Há uma característica inegável na rainha Rania da Jordânia: é uma mulher de coragem. Objeto de críticas das linhas mais conservadoras do seu país – entre elas os representantes das tribos beduínas, grande apoio político do seu marido, o rei Abdullah II –, que não lhe perdoam, por exemplo, a sua visão progressista no que diz respeito às condições de vida das mulheres árabes, considerando-a ameaçadora da identidade hashemita, Rania, que fez 50 anos a 31 de agosto, tem-se mantido firme na defesa das suas convicções.
Grande promotora da educação e da independência femininas, a favor das quais criou, em 1995, a Fundação Jordan River, meio privilegiado de acesso ao mercado de trabalho para as jordanas, tem procurado projetar no mundo uma imagem moderna das mulheres árabes, que em tudo choca com o conservadorismo misógino do meio onde se move. E tem-no feito em intervenções públicas, em entrevistas – como a que deu a Oprah Winfrey em 2010 – e através das redes sociais, onde é muito ativa.
A rainha jordana tem mais de 10 milhões de seguidores no Twitter – onde escreve palavras de ordem como: “Se educarmos uma mulher, educamos a sua família. Educar uma rapariga é mudar o futuro” –, 16 milhões no Facebook e seis milhões no Instagram, que usa também para mostrar imagens da família feliz que construiu com o marido e os quatro filhos, o príncipe herdeiro Hussein, de 26 anos, formado em História Internacional, Iman, de 23 (faz 24 este mês), estudante universitária em Washington, Salma, de 19, que também está na universidade e se tornou em janeiro a primeira mulher jordana a concluir a formação como piloto militar na Royal Military Academy de Sandhurst, na Grã-Bretanha, e Hashem, de 15. O próprio percurso das filhas já demonstra, por si só, o que a rainha pensa sobre a educação das mulheres.
Sem medo de defender as suas ideias em público, Rania já afirmou, por exemplo, que o uso de hijab (lenço que cobre a cabeça) deve ser deixado à consideração de cada mulher, em vez de ser uma imposição religiosa, e gosta de sublinhar que há mais mulheres dirigentes de start-ups no mundo árabe do que em Silicon Valley. “Fico sempre fascinada por ver o quanto as mulheres árabes são determinadas. Cada voz que se levanta contra a injustiça enfraquece-a”, afirma.Tem também discursado contra o terrorismo, como fez em Paris, perante chefes de Estado e de governo, depois dos ataques terroristas de 2015 em França, defendendo que “as pessoas, sejam muçulmanas ou de outra religião, têm o direito de se sentir ofendidas, de rejeitar, de condenar, criticar e protestar, mas devem fazê-lo de forma pacífica”. Mais recentemente referiu: “Não se mata uma ideologia com uma bala. Só a podemos matar com uma ideia melhor. Os terroristas prosperam com o desespero e o medo junto de pessoas que acreditam não ter mais opções.”
Posições que fazem todo o sentido se olharmos para a forma como a rainha da Jordânia foi educada. Nascida em 1970 no Koweit, no seio de uma família islâmica da Palestina (os pais, ele médico, fugiram das tropas israelitas quando estas ocuparam Tulkarm, no norte da Cisjordânia, em 1967), Rania, filha do meio de três irmãos, estudou numa escola britânica do Koweit e formou-se em Gestão de Empresas na Universidade Americana do Cairo. Quando, em 1990, o Iraque invadiu o Koweit, durante a Guerra do Golfo, a família voltou a fugir do cenário de guerra e instalou-se na Jordânia. País onde o rei Hussein, pai do atual soberano, conduzia uma política pacifista de boa vizinhança com os instáveis países em redor (a Jordânia faz fronteira com Israel, Síria, Iraque e Arábia Saudita) e fazia por aproximá-lo dos valores democráticos ocidentais – desde 1974 que as mulheres jordanas têm direito ao voto, por exemplo.
