hora de Portugal), no Dolby Theatre, em Los Angeles.

A nomeação de Gascón fica também registada na história dos Óscares por ser a primeira vez que uma intérprete abertamente transgénero entra na corrida como Melhor Atriz. Um papel desafiante – de um barão da droga mexicano que muda de género para iniciar uma nova vida como empresária de sucesso – que acaba por trazer reconhecimento mundial à sua trajetória, refletindo a sua luta pela identidade e pela aceitação, e que coincide com o recente anúncio do Presidente Donald Trump de que os EUA passarão a reconhecer apenas dois géneros – o que naturalmente provocou inúmeros protestos e receio, sobretudo junto da comunidade LGBTQ+.

Gascón nasceu em Alcobendas, Espanha, em 1972, embora se considere “meio mexicana” pelos anos que ali viveu e trabalhou. Começou a dar os primeiros passos no mundo da representação no final da década de 1990, participando em diversas telenovelas e filmes espanhóis até se estrear no mundo da televisão mexicana, no ano 2009. Em 2018, aos 46 anos, iniciou o processo de mudança de sexo, deixando de se chamar Carlos Gascón para se identificar como Karla Sofía. Um processo pessoal complicado que abordou no romance semiautobiográfico Karsia: Uma história extraordinária.
Embora tente manter a sua vida privada longe dos holofotes mediáticos, sabe-se que Karla partilha a sua vida há mais de duas décadas com Marisa Gutiérrez, a quem, assegura, nunca mentiu sobre a sua identidade. As duas conheceram-se quando tinha 19 anos, num pub de Alcobendas, e tiveram uma filha, Victoria Elena, hoje com 13 anos. São elas “que aguentam as minhas loucuras todos os dias”, disse, no seu discurso de agradecimento no Festival de Cinema de Cannes.

Ativista na defesa dos direitos LGTBIQ+, Karla Sofía tem denunciado regularmente a violência a que são submetidas as pessoas trans, como aconteceu recentemente quando, nas redes sociais, foi atacada com infindáveis mensagens de ódio depois de ter sido acusada de tentar denegrir o trabalho de Fernanda Torres, também nomeada aos Óscares com o filme Ainda Estou Aqui. “Sou uma grande fã de Fernanda Torres e foi maravilhoso conhecê-la nos últimos meses. Nos comentários que fiz referi-me à toxicidade e ao discurso de ódio violento nas redes sociais que infelizmente continuo a vivenciar. A Fernanda tem sido uma aliada maravilhosa, e ninguém diretamente associado a ela tem sido nada além de solidário e extremamente generoso”, justificou Karla Sofía, partilhando, ainda: “Adoro a arte, por isso aplaudo a criatividade de todos os grupos de haters que a cada dia tratam de inventar uma nova polémica ou uma nova forma de me insultarem. Isso é bom porque desperta os neurónios, e com isso, quem sabe, algum dia possam perceber que o ódio não os vai levar a lado nenhum”.