Foi em abril dste ano que o rei Felipe VI de Espanha tornou público o valor do seu património pessoal, dois milhões e meio de euros em obras de arte, antiguidades, joias e contas bancárias. A revelação veio na sequência da promessa que fez há oito anos, quanto tomou posse: a de fazer da monarquia uma instituição totalmente transparente no que toca a contas, acabando de vez com as suspeitas de benefícios indevidos ou não declarados, fundos de origem duvidosa e pouco patrióticos investimentos fora do país. Uma necessidade gerada pela imagem que o seu pai, o agora rei emérito Juan Carlos, de 84 anos, criou junto da opinião pública depois de anos de especulações sobre a origem opaca de uma fortuna que lhe permitia levar uma vida luxuosa.
Quando abdicou, em 2014, Juan Carlos abriu caminho para uma investigação judicial que o tornava suspeito de corrupção e evasão fiscal em três crimes: o de ter arrecadado 65 milhões de euros em supostas comissões para a construção do comboio de alta velocidade Medina-Meca, o de não ter declarado várias doações e ainda o de ter escondido fundos em paraísos fiscais. A polémica, como se sabe, levou-o a exilar-se em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, em 2020, ano em que Felipe decidiu renunciar à herança do seu pai e prescindir de uma mesada anual de cerca de 200 mil euros. Mesmo assim, em abril tinha no banco 2,2 milhões que correspondem a 25 anos de salários, primeiro como príncipe das Astúrias, e desde 2014 como rei, 4.275.796,94 de euros brutos a que foram deduzidos os devidos impostos. O resto, pouco mais de 300 mil euros, é o valor correpondente às antiguidades, obras de arte e joias de que dispõe a nível pessoal e com os quais perfaz a quantia de dois milhões e meio. De notar que, ao contrário do que se passa com muitas outras casas reais europeias, Felipe, de 54 anos, e Letizia, de 49, não possuem propriedades privadas em Espanha nem fora do país. Usufruem, isso sim, do património da coroa que pertence ao Estado, como é o caso da sua casa, o Pavilhão do Príncipe, em Madrid, ou do Palácio de Marivent, em Palma de Maiorca, onde passam férias. Porque Letizia vendeu logo em 2007, três anos depois de se ter casado com Felipe, o seu apartamento de solteira, situado em Madrid, por cerca de 230.000 euros, como foi noticiado em Espanha na época. E desde então nenhum deles adquiriu qualquer imóvel.
Na sequência desta declaração pública de valor patrimonial, no passado mês de junho foi assinado um protocolo entre a coroa espanhola e o Tribunal de Contas segundo o qual as contas da monarquia espanhola passarão a ser auditadas anualmente a partir de 2023, o que obriga os reis a tornarem públicos todos os seus contratos, orçamentos e até doações. O objetivo, diz o comunicado da casa real, é “reforçar ainda mais os princípios da transparência, prestação e publicação de contas, em linha com o compromisso da coroa com a sociedade de observar uma conduta íntegra, honesta e transparente”. Um passo decisivo e inédito em Espanha com o qual Felipe e Letizia – acreditamos que o pragmatismo da antiga jornalista a tenha levado a incentivar o marido a seguir este caminho que não permite atalhos contabilísticos – esperam conseguir afastar de vez a imagem perdulária da monarquia. Até porque a investigação a Juan Carlos acabou arquivada em março deste ano, não por prova de inocência, mas porque parte dos crimes prescreveram e outros, afinal, não podem ser investigados dado que remontam à época em que, enquanto rei, beneficiava de imunidade.
Refira-se que o ordenado do rei é de cerca de 253 mil euros anuais brutos e Letizia recebe uma remuneração anual de cerca de 140 mil euros. A rainha Sofía tem direito a um salário de 117 mil euros por ano, mas Juan Carlos deixou de receber estes benefícios da família real por decisão do filho.
As joias de Letizia
Da parte da rainha, é notório o esforço que tem feito nos últimos anos para não se mostrar despesista, repetindo várias vezes o guarda-roupa e aparentando um estilo de vida contido que transmite às filhas, a princesa Leonor, de 16 anos, e a infanta Sofía, de 15. E note-se que, por exemplo, boa parte das joias que usa habitualmente não são dela mas da coroa, ou seja, património público do qual usufrui. É o caso das famosas “joias de passar”, constituídas por um diadema de brilhantes com três flores de lis, um colar de chatones, um colar com 37 pérolas, um broche de brilhantes com a famosa pérola em forma de pera chamada La Peregrina, um par de brincos com brilhantes, duas pulseiras de brilhantes e um outro broche com uma pérola rodeada de brilhantes, conjunto que por si só ultrapassaria os 300 mil euros em peças que os reis declararam. E algumas tiaras que Letizia usa são, na verdade, da rainha emérita, Sofía.
Um rei “pobrezinho”
Apesar dos dois milhões e meio, note-se que Felipe VI é, no contexto da monarquia europeia, um rei “pobrezinho”: se a rainha de Inglaterra, Isabel II, tinha, quando morreu e segundo a lista de pessoas mais ricas do Reino Unido do Sunday Times, uma fortuna avaliada em cerca de 437 milhões de euros além de património imobiliário e está apenas em quarto lugar entre as fortunas das monarquias europeias – o mais rico é o príncipe Hans-Adam II do Liechtentein, seguido do grão-duque do Luxemburgo e do príncipe Alberto do Mónaco –, há que referir que o ranking prossegue com os reis dos Países Baixos, depois a Suécia, a Dinamarca e a Noruega, antes de vir Espanha, só acima da fortuna da monarquia belga. Mas não se trata só dos valores em casa, e sim, sobretudo, da imagem perante a opinião pública, a verdadeira preocupação de Felipa e Letizia.