Francisco Pacheco, de 46 anos, assume-se como alguém que gosta da diferença e que tem uma personalidade algo excêntrica. Por seu lado,
Catarina Trindade, de 45, diz ser uma mulher muito discreta e conservadora. O decorador, natural de Almeirim, e a engenheira alimentar, nascida em Alcobaça, parecem ser o oposto um do outro, mas isso não foi impedimento para construírem um casamento feliz com mais de 20 anos e do qual nasceram três filhos,
Maria, de 19 anos, que está a estudar Arquitectura,
Francisco, de 16, que está a tirar o curso de técnico de Gestão Equina, e
Madalena, de oito anos. Apesar de ter nas viagens a sua maior paixão, Francisco quis que os filhos fossem criados em Almeirim. Não obstante o seu gosto pelos ambientes cosmopolitas, o decorador encontrou fora dos grandes centros urbanos a tranquilidade que lhe permitiu construir uma carreira de sucesso. Essa aposta na profissão teve custos familiares, suportados por Catarina, que teve de ser uma mãe ainda mais presente, já que Francisco passava muito tempo fora durante a infância dos filhos mais velhos.
Francisco e Catarina partilharam com a CARAS a sua história de vida, que demonstra como as diferenças e dificuldades reforçaram ainda mais esta união de sucesso.
– Como é que descobriu a decoração?
Francisco Pacheco – Por influência familiar, já que havia um antiquário na família. Sempre gostei imenso de decoração e de antiguidades. Depois de tirar o curso de técnