Há um abismo profundíssimo a separar a atual rainha de Espanha da anterior. E esse fosso, que criou mesmo uma espécie de duas cortes dentro do Palácio da Zarzuela, não só parece insanável como poderá ditar o futuro da própria instituição monárquica. Porque enquanto Sofía é, sempre foi e continuará a ser a generosidade e o altruísmo, Letizia é, sempre foi e não deixará de ser a frieza e o egocentrismo. E, no entanto, estas duas mulheres com perfis tão diferentes não deixam de ter algumas facetas em comum: ambas são trabalhadoras, ambas são perfeccionistas e ambas querem, acima de tudo, proteger o futuro dos seus descendentes.
A clivagem entre uma mulher de 82 anos, que é filha de reis, e outra, com 48, que descende de uma família da classe trabalhadora média/baixa é, obviamente, consequência das grandes diferenças de educação que tiveram e das respetivas vivências pessoais, e traduz-se em mentalidades e crenças diametralmente opostas, que são visíveis a olho nu em mil e um pequenos gestos e, sobretudo, nos sorrisos calorosos em que Sofía é pródiga e Letizia avarenta, levando a que a primeira tenha índices enormes de popularidade e a segunda seja cada vez menos apreciada pelos espanhóis.
A filha mais velha dos reis Paulo e Frederica da Grécia foi preparada desde o berço para honrar, em todas as circunstâncias, a sua linhagem, mesmo que para isso tivesse que abdicar de si própria em quase tudo. A filha da enfermeira e sindicalista Paloma Rocasolano e do jornalista Jesús Ortiz foi forjada para ser um espírito livre, com opinião e ideias próprias, e a nunca as calar.
A mulher de Juan Carlos I teve uma educação rígida e soube desde a mais tenra idade que estava talhada para um destino que não escolheria e que passaria por um casamento que conviesse aos seus pais. A mulher de Felipe VI cresceu com grande liberdade e tinha como certo que se casaria por amor. E fê-lo duas vezes, a primeira, aos 26 anos, com um professor da universidade onde estudava, Alonso Guerrero, 10 anos mais velho (e com o qual iniciou a relação quando ainda era menor), e a segunda, aos 32, com o seu príncipe “encantado”.
Aos 24 anos, quando, no dia 14 de maio de 1962, entrou na Catedral de Atenas para trocar alianças com o então príncipe herdeiro do trono de um país que por essa altura era uma república, Sofía não deixava para trás um passado, pois a sua existência pouco mais fora do que preparar-se para um futuro que lhe deveria reservar a dedicação absoluta a uma pátria alheia e a nunca mostrar o seu íntimo.
No dia 22 de maio de 2004, enquanto se dirigia ao altar da Catedral de La Almudena, em Madrid, Letizia abdicava de uma vida que construiu a pulso, com livre-arbítrio, e de uma profissão que amava e da qual retirava grande realização. Mas esta foi uma opção consciente e tomada de mote próprio por uma mulher madura e com muita experiência de vida.
Quando, a 29 de novembro de 1975, se tornou rainha, Sofía estava mais do que consciente de que a partir daí a sua vida pessoal estaria sempre em segundo plano e que o seu papel deveria ser o de mãe simbólica da nação, tendo para com os súbditos uma atitude de proximidade e total dedicação. Isso exigiu-lhe também esconder sempre a miséria que era o seu casamento, engolir desaforos por parte de um homem que não a amava e somava amantes atrás de amantes e manter ao lado dele uma pose digna e um sorriso em todas as circunstâncias.
Desde 19 de junho de 2014, dia em que o seu marido se tornou rei e jurou obedecer à Constituição da Espanha monárquica, Letizia divide-se entre o deslumbramento de ser a mulher oficialmente mais importante de Espanha e a dificuldade em abafar a republicana que há em si, mostrando muitas vezes o desagrado que sente por ter que dar a cara por um regime político do qual passou a fazer parte mas no qual não se revê.
Como mãe, Sofía não deixou de ser exigente, preparando os três filhos para seguirem os seus passos de figura unificadora e pacificadora, mas, porque tinha como exemplo a sua própria educação, fê-lo com a maior das naturalidades. E porque a maternidade foi, sem dúvida, a sua maior recompensa numa vida emocional árida, ao mesmo tempo foi suave e carinhosa com Elena, Cristina e Felipe.
