É o fim de uma era. A morte de Isabel II deixa Inglaterra órfã e faz subir ao trono Carlos III, de 73 anos, depois de uma longa espera. Para o novo rei, é uma etapa que terá um sabor amargo, para lá da dor que é perder a mãe: por um lado, vê cumprir-se finalmente um objetivo que pairou no seu horizonte durante toda a vida, mas que esperou 70 anos para ver concretizado. Por outro, sabe que é impossível igualar o carisma e o legado que Isabel II deixa.
Há, no entanto, algo que lhe dá sem dúvida alguma tranquilidade: subirá ao trono tendo por companheira a rainha consorte Camilla, de 75 anos, a mulher que toda a vida amou e aquela que lhe dá paz de espírito e é uma verdadeira companheira nos bons e maus momentos. Será uma travessia exigente, numa época em que as monarquias suscitam críticas e são escrutinadas ao pormenor, agravada pela turbulência familiar desencadeada pela autêntica novela “Megxit”. A dissidência do filho Harry, um pouco ao sabor das vontades da mulher, Meghan, a mudança deste para os Estados Unidos e o facto de não poder testemunhar o crescimento dos netos Archie e Lilibet, como tem feito com os filhos de William e Kate, George, Charlotte e Louis, é certamente motivo de tristeza, como o são as críticas que tem ouvido da parte do casal. Mas tem o contrapeso, forte e positivo, de poder contar com William e Kate, que se têm mostrado totalmente disponíveis para cumprir o seu papel e dar todo o seu apoio à Casa Real enquanto instituição. E beneficiam de uma enorme popularidade, o que ajudará o novo rei a fazer o seu caminho.
Nascido a 14 de novembro de 1948 em Londres, Charles Philip Arthur George tinha três anos quando viu a mãe subir ao trono. Recebeu o título de príncipe de Gales em 1958, embora só em 1969 tenha recebido a sua investidura. Depois de uma educação austera que incluiu uma pouco apreciada temporada num colégio interno, tornou-se o primeiro membro da família real britânica a terminar um bacharelato, que fez em Cambridge, nas áreas de Antropologia, Arqueologia e História. Prosseguiu depois uma carreira militar, tendo sido piloto de helicópteros e caças.
Tinha 32 anos quando, a 24 de fevereiro de 1981, foi anunciado o seu noivado com Diana Spencer, filha do conde de Spencer, então educadora de infância. Como se sabe, os dois não protagonizariam o conto de fadas que a ingénua jovem de 19 anos chegou a imaginar. Quando se casaram, no dia 29 de julho do ano seguinte, já aquela que ficaria conhecida como a princesa do povo desconfiava que não correspondia aos desejos do noivo, incentivado pela família e pelas convenções a levar por diante uma união que cumpria o que se esperava do futuro rei, em vez da vontade de um jovem que via em Camilla, sua amiga de juventude e uma mulher pragmática, realista, voluntariosa e sem medo de chocar os mais conservadores, o seu ideal romântico.
O casamento, celebrado com uma cerimónia grandiosa na Catedral de St. Paul, em Londres, que o mundo seguiu em direto pela televisão, produziu dois filhos, William, nascido a 21 de junho de 1982, e Harry, a 15 de setembro de 1984, mas acabaria por terminar ao fim de 15 anos, de forma pouco elegante: com Diana a dar uma entrevista televisiva na qual acusava o marido de manter uma longa relação extraconjugal com Camilla Parker Bowles, casada e mãe de dois filhos, e assumindo que ela própria também tivera um caso com o major James Hewitt, professor de equitação dos filhos, durante o casamento, chocando a família real. O divórcio, inevitável depois disto, foi formalizado a 28 de agosto de 1996 e minou a imagem de Carlos durante largos anos, assim como a de Camilla, que foi sempre vista como “a outra” e a responsável pela infelicidade da adorada Diana. A morte da princesa do povo, em agosto de 1997, solidificou esta ideia, e foram precisos muitos anos para a própria monarquia recuperar do impacto da tragédia.
Foi a 9 de abril de 2005 que Carlos se casou finalmente com Camilla, que estava divorciada do marido, o oficial do exército britânico Andrew Parker Bowles, desde 1995 e se mudara para Clarence House em 2003. Uma união que a opinião pública acabaria por aceitar e que nos últimos anos até acarinhou, depois de Camilla ter feito um longo e penoso caminho de conquista de respeito, deixando para trás o epíteto de mulher mais odiada de Inglaterra.
Hoje, o Reino Unido parece disponível para a aceitar como rainha consorte, um apoio forte e necessário para Carlos III, que sobe ao trono com o peso de um legado inatingível. Mas a longa experiência que teve enquanto príncipe e observador privilegiado do trabalho da mãe, assim como estes últimos anos de imensa atividade como substituto da rainha, dão-lhe um fôlego de que irá necessitar. Para já, para desempenhar o exigente papel que lhe reservam as cerimónias fúnebres de Isabel II.