Era uma vez, há 40 quilos… Assim começa esta história de
Carminha, 22 anos, filha do médico
José Maria Tallon, de 49. Nessa altura, a estudante de Ciências Farmacêuticas sofria em silêncio, pois não queria partilhar com ninguém a tristeza que sentia por ser gorda. Fora de portas sorria como se não se sentisse mal na hora de ir às compras ou de vestir um biquíni. Durante anos tentou convencer-se que o aspecto físico não era relevante e que o mais importante era o interior. Resistiu muitas vezes à balança e virou as costas ao espelho. Chegou a pesar 109 quilos para 1,72m de altura. Chocolates, bolachas e bolos faziam parte da sua ementa diária, a isto acrescia ainda o facto de Carminha repetir a dose, fosse ao almoço ou ao jantar. Já não fazia intervalos entre refeições. Agravavam-se as dores de costas e a auto-estima foi baixando vertiginosamente.Era urgente emagrecer, mas Carminha não tinha noção disso. Foi-se enganando, e só há um ano, quando mal foi capaz de subir até ao 12.º andar do prédio onde vive com o pai num dia em que o elevador estava avariado, é que se capacitou que a obesidade é uma doença. Uma doença que precisava de ser tratada, o que implicava muito mais do que cortar em alguns alimentos.
Foi assim que, no final de Fevereiro do ano passado, Carminha entrou no consultório do pai, cabisbaixa mas com muita força de vontade para iniciar o tratamento de emagrecimento. O resultado está à vista…
– Parece uma ironia do destino a sua própria filha ter chegado aos 109 quilos, quando é a si que grande parte dos obesos recorre para se tratar…
José Maria Tallon – Tive a paciência suficiente para esperar que fosse ela a decidir. Olhava para ela e via-a destruir-se física e psiquicamente, o que me provocava um certo mal-estar, mas não o suficiente para a obrigar a fazer o que quer que fosse. De vez em quando desafiava-a a comprar roupa, mas ela inventava sempre uma desculpa. Quando eu e a Sofia íamos sair, convidávamo-la, e ela não queria ir, e muito menos quando era para aparecer nas revistas. Tinha uma desculpa para tudo. Todavia, eu não sabia como é que havia de abordar o assunto, porque as pessoas que vão à consulta fazem-no porque decidiram ir, eu não as interpelo na rua para as convencer a emagrecer.
Carminha – Acho que foi bom o meu pai nunca me ter pressionado e até me irritava um bocadinho com as pessoas que por vezes comentavam o facto de eu ser gorda sendo filha dele. Toda a vida soube o que era uma alimentação equilibrada e o que fazia mal e bem à saúde, mas não foi por isso que deixei de comer cinco ou seis chocolates por dia.
– Como é que chegou aos 109 quilos?
José Maria – A primeira vez que a Carminha tomou as minhas cápsulas para perder peso tinha 13 anos e, aliás, foi isso que lhe salvou a vida, pois ao emagrecer a papada deixou de mascarar o tumor que tinha, que era um problema de tiróide ao qual teve de ser operada por um médico do Instituto Português de Oncologia. E se a sua tendência para engordar já era alguma, a partir daí agravou-se. Depois, aos 16 anos, voltou a fazer dieta, mas não levou o assunto muito a sério. Com a entrada na faculdade tudo piorou. Como tinha de estudar muito à noite, passou a beber muitos cafés, a comer descontroladamente…
– Teve noção de que estava a engordar de dia para dia?
Carminha – Tentei, durante muito tempo, convencer-me que me sentia bem comigo. Comecei por engordar um quilo ou dois, depois, quando engordei dez, achei que pior não podia ficar e deixei de prestar atenção ao que comia. O aumento de peso foi progressivo e já nem me pesava. Até que comecei a ter dificuldade em encontrar nas lojas roupa que me servisse.
– Quando olhava para o espelho, o que via?
– O problema é que deixei de olhar para o espelho, pois houve situações em que deixei de sair de casa por causa disso. Ficava muito deprimida, tinha, inclusivamente, vergonha de sair com as minhas amigas. No Verão, inventava desculpas para não ir à praia, só para ninguém me ver de fato-de-banho.
– Nessa altura olhava para a obesidade como uma doença?
José Maria – Ela dizia que não se importava de ser gorda, que as pessoas tinham de gostar dela pelo seu interior e não pelo exterior.