A princesa Leonor e a infanta Sofía transformaram-se também na grande prioridade de Letizia, mas, porque a sua própria educação foi descontraída e informal, sente-se insegura em relação à forma de preparar as filhas para os seus futuros papéis. Isso deixa-a frustrada, porque a impede de transmitir à princesa herdeira e à infanta os valores e princípios de independência e liberdade que considera fundamentais, tornando-a, paradoxalmente, uma mãe controladora e excessivamente exigente, que em todos os momentos públicos tem as filhas debaixo de olho. E os olhares que lhes dirige têm sempre uma mensagem: sejam meninas exemplares.
Enquanto Sofía se esforçou, até ao passado mês de agosto, quando Juan Carlos se autoexilou, por parecer feliz ao lado do marido, Letizia não consegue manter dentro das quatro paredes de sua casa as crises que têm assolado o seu casamento, desafiando e desrespeitando frequentemente o marido aos olhos de terceiros. Da mesma forma que nos primeiros anos de casamento não escondeu o clima de paixão que vivia com Felipe, aos poucos foi evidenciando as tensões que os separam.
Tal como seria de esperar numa mulher na sua posição, a rainha emérita sempre se apresentou impecavelmente arranjada em todas as situações, mas de uma forma discreta, sem ostentações e sem tentar esconder as imperfeições e a idade. Já a sua nora é uma verdadeira escrava da imagem, tendo já feito várias plásticas, mantendo uma dieta espartana para não engordar um quilo que seja e movendo-se com um passo estudado, como quem desfila numa passerelle.
Quando Felipe escolheu casar-se com uma mulher plebeia, ateia, divorciada, republicana e até com simpatias à esquerda, Sofía não terá ficado encantada, mas, por amor ao filho, dispôs-se mais uma vez a aceitar o que a vida lhe impôs. E predispôs-se a guiar a travessia desta nora totalmente impreparada para o papel que a esperava e a transmitir-lhe os seus ensinamentos, adquiridos ao longo de muitos anos de experiência. Letizia até terá tentado aceitar essa mão, mas, senhora do seu nariz, com uma personalidade intransigente e pouco disposta a moldar-se a uma forma que não é a sua, depressa se mostrou desafiadora das regras e imposições alheias.
Ainda princesa, Letizia começou a desconsiderar a sogra, mesmo em situações públicas e institucionais, pois, de certa forma, desvaloriza-a por não compreender como é que se sujeitou às constantes faltas de respeito de Juan Carlos. Isso faz com que se sinta superior a Sofía e se mostre altiva na sua presença.
Exemplarmente educada, Sofía aceitou essa despromoção com o seu proverbial autocontrolo, mesmo quando a mágoa transparece nos seus olhos. E fá-lo até quando a nora é ostensivamente malcriada, como foi o caso do famoso incidente da missa de Domingo de Páscoa de 2018, quando Letizia tentou impedi-la de posar para os fotógrafos agarrada a Leonor e Sofía.
Ao contrário da sogra, Letizia, que mostrou bem a sua personalidade logo no dia do anúncio do noivado, quando provocou algum embaraço ao dizer a Felipe, perante cerca de 340 jornalistas: “Deixa-me falar!” (ao que o príncipe reagiu com um riso forçado), é tudo menos cordata e abnegada e não gosta de ser posta no seu lugar. Por isso, nas frequentes circunstâncias em que desrespeita o protocolo e Felipe, visivelmente incomodado, lhe dá discretos sinais para que mude de atitude, amua e reage com péssimos modos, deitando olhares assassinos ao marido e descarregando a sua fúria nas pessoas que estão à volta, que trata friamente e sem quase olhar para elas.
Com a sua forma de transformar em terra queimada tudo por onde passa, Letizia começa a ser detestada por muitos espanhóis. E odeia que Sofía continue a ser o membro mais popular da família real. Certo é que Sofía representa o passado e Letizia o futuro, mas se. em vez de se moderar, esta continuar a alimentar a hostilidade para com a rainha emérita, arrisca-se a ficar mal no retrato que a imortalizará nas páginas da História de Espanha.