O que é que a monarquia tem de tão especial para haver tantos leitores interessados?
A monarquia tem uma magia contagiante. Há uma parte afetiva que não se explica, que não é racional, porque se prende com a identidade do país, com o que há de mais profundo na nossa História. Temos em Portugal oito séculos de monarquia e cento e poucos anos de República.
E poderá ter a ver com o conceito de “casar por amor”, um pouco ao jeito dos filmes da Disney?
É. Ninguém se preocupa com o casamento da filha do presidente, mas se for o casamento da princesa já é uma coisa que atrai multidões, como se viu agora com o príncipe Harry e com a Meghan Markle. Faz parte da nossa identidade romântica das histórias da infância, dos príncipes e das princesas, não é?
Como avalia a mudança de paradigma nas famílias reais europeias, que viram os seus sucessores casar com pessoas exteriores à realeza?
É um trend muito forte. Vê-se sobretudo no século XXI e eu via-a quando estava sentado no corpo diplomático e tínhamos à nossa frente todos as pessoas reais, convidados para um casamento, e todas estavam mal casados dentro do antigo critério [do Almanaque de Gotah]. Também digo na conclusão do meu livro que até agora tem funcionado. Veremos…
Mas no início do livro menciona um modelo de felicidade pessoal baseada no amor que vai trazer um certo prejuízo para a instituição monárquica em termos de “alteração de valores”…
Sim, porque as pessoas reais casavam-se sempre entre elas e têm uma educação e uma formação muito específica. Todas são formatadas daquela maneira, portanto estão preparados para grandes sacrifícios. Se pensarmos na rainha emérita de Espanha, a rainha Sofía, ela é, antes de mais nada, rainha consorte. Agora emérita, mas é a rainha Sofía. Ela aguentou imensas infidelidades do marido…
E a própria distância do país de origem, a Grécia…
Mas para isso eles estão treinados. Eles podiam reinar em qualquer sítio.
Mas considera que esta ideia pode ter “deteriorado” o conceito de realeza ou trouxe, por outro, maior realismo? As pessoas também podem identificar-se mais com esta “nova realeza”. São pessoas “mais comuns”.
Pois são. Mas as pessoas mais comuns não estão necessariamente mais próximas dos seus subditos, não é? Porque se são exatamente iguais, o que é que faz a diferença? Porque é que uma senhora faz uma vénia a uma rainha se esta é filha do dono dos armazéns de Oslo? Quando o rei Harald se casou com a Sónia, nessa altura eles não se reviam na consorte o suficiente de forma a que justificasse um certo número de privilégios e um tratamento diferente. Mas também digo no livro: até agora tem funcionado. Nós vemos casamentos impensáveis: uma mãe solteira e que usa drogas…
Como é o caso da Mette-Marit da Noruega.
Pois, mas passaram 17 anos, eles estão juntos, aparentemente felizes.
Mas o que é que é mais “prejudicial”? Carlos e Diana de Inglaterra eram um membro da família real e outro da aristocracia e acabaram por ter uma relação conturbadíssima, que abalou a coroa inglesa. Por outro lado, temos o ‘voltar a respirar de alívio’ com a chegada de Kate que também não é da monarquia.
Pois não, não é. Mas de qualquer maneira teve uma educação próxima. E sobretudo eles [Kate e William] têm uma grande proximidade, coisa que não existia no casamento do Carlos e da Diana porque havia sempre uma terceira pessoa, que é a atual duquesa da Cornualha. Eu tive-os (Carlos e Camilla) cá há pouco tempo, eles estiveram também na entronização do rei Guilherme da Holanda, e tudo isso se sentiu. As pessoas reais estão treinadas para o sacrifício, para porem a coroa, a instituição, o casamento, acima das infidelidades. As pessoas que têm uma educação burguesa não têm essa visão e é muito difícil aceitarem.
No caso de Meghan e Kate tem sido falada uma separação entre as duas. O que é que as une e o que é que as separa afinal?
Não sei, não conheço suficientemente. Aliás, nem as conheço fisícamente. Cruzei-me uma vez com o príncipe Harry.
Foi noticiado recentemente que as diferenças entre ambas terão motivado uma mudança de casa do par recém-casado.
