Marcado para 29 de abril – dia de Santa Catarina de Siena -, o casamento do príncipe
William de Inglaterra com
Catherine Elizabeth Middleton tem todos os ingredientes para poder ser considerado uma ousadia revolucionária. E o principal deles é, naturalmente, a própria noiva.
Porque Kate Middleton é a primeira plebeia que aspira a sentar-se no trono britânico. Será, também, a primeira rainha inglesa com estudos superiores e a única que trabalhou por conta de outrem. Acima de tudo, é uma das poucas escolhidas por amor e não por qualquer tipo de aliança política, económica, diplomática ou de sangue. Ou seja, à luz dos conceitos monárquicos mais ortodoxos, Kate não tem nada para oferecer a William. Curiosamente, nada disto parece constituir problema para
Isabel II, sem o consentimento da qual não haveria casamento.
E a verdade é que a rainha não terá feito o menor esforço para contrariar este namoro tão pouco convencional. Pelo contrário, tomou até o partido de Kate quando William vacilou nos seus sentimentos e fez um interregno no namoro, em 2007. Dando um puxão de orelhas psicológico ao neto, Isabel recomendou-lhe que se as suas intenções para com a jovem não fossem sérias – ou seja, para casar – não a expusesse a pressões mediáticas.
Segundo fontes próximas de Buckingham, depois do descalabro que foram os casamentos dos príncipes
Carlos com
Diana Spencer e
André com
Sarah Ferguson, ambas meninas oriundas das melhores famílias, a soberana quer tudo menos ver a história repetir-se. Depois desses
annus horribilis, Isabel terá revisto algumas das suas posições mais conservadoras e hoje defende que a sólida educação burguesa de Kate – que cresceu no seio de uma família unida, equilibrada e afetuosa, que se preocupou tanto com a harmonia do desenvolvimento emocional dos filhos como da sua instrução académica – é, afinal, uma mais-valia. Ou seja, a rainha acha que Kate tem muito para dar a William…
Sobretudo quando comparada com Sarah e Diana, que certamente tiveram educações que valorizaram as regras de etiqueta, mas deixaram muito a desejar em termos afetivos, pois ambas cresceram em lares desfeitos e muitas vezes entregues ao cuidado de amas pouco ou nada atentas ao bem-estar emocional das crianças de que cuidavam. E a monarca sabe bem que as eventuais lacunas que Kate tenha em termos de etiqueta e protocolo serão fáceis de ultrapassar por uma rapariga cuja inteligência foi considerada
"espantosamente brilhante" por um dos seus professores.
Aos 84 anos, a cabeça coroada da monarquia europeia mais arreigada à tradição demonstra uma extraordinária capacidade de adaptação aos novos tempos e mentalidades. Na verdade, perante o exemplo de todas as outras cortes europeias, que aceitaram que os seus príncipes e princesas herdeiros fizessem casamentos morganáticos, juntando sangue plebeu aos seus sangues azuis, a monarca da velha Albion percebeu que estava na hora de sacudir a poeira de certos pergaminhos mais antiquados.
Kate será, sem dúvida, uma lufada de ar fresco que entra pelos salões rarefeitos dos austeros palácios dos Windsor. O contrário resta, para já, uma enorme incógnita. Será que a família de William terá algo de igualmente bom para lhe dar em troca? Gente de reconhecido sentido de humor, mas cultora, desde há séculos, do mais requintado snobismo britânico, mostra para já um notável
fair play na forma como aceitou a escolha do coração do príncipe. Em reação ao anúncio do noivado do seu primogénito, o príncipe Carlos declarou, com a sua habitual bonomia:
"Faz-me sentir mais velho." E acrescentou que o casamento tem tudo para dar certo, pois, lembrou, com mal disfarçada malícia:
"Eles já praticaram bastante."
Camilla, por seu turno, disse, sorridente, e no seu estilo
british:
"É fantástico, certo? É absolutamente maravilhoso." E
Harry, o irmão mais novo do noivo, foi mesmo mais longe quando declarou:
"Isso significa que ganho a irmã que sempre quis ter."
Nos primeiros anos depois de casada, Kate será algo poupada ao escrutínio, pois, apesar de deixar de trabalhar (atualmente ajudava os pais na empresa de venda, pela internet, de produtos para festas de aniversário para crianças), estará em Gales, onde William vai continuar a servir como piloto de helicópteros da RAF. Mas no dia em que a rainha morrer e o príncipe passar a herdeiro – ou até a rei, caso Carlos decida abdicar -, terá de provar se as expectativas que Isabel II pôs nela eram as corretas. Até lá, o seu desafio será outro: marcar o seu próprio estilo, tanto em termos de atitude como de imagem, de forma a conseguir sair da sombra de Diana.
Uma tarefa que não se adivinha fácil, pois os ingleses – e todos os fãs que Diana acumulou por esse mundo fora – adorariam que a Princesa do Povo ‘reencarnasse’ na mulher do seu filho. E, na verdade, este não ajudou quando lhe pôs no dedo o anel de noivado da mãe… Mas se Kate fizer William feliz – e nos últimos oito anos fez -, todos os deslizes acabarão por lhe ser perdoados. Porque as mesmas pessoas que choraram a morte de Diana sofreram por ver os seus filhos ficarem órfãos ainda tão jovens. E adorarão saber que o
karma da falecida não era hereditário.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.