Foi neste país de mentalidade relativamente aberta se comparado ao Médio Oriente em geral que Rania, já licenciada, começou a trabalhar, primeiro no departamento de marketing do Citigroup, depois na administração da Apple. Em 1992, num jantar, conheceu Abdullah, que se diz ter ficado rendido à sua personalidade comunicativa e ao seu sentido de humor. Casaram-se a 10 de junho de 1993. E Rania entrou num admirável mundo novo, que lhe exigiu grande capacidade de adaptação – tornou-se rainha aos 28 anos –, mas também lhe proporcionou uma vida de luxo que não desperdiçou.
Foi notório, entre outras coisas, o investimento que fez na imagem ao longo dos anos, desfilando um guarda-roupa que lhe tem valido o título de uma das mulheres mais elegantes do mundo. Paralelamente, foi-se submetendo a intervenções estéticas, que começaram por ser razoavelmente subtis, como uma rinosplastia e uma correção do queixo para afilar os traços, mas que aos 50 anos lhe dão um rosto um pouco artificial. Ainda assim, continua a ser considerada um exemplo de beleza, provando que é possível viver num país muçulmano e ser um ícone de estilo no mundo ocidental.
O problema é que esta imagem por vezes choca com a situação do país, e há que dar aqui algum contexto sócio-político para que melhor se perceba o esforço em que a Jordânia se viu mergulhada progressivamente: com as sucessivas guerras árabes, o país foi recebendo milhares de palestinianos, que se instalaram tanto nas cidades como nas zonas rurais, arriscando ultrapassar em número a população original descendente das tribos beduínas. Além disso, a Guerra do Golfo, a guerra civil na Síria e o surgimento do Estado Islâmico provocaram um afluxo massivo de refugiados sírios e alguns iraquianos. Em consequência, os sistemas de saúde e de educação da Jordânia foram ficando saturados, gerando alguma animosidade contra os refugiados e dando poder à Frente de Ação Islâmica, que ganhou espaço dentro do Parlamento jordano nas legislativas de 2016.
Com Abdullah II empenhado em manter este difícil equilíbrio que é ter um país acolhedor para os imigrantes da região e simultaneamente estável do ponto de vista da política interna, Rania teve de fazer um esforço para moderar as suas posições públicas (não esqueçamos que as suas origens palestinianas não são aqui uma mais-valia) e mostrar-se mais próxima das tradições nacionais, o que foi fazendo progressivamente desde 2011, quando 36 chefes de tribos beduínas assinaram uma petição para que o rei impedisse a mulher de exercer qualquer atividade política, acusando-a de manipular centros de poder para seu próprio benefício e com isso pôr em causa o que consideravam os interesses do Estado. Naturalmente, o estilo de vida da rainha, que avaliavam como financeiramente ostensivo e marcadamente ocidental, e, sobretudo, o seu trabalho a favor dos direitos das mulheres foram os motivos das maiores críticas.
Nos últimos anos, Rania tem reforçado as suas preocupações com a educação e o bem-estar dos jordanos – através de iniciativas que concretizou, como o lançamento da Edraak, uma plataforma que ajuda à formação de adultos nos locais mais remotos do território jordano e que obteve grande sucesso – e tem tentado fugir um pouco aos rótulos de beleza e elegância. Mas não deixou de investir na imagem e até já explicou, com alguma consistência, na sua página do Twitter: “Talvez a roupa seja a minha forma de me expressar criativamente, porque não consigo fazê-lo através dos meus deveres oficiais.”
Não é difícil perceber que a rainha jordana deverá sentir-se numa espécie de “colete de forças” entre o querer e o dever. Recentemente, quando fez um balanço do seu papel ao lado do rei da Jordânia, afirmou que nos 27 anos de casamento enfrentou inúmeros desafios, mas que isso a tornou mais fiel à sua essência e mais corajosa. “Serei sempre intransigente na defesa dos valores humanos”, garante, mostrando que, ainda que possa ser prudente na forma como as manifesta, não pretende sacrificar as suas convicções.