A vida de
Alexandra Borges, de 40 anos, divide-se entre dois mundos. Num desses mundos estão os filhos, os gémeos
Vicente e
Tomás, de seis anos, e o marido,
Luís Almeida, de 46. No outro, existe o jornalismo e as crianças escravas no Lago Volta, no Gana. E Alexandra não consegue abdicar de nenhum deles. Entre as viagens de trabalho e a intenção de se dedicar aos filhos, a jornalista tem encontrado o equilíbrio e a felicidade. Ao longo dos últimos dois anos, Alexandra partilhou com os portugueses a realidade no Gana e promoveu várias acções de solidariedade para angariar fundos e resgatar crianças.
Ao seu lado nesta que diz ser a missão da sua vida, a jornalista tem tido o apoio incondicional do marido, economista, o seu "
braço direito e esquerdo", como diz. Foi durante um fim-de-semana na Amieira, Alentejo, em que se dedicou em exclusivo ao marido e aos filhos, que Alexandra partilhou com a CARAS como tem vivido entre a dureza do Gana e o carinho de uma família feliz.
– Recentemente, descobriu que gosta da vida no mar…
Alexandra Borges – Nós já vimos para cá há algum tempo e costumo dizer que dois dias aqui correspondem a um mês e meio de férias. É muito relaxante ter este contacto com a Natureza, dormir ao som dos grilos, acordar de manhã e ir comprar pão ainda a sair do forno.
– E toda a família gosta…
– Sim, os meus filhos adoram. Quando tivemos de voltar para casa, depois da primeira vez que cá viemos, os meus filhos só diziam: "Ó mãe, vamos pedir aos avós para nos darem muitas notas para podermos vir para aqui muitas vezes!", aqui somos mesmo uma família, temos de funcionar em conjunto. E é óptimo poder passar este tempo de qualidade com eles, longe de televisões e telemóveis, e vivermos uns para os outros, com os nossos defeitos e virtudes. O melhor que posso dar aos meus filhos é comer mundo, como eles dizem.
– A Alexandra acabou de regressar de uma outra viagem ao Gana. Como consegue conciliar o jornalismo com o papel de mãe?
– Consigo com a ajuda do meu marido, sem dúvida. O Luís é o meu braço direito e esquerdo. E temos a sorte de agora ele estar a trabalhar em casa e poder acompanhar os miúdos. Há pouco tempo, os meus filhos disseram-me que a mãe gosta mais do jornalismo do que da família. É complicado ouvir os nossos filhos dizerem isto. Mas eu respondi-lhes que esperava que um dia eles gostassem tanto de fazer alguma coisa e que fossem tão felizes como a mãe é. Neste momento, ainda lhes faço muita falta, mas o pai consegue explicar-lhes o que é que a mãe está a fazer, indo à internet e mostrando-lhes onde é o Gana e o que eu estou a fazer.
– Nunca se culpabiliza por estas ausências?
– Não me culpabilizo e tenho a consciência tranquila. É importante eu ser uma pessoa feliz para poder fazer os meus filhos igualmente felizes. Não é egoísmo. A mãe é insubstituível e eu também não quero que ninguém me substitua. E acho que eles um dia vão olhar para trás e ver que nos momentos em que a mãe faltou estava a fazer aquilo que era importante. Eu explico-lhes que não os estou a trocar e que não estou a viajar de férias.
– Então o Luís é essencial para manter o equilíbrio familiar…
– O meu marido é um grande companheiro nesta viagem que é a nossa vida, um excelente pai e acompanha-me muito. A minha felicidade é ver que somos felizes. Os meus filhos costumam dizer: "Ó mãe, não troco esta família por outra!" O que mais me agrada é ver que os nossos filhos olham para os pais como exemplos.
– Depois de dois anos, voltou ao Gana. Como foi esse regresso?
– Eu queria ter ido mais cedo, porque dois anos é muito tempo.Desta vez já sabia ao que ia e, sinceramente, não encontrámos nada assim muito diferente. O que mudou realmente foi a vida daqueles meninos que salvámos. E ver a evolução deles é extraordinário. Adquiriram brilho no olhar, brincam, são crianças, vão à escola… Mas fico sempre com a sensação de missão não cumprida, porque ainda há tanto para fazer… E isso dói. Levei dinheiro, sei que vamos conseguir manter mais crianças livres, mas ainda falta muito. Não há missões cumpridas, apenas algumas pequenas batalhas ganhas.
– Neste cenário que apela muito ao coração, é difícil separar a Alexandra jornalista do seu papel de mãe e de mulher?
– Misturam-se muito, porque olho para aquelas crianças e vejo que não tiveram as oportunidades que os meus filhos tiveram. Mas sei que estou lá para retratar aquela realidade e, se não conseguir fazer isso, também não estou a ajudar aqueles miúdos. No terreno, sou muito jornalista. Mas também choro, muitas vezes às escondidas.
– Pode dizer-se que é a reportagem da sua vida?
– É uma reportagem que marcou a minha vida e vou estar ligada a esta realidade para sempre, porque não me vou conseguir desligar de tudo o que vi. Eu tenho a obrigação de denunciar. Quando eu perguntei a um dos miúdos quem é que se preocupava com ele, fez um silêncio e respondeu: ‘Deus preocupa-se comigo.’ Foi um soco no estômago.