Carminha – Arrependo-me de ter deixado andar, de me ter desleixado. Agora que posso falar da minha experiência, aconselho a todas as pessoas que são gordas que não adiem a questão. Tenho sorte de emagrecer com facilidade, mas teria sido mais fácil perder apenas dez ou 15 quilos do que 40.
– Às vezes as pessoas precisam de apanhar um susto para tomarem grandes decisões no que toca à saúde…
José Maria – E com ela aconteceu o mesmo. Fomos os dois dar um passeio e, quando chegámos a casa, deparámo-nos com o elevador avariado, e tivemos de subir a pé até ao 12.º andar. Quando chegámos a meio das escadas ela já estava com dificuldade em aguentar, mas continuou, e ao chegar a casa fez uma arritmia cardíaca e assustou-se. Naquele dia disse-me que queria emagrecer…
Carminha – E o meu pai não acreditou. Achou que eu estava a dizer aquilo da boca para fora. Mas convenci-o de que me tinha fartado mesmo e que ia fazer dieta a sério.
José Maria – Confesso que no início achei que ela estava a brincar e perguntei-lhe se queria fazer dieta como das outras vezes. Ela respondeu que desta vez queria mesmo levar a sério o programa de emagrecimento. Disse-lhe que então no dia seguinte seria a minha primeira paciente.
Carminha – Resolvi engolir o meu orgulho e pedir ajuda ao meu pai, porque eu já tinha tentado algumas dietas sozinha. E os comprimidos têm-me ajudado imenso neste processo, pois alguns tiram a fome e eu comia durante todo o dia.
– Foi preciso coragem para começar?
– O difícil foi tomar a decisão de emagrecer e começar. Confesso que a primeira semana é dura, mas depois os hábitos alimentares mudam e o organismo passa a habituar-se a menor quantidade de comida.
– Portanto, cumpriu à risca as novas regras…
José Maria – Desde o primeiro dia. Eram 10h da manhã e lá estava ela à porta do meu consultório. Não se quis pesar e, quando o fez, nem queria acreditar. Disse-me que a balança estava avariada. [risos] Quando a convenci de que aquele peso era verdadeiro, acabou por aceitar e empenhou-se para perder peso.
– Como se sente agora?
Carminha – Mais segura e a minha auto-estima agora é tão grande que ainda me dá mais força para continuar. Quando se engorda muito e se tem a auto-estima em baixo, também deixa de haver vontade de emagrecer.
José Maria – Estar a dar esta entrevista e a fazer estas fotos é a prova de que agora há uma Carminha diferente, mais feliz, de bem com a vida. Ela voltou a gostar de si própria. Há cinco quilos passou a sentir-se segura e até voltou a gostar de ir às compras. Havia uma Carminha escondida há muitos anos. Ela, que sempre foi muito extrovertida, nos últimos tempos não falava. Tinha a cara deformada, uns olhos tristes, e o problema não era só estético, era também de saúde.
– E aquela velha máxima de que os gordos são felizes?
– Acredito que o gordo sente a obrigação de mostrar uma simpatia e uma boa disposição diferentes para mascarar a tristeza, mas em privado chora.
Carminha – Dizem que são mais felizes porque têm de se convencer disso. Eu nunca exteriorizei que estava triste.
– Era assim que a Carminha se sentia?
José Maria – Não tenho dúvidas que durante anos a Carminha limitou a sua vida, as suas saídas, as suas escolhas pelo peso que tinha. Anos que são irrecuperáveis. Entre os 19 e 22. Ainda bem que ela decidiu a tempo.
– E agora, já se sente bem no seu corpo?
Carminha – Ainda preciso de emagrecer mais uns cinco quilos. Quando me vejo nas fotos, ainda me acho gordinha. E tenho alguma gordura localizada.
– Já se submeteu a alguma cirurgia?
José Maria – Não, mas, muito provavelmente, no final precisará.
– Devia ser-lhe difícil estabelecer uma relação afectiva com alguém uma vez que, quando não estamos bem connosco, também não estamos com os outros…
Carminha – Sim, era difícil, porque quando alguém olhava para mim, eu achava logo que me estava a criticar ou a gozar-me por ser gorda. Na verdade, evitava mesmo fazer novos conhecimentos.
– Quer deixar alguma mensagem às pessoas que vão ler esta entrevista?
– Quem sofre de obesidade tem de se capacitar que é uma doença e procurar um médico. Sinto-me tão bem neste momento que aconselho toda a gente a fazer o que fiz.
Carminha, a filha mais velha de José Maria Tallon, perdeu 40 quilos
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