Foi durante um fim-de-semana no Monte Velho, na Carrapateira, a convite da CARAS, que os dois falaram sobre o forte sentido de família que têm, mas também sobre o livro Cromossoma do Amor, escrito por Inês Barros Baptista e que implicou a dedicação e contributo de todos.
– Participaram num livro sobre a diferença, neste caso concreto, sobre a vossa família.
Bibá Pitta – É um projecto que já está concluído e que será apresentado muito em breve. Fala sobre o impacto que o nascimento de uma criança diferente pode trazer a uma família. E depois fala também da vida da Madalena [que tem trissomia 21] e de como esta experiência nos enriqueceu. É um livro muito real, sem floreados, muito simples, que relata a minha visão e a do Fernando sobre a nossa filha. É uma história que quisemos partilhar, até porque há imensas famílias como nós.
– Sentem que de certa forma contribuem para a desmistificação da doença?
– Sou uma mãe que ama incondicionalmente os seus filhos e a Madalena não está à parte disso. Desde que ela nasceu que é uma filha igual às outras.
Fernando – Julgo que uma pessoa conhecida como a Bibá, ao mostrar sem preconceitos que temos uma filha assim, tira a vergonha a muitas pessoas que pensam que se ela teve coragem, também eles poderão ter.
Bibá – Como figura pública, jamais esconderia a Madalena. Penso nos meus filhos num todo… Quero lá saber se a Madalena tem trissomia 21 ou não. O que é preciso é que, quando acontece alguma coisa, haja uma união familiar. Para esconder a minha filha, teria de me esconder a mim primeiro, porque ela é minha. Desde que ela nasceu e assim que a colocaram no meu colo, poderiam ter vindo mil Madalenas sem trissomia 21 que era a minha que eu queria.
– Percebe-se facilmente que tratam os vossos filhos de igual modo. Há ou alguma vez houve ciúmes entre eles?
– Nunca. Todos foram incumbidos desde pequenos a tomar conta do irmão. Não têm ciúmes porque nunca deixaram de ter carinho e atenção. Esse é um papel fundamental dos pais, não deixar que um bebé em casa tire a atenção dos outros filhos.
– Sentem que a doença da Madalena poderá, de alguma forma, condicionar o futuro dos vossos outros filhos?
– Nem pensar. Aquilo que tentamos, sem castrar os nossos filhos ou obrigar, é ensinar-lhes que precisam todos uns dos outros. A Madalena precisa tanto deles como eles precisam dela. Quando eu já cá não estiver, não estou mesmo. Não vivo a pensar nas preocupações.
– Também isso advém do sentido de família que incutiram às crianças… – Exactamente. Se calhar, se esse sentido de família não existisse, seria um peso para eles. Sendo assim, não, até porque os mais velhos já têm uma opinião formada sobre esse assunto.
Fernando – Actualmente eles já têm um comportamento diferente do das outras crianças. Não estão condicionados por existir uma Madalena, mas têm preocupações que outras crianças não têm. Faz parte do dia-a-dia deles e é a nossa família.
– O Tomás e a Maria estão na fase da adolescência. Alguma vez sentiram receio ou dúvidas sobre se fizeram um bom trabalho a formá-los?
Bibá – Não sei quais serão as escolhas deles na vida e nem me atrevo a falar sobre isso, mas sinto que os educámos e preparámos para que possam fazer boas opções. Eles já começam a sair com os amigos…
– Sei que na vossa casa há regras que têm de ser cumpridas. – Usamos muitas vezes a palavra ‘não’ e nenhum dos dois tem medo de o fazer. E eles sabem que quando assim é, não há volta a dar. Temos sempre a casa cheia de amigos deles e as portas estão sempre abertas, porque prefiro que eles estejam em casa sob a minha alçada do que noutro local. Não quer dizer que eles não saiam, mas fazem-no sempre com conta, peso e medida. Eles sabem que têm de cumprir com as obrigações estipuladas e que a escola tem de correr bem. Não é que sejam compensados, mas assim também não serão penalizados. Acho que uma boa educação tem de ter muitas vezes a palavra não.
Fernando – Eles sabem que nós somos severos em relação a saídas e que não fazem o que querem, e isso também faz com que eles já nem peçam para sair as vezes que gostariam. Têm muito tempo para isso.
– Vocês têm muito o hábito de fazer programas como este, em família…
Bibá – É verdade. Durante a semana temos sempre a vida muito ocupada e tirando a hora do jantar, que é sagrada, onde tentamos estar sempre juntos, é difícil termos momentos juntos. Por isso, aproveitamos os fins-de-semana, como aconteceu com este convite. Achamos muita graça a estarmos juntos e até a Maria e o Tomás perguntam muitas vezes quando vamos viajar os sete. É engraçado, porque nestas idades muitas vezes os adolescentes querem é estar com os amigos, e eles não. Mal souberam da possibilidade deste fim-de-semana, disseram logo que também queriam vir. [risos]
– Eles ‘absorveram’ realmente o sentido de família…
– Acho que sim. E isto também é a prova de que ter pais presentes e que viveram em função deles compensa. Não é que seja uma moeda de troca, mas não há dinheiro nem trabalho que pague a felicidade de estarmos juntos.
Fernando – E isso também depende da forma como fomos criados, porque tanto eu como a Bibá sempre andámos muito com os nossos pais, o que acontece ainda hoje. A maneira como fomos educados também se reflecte na maneira como educamos.
– Embora também tenham tempo para os dois…
Bibá – Nós estamos sempre os dois. É óptimo termos fins-de-semana ou até férias a dois, mas não é fundamental. Primeiro estão eles, depois estamos os dois, quando podemos.
Fernando – Todos as semanas jantamos fora os dois e às vezes precisamos de não ter crianças à volta a puxar-nos pelo casaco. [risos]
– Qual é o segredo para, tendo uma família tão grande, conseguirem não se anular enquanto casal?
Bibá – Gostamos muito de estar um com o outro. Tudo se constrói. No início é tudo mais intenso e depois, quando se casa, passa-se a viver em função de e para a vida toda. Acho que o nosso segredo, se é que isso existe, é o respeito. Somos pessoas totalmente diferentes e nunca nos quisemos mudar. Costumo dizer que ele me traz à terra e eu elevo-o ao céu. [risos]
Fernando – Tentamos respeitar os gostos um do outro e fazer cedências.