O que acontece é que são duas estrelas: uma tem a sucessão. Pelo passar do tempo e com a ajuda de Deus será rainha consorte e mãe do herdeiro. O outro [Harry] é um ramo segundogénito que, de qualquer maneira, está agora à espera do primeiro filho. A Kate é o exemplo típico de como era a Diana: são de uma classe média alta…
Kate e William estudaram no mesmo colégio…
Exatamente, uma educação muito aproximada. E é isso que faz a identidade de Inglaterra: o tipo de educação que as pessoas têm. Em Inglaterra até se reconhece o estrato social pela maneira como se pronunciam as palavras. A pessoa pode dizer “tu és do Norte, tu és do Alentejo”, mas não se percebe se é aristocrata, classe média ou povo. Em Inglaterra isso é muito nítido. Os pais de Kate puseram-na num dos melhores colégios e assim aconteceu. Nem tinha nobreza nessa altura mas tenho a impressão que a rainha já nobilitou e já deu armas e tudo aos pais dela. Eles são apaixonados e têm uma família numerosa. A outra vem de fora, é uma mulher que lutou sempre pela sua independência, atriz, divorciada, teve um primeiro casamento. Tudo isso é já uma bagagem que uma pessoa traz. Se bem que vejo que parecem estar muitíssimo apaixonados.
A rainha Isabel II até está a gerir muito bem esta questão.
A rainha Isabel II está seduzida pela Meghan! Toda a gente diz que ele [Harry] é o neto preferido dela. A escolha do neto preferido também se transformou na sua escolha. As pessoas reais são treinadas para não mostrar os sentimentos: não choram em público, não riem em público.
O caso do funeral de Diana é disso exemplo. Apesar de muito jovens, William e Harry mantiveram uma preserverança sem precedentes.
Porque já estavam treinados para isso. Mas a rainha riu-se várias vezes quando foi no comboio real com Meghan. Ela dizia-lhe coisas ao ouvido e ela ria-se.
Até houve alguns incidentes protocolares…
Para entrar no carro. A rainha disse-lhe: “You first.” Mas são coisas muito específicas.
Também é mais fácil, hoje em dia, viralizar todos esses momentos.
É horrível. Uma coisa dramática: o rei emérito de Espanha foi a Abu Dhabi porque o [Fernando] Alonso deixava a Fórmula 1 e ele quis apoiar aquele espanhol que lançou quando era rei. Mas infelizmente não podia evitar e tinha de passar pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita sobre quem existe uma série de evidência de ter sido ele a ordenar o assassinato do [Jamal] Khashoggi. Claro que em Espanha logo a esquerda e o poder fizeram disso um assunto tremendo.
Voltando à coroa inglesa, sendo esta um exemplo de preserverança, como é entendido este amor entre Harry e Meghan? Trará ou não fragilidade à coroa?
Penso que não porque os Windsor têm uma capacidade de se renovar notável. E sobretudo adiantam-se às situações e gerem as questões. A única vez que a rainha fraquejou foi quando não quis vir de Balmoral porque achava que nem ia fazer um funeral de estado à princesa Diana. Nada! Mas nessa altura foi o Tony Blair quem criou aquela frase da ‘princesa do povo’: quando chegaram ali [Palácio de Buckingham] e viram o chão coalhado de mensagens e flores e o desgosto tremendo que as pessoas tiveram é que perceberam. Há um filme estupendo – The Queen – em que isso está muito bem retratado, com um grande realismo. Com a Helen Mirren. Está muito bem feito.
Além da distância do próprio tempo, o que é que distingue, por exemplo, Meghan de Grace Kelly, que também era atriz?
É curioso. Têm em comum serem americanas, como no fundo a Wallis Simpson também era americana e divorciada. Mas já viu o que evoluiu? Independentemente de se dizer que o rei tinha tendências nazis e uma certa atração pelo Reich, ele nunca poderia casar com uma divorciada porque, no fundo, ele também é cabeça da igreja inglesa. Divorciada duas vezes… Mas ele achou que o seu amor ia pôr todo o povo a ser favor. E não pôs. Foi de tal maneira escandaloso que esta rainha nunca abdicará porque a abdicação foi traumatizante para a família Windsor. E também porque quando recebeu a Coroa jurou que iria servir os seus súbditos até ao fim. E ela é fiel a esse juramento.
É hoje o casamento de Alberto do Mónaco uma certeza para aquele povo?
Penso que sim porque foi muito difícil. Recolhi várias opiniões e quando era chefe de protocolo fui de propósito ao aeroporto para a conhecer pessoalmente. Eles iam para a Comporta. Ela [Charlene] era lindíssima! Com uns olhos azul-piscina, como eu digo no livro. Mas, ao mesmo tempo, é essa capacidade que ela tem de se adaptar. É o que ela diz: “Eu no fundo sou uma rapariga zulu que nasceu numa piscina… Ele é um príncipe. Vinha de tão longe, não sabia nada do que era isto.” E ela sofreu bastante porque a princesa Carolina, mesmo estando separada do marido, mandava ali. E se não houvesse sucessão – questão que já está resolvida -, seriam os filhos dela os herdeiros do principado.
