E se o duque de Windsor não tivesse sido o homem que se pensava ter sido? E se a imagem de “playboy” se tivesse sobreposto a um subestimado sentido do dever? E se o homem que abdicou antes mesmo de ser coroado tivesse, de facto, moldado a moderna monarquia britânica? À luz de documentos extraordinários que a própria descobriu, a arquivista americana Jane Marguerite Tippett levanta estas questões em Once a King, the Lost Memoir of Edward VIII, publicado no Reino Unido a 26 de outubro pela Hodder & Stoughton.
No início de 2022, Tippett descobriu que a biblioteca da Universidade de Boston guardava os arquivos pessoais de Charles J. V. Murphy, o jornalista e autor com quem o duque e a duquesa de Windsor tinham escrito as memórias Story of a King (as do antigo rei, em 1951) e The Heart Has Its Reasons (as de Simpson, em 1956). E por incrível que pareça, a arquivista foi a primeira a pedir para consultar estes documentos.
“Quando me vi diante de todas aquelas caixas de arquivos senti-me um pouco assoberbada”, admite. Iniciou um longo processo de inventariação, descobrindo centenas de páginas de transcrições de entrevistas, cartas, notas e pensamentos lançados em pedaços de papel, bem como os rascunhos do que viriam a ser estas novas memórias de Eduardo VIII. Na realidade, são os primeiros rascunhos, não filtrados, que o antigo rei sabia que teriam de ser revistos antes da publicação, e nos quais se entrega a confidências, fala das suas relações com a família e dá a sua opinião – muitas vezes incisiva – sobre os seus contemporâneos, do rei Victor-Emmanuel III de Itália ao imperador Hirohito do Japão.
“Murphy fez um trabalho extraordinário. Não só guardou todos estes arquivos e fases do seu trabalho, como, através das cartas que escreveu aos amigos, ou das maravilhosas descrições muito íntimas do casal nos seus diários, descobrimos elementos que acrescentam um sabor e uma dimensão extra”, explica Jane Tippett. O homem a quem os Windsor chamavam “Charlie” andou sempre com o casal, testemunhando a sua vida quotidiana, tão socialmente ativa quanto caótica. E nos textos agora encontrados relata pequenos pormenores como as constipações da duquesa, que paralizavam toda a casa, ou os gestos elegantes com que o duque enchia o seu cachimbo com tabaco Dunhill especialmente trazido de Londres.
Posteriormente, Jane foi até aos Arquivos Reais, em Windsor, no Reino Unido, para se certificar de que estas eram, de facto, palavras de Eduardo, e não do biógrafo. Depois de pedir acesso aos documentos relativos à redação de A King’s Tale, descobriu as mesmas palavras usadas por Murphy, só que escritas à mão pelo próprio duque, a lápis, em grandes folhas de bloco de notas amarelo. A prova de que ele era de facto o autor, sem qualquer censura.
“Com este livro, gostaria de ir para além das caricaturas em que os Windsor se tornaram na cultura pop, e dar um novo olhar sobre as suas personalidades”, diz a autora de Once a King, the Lost Memoir of Edward VIII. É uma tarefa difícil, uma vez que considera que a série The Crown crucificou a imagem do polémico casal. “Ao não fazer mais perguntas além do que se eram extravagantes, egoístas ou se colaboraram com a Alemanha nazi, perdemos uma perspetiva vital sobre o lugar de Eduardo na história da monarquia britânica.”
Jane Tippett cita em particular o caráter pioneiro do ex-monarca: “Ele queria ser rei, mas nos seus próprios termos: via-o como um trabalho e sentia que podia levar a sua vida privada como bem entendesse. Desta forma, abriu caminho para Carlos, William e Harry, porque é assim que a realeza moderna vive atualmente. O percurso de Eduardo permitiu-lhes seguir as suas inclinações pessoais, divorciar-se, casar com uma americana, proteger a sua privacidade… Tudo isso faz parte do legado de Eduardo.”
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