Fotos: Reuters
A 9 de Abril de 2005, o mundo testemunhava o final feliz de uma história de amor amaldiçoada durante 35 anos. O príncipe
Carlos e
Camilla Parker Bowles oficializavam a sua relação, pondo fim a uma autêntica e rocambolesca novela de paixões, traições e intrigas – e até de confissões públicas de adultério em entrevistas televisivas -, conhecida por Camillagate, e que ficará para a posteridade como um dos escândalos que mais abalou o Reino Unido e a imagem da monarquia britânica na segunda metade do século XX.
Casaram-se primeiro perante os homens, numa cerimónia civil na Windsor Guildhall, a que assistiram apenas cerca de 30 pessoas, entre as quais os filhos de ambos os noivos; depois, perante Deus, num serviço religioso celebrado na capela do Castelo de Windsor, em que foram abençoados pelo arcebispo de Cantuária, e ao qual assistiram cerca de 700 convidados, familiares e amigos de ambas as partes. Nomeadamente, a própria rainha
Isabel II, cuja presença esteve em causa até à última hora, pois esta celebração contornou a regra da Igreja Anglicana que permite que duas pessoas divorciadas voltem a casar-se religiosamente, mas apenas se não tiver havido adultério.
Para convencer a mãe – que pela sua condição de rainha de Inglaterra é chefe suprema daquela igreja -, Carlos ter-lhe-á certamente recordado que a cisão com a Igreja Católica Romana, no século XVI, aconteceu precisamente na sequência da excomunhão de
Henrique VIII, que, sem a necessária Bula papal, considerou nulo o seu casamento com
Catarina de Aragão para desposar
Ana Bolena…
Nas últimas décadas, muito se disse e escreveu sobre o Camillagate, mas quase sempre sob uma perspectiva maniqueís-
ta: do lado dos bons, a adorada princesa
Diana, do lado dos maus, Carlos e Camilla, vistos como dois amantes desbragados e imorais, culpados do enorme sofrimento em que aquela viveu durante largos anos e até, em última instância, da morte dela. Raramente, ou mesmo nunca, nos tempos de clandestinidade do romance do príncipe com Camilla, uma voz se levantou para proclamar a dor que terá massacrado os dois amantes, impedidos de serem felizes juntos pela moral conservadora e por rígidas leis que regulam, ou regulavam até há pouco tempo, o comportamento da família real britânica. Pelo menos no que diz respeito às aparências, pois amantes foi coisa que não faltou aos monarcas, ingleses e outros.
E, no entanto, imagine-se a agonia de Camilla e Carlos quando, ainda bem jovens, tiveram que desistir um do outro. E a tristeza de Camilla no dia em que o Reino Unido se vestiu de festa para celebrar o pomposo casamento da jovem
lady Diana Spencer com o já maduro príncipe de Gales. Avalie-se, também, a falta de convicção com que Carlos trocou votos de amor eterno e de fidelidade com a tímida e insegura Diana – com a qual, como o tempo provaria, pouco ou nada tinha em comum -,
obrigado pela sua condição de primogénito a assegurar uma descendência à altura de um dos tronos mais antigos da Europa. Imagine-se, ainda, o desconforto com que
Andrew Parker Bowles viveu durante largos anos o papel de marido enganado. E recorde-se, sobretudo, o martírio de Diana. Vítima da ingenuidade dos seus 20 anos, não percebeu que Carlos, já com 33 anos, não a amava de todo e deixou-se deslumbrar com a ideia de ser protagonista de um conto que parecia ser de fadas. Na verdade, com o tempo, e à medida que a vida lhe foi tirando as ilusões, a princesa de Gales acabaria por perceber que era protagonista, sim, mas de um psicodrama de péssimo gosto.
Mas voltemos uns anos atrás no tempo. Carlos Filipe Artur Jorge de Windsor nasceu em 1948, primeiro filho da então ainda princesa Isabel de Inglaterra. Apesar do seu país ser uma monarquia constitucional há já alguns séculos, esperava-o, ainda assim, a mais exigente das educações, capaz de domar todo e qualquer voluntarismo que a sua personalidade pudesse ter e de assegurar a sua total aceitação dos sacrifícios inerentes ao seu futuro de rei. Entre eles, a disponibilidade para se casar por obrigação e não por amor.
Acontece que quando Carlos chegou à adolescência, o mundo mudava a uma velocidade vertiginosa. O movimento
hippie proclamava não só o direito ao amor, como até ao amor livre. Por muito espessas que fossem as paredes de Buckhingham Palace, alguns ecos dessas mudanças acabaram por chegar ao seu interior. E por muito bem sucedido que tivesse sido o condicionamento de Carlos, no seu íntimo acabou por germinar o desejo a ser apenas um jovem igual aos que via deambular numa atitude de recém-conquistada liberdade pelas ruas londrinas.
Quando, em 1970, durante um jogo de pólo, o seu desporto favorito, conheceu Camilla (Shand de solteira), Carlos terá sido vítima de uma paixão fulminante. Camilla, um ano mais velha, tinha então uma beleza fresca e saudável e todas as características de uma rapariga típica da classe alta inglesa susceptíveis de agradar ao príncipe: capaz de associar a sofisticação e cultura que uma educação primorosa nos melhores colégios lhe dera com a descontracção de quem ama a vida no campo e a prática do desporto; capaz de se sentir igualmente em casa nas elegantes corridas de Ascot ou numa caçada a cavalo na Escócia. Tinha, ainda, um sentido de humor muito
british que deliciava Carlos (e continua a deliciar, a avaliar pelas boas gargalhadas que dão juntos em público, coisa que nunca aconteceu com Diana). Para infelicidade deste, no entanto, a jovem Shand, apesar de descender de uma família aristocrata pelo lado materno, não tinha
pedigree suficiente para agradar à rainha.
E o grande pecado de Carlos foi, precisamente, ter querido ser um homem comum e viver de acordo com o seu tempo, mas não ter tido a coragem suficiente para enfrentar a vontade materna e contrariar as pesadas regras da instituição monárquica inglesa. Se, aos 22 anos, quando se apaixonou por Camilla, o príncipe tivesse decidido lutar com tanta perseverança pelo seu direito a casar-se por amor como o fizera, duas gerações antes, o seu tio-avô
Eduardo VIII (que em 1936 abdicou do trono para se casar com a americana
Wallis Simpson, plebeia e duas vezes divorciada), muito sofrimento se teria evitado aos quatro elementos deste quadrilátero amoroso e aos vários ‘figurantes’ que nele se viram envolvidos, nomeadamente os filhos de ambos os casais.
Com os divórcios dos Parker Bowles, em 1995, e dos príncipes de Gales, um ano depois, a poeira sobre o escândalo Camillagate começou a assentar. E se a morte de Diana, em 1997, a levantou um pouco, a verdade é que, para Carlos e Camilla, acabou por ser quase providencial. Porque de divorciado o príncipe passou ao estatuto de viúvo e, ultrapassado o período de luto, tornou-se muito mais aceitável para a opinião pública que voltasse a casar-se. Afinal, protocolarmente, um rei fica sempre melhor com uma rainha a seu lado!
CLIQUE PARA VER MAIS FOTOGALERIAS
CLIQUE PARA SUBSCREVER A NEWSLETTER DA CARAS
Siga a CARAS no
Facebook
e no
Twitter
!