Mas que imagem têm de Charlene, inicialmente ausente da vida da família real e, mais recentemente, mostrando-se interessada e participativa em questões socio-caritativas?
Ela tem uma fundação especial para ensinar as pessoas a nadar desde pequenos, o que é notável. Morre muita gente afogada. E em África muitíssima, crianças e adultos. Ela tem-se imposto. Ninguém percebia a agenda da Charlene, mas hoje em dia o povo vê-a como sua soberana. E eles estão felizes. De aspeto. Nós nunca sabemos…
Espanha é em tudo diferente. A figura conflituosa do rei, a inimizade do povo para com a rainha Letízia, as dificuldades vividas pela irmã do rei, a viver na Suíça desde que o marido, Iñaki Urdangarin, foi preso… Pode estar em causa a figura da monarquia deste país?
Da instituição, sim. Eu tenho medo que isso aconteça porque quando havia o bipartidarismo entre o PSOE e o PP, que se alternavam no poder, os outros partidos não tinham significado. Ambos aceitavam a Coroa porque a democracia tinha sido trazida pela monarquia. Foi o Juan Carlos quem conseguiu, dentro da legalidade, transformar a ditadura do Franco numa democracia.
E era-lhe reconhecido esse mérito.
Completamente! E ele viveu desse crédito imenso tempo. Mas isso agora acabou-se. E, sobretudo, alterou-se o enquadramento e a figuração do Parlamento. Hoje em dia o PP está fragmentado, o PSOE também não tem força, o Podemos subiu imenso. Também digo no livro que, em qualquer altura, se pode pôr alguém que tem uma maioria parlamentar a dizer: ‘Vamos fazer um referendo: monarquia ou república?’. Trata-se, no fundo, de uma monarquia que é recente, porque naqueles anos todos do Franco ele era caudilho e Espanha era um reino, mas o regime era diferente. As pessoas nem conheciam o Don Juan, que vivia cá no exílio. Conheciam mal o príncipe, que teve de engolir muitos “sapos vivos” para se manter no poder. É um país de que gosto muito. Estive lá cinco anos e meio na embaixada e tenho muito boas recordações, ainda hoje vou lá e tenho muitos amigos, mas sinto isso. Pode correr o risco do regime monárquico ser suplantado nas urnas por um regime republicano.
Qual é o papel da realeza em Portugal? Considera que as pessoas têm curiosidade em ver uma maior presença?
Sim, mas o Sr. D. Duarte e a senhora D. Isabel têm tido bastante presença. Temos agora o Jantar dos Conjurados no dia 30, que historicamente precede 1640.
Mas existe espaço para a monarquia no nosso País? Com que tipo de poder ou ação no dia-a-dia?
Acredito que sim porque são a ‘reserva’ da República. Eles dedicam-se a uma série de ações, educam os filhos lindamente dentro dos valores permanentes de Portugal.
D. Duarte continua com o trabalho na Fundação D. Manuel II e apoiou a causa de Timor.
Sim, e os filhos estão muito envolvidos e são muito patriotas.
Considera que existe esse reconhecimento?
Existe para quem os conhece. O problema é esse. Eles ganham muito em ser conhecidos. Digo isto porque os sirvo há muitos anos. São conhecidos em toda a Europa! Também são primos de toda a gente. Aliás, o livro perpassa muitos Bragança porque era uma dinastia, da primeira parte do [Almanaque de] Gotah, que se davam muito com todos eles. A senhora Dona Isabel também tem ajudado muito. Há sempre uma função em que eles podem ajudar. O nosso Presidente [da República] tem tido o cuidado de convidar a senhora D. Isabel e o senhor D. Duarte. Mesmo agora, no jantar com os primos, os reis da Bélgica, estiveram no banquete e ficaram bem sentados, e eles não têm lugar protocolar. Falo disso no meu livro de protocolo. Os duques de Bragança, como chefes da Casa Real de Bragança e herdeiros, e o cardeal-patriarca, que é um eleitor de um outro país [o Vaticano é uma monarquia eletiva] porque qualquer cardeal pode vir a ser Papa. Imagine que é eleito? Não sabemos, só o Espírito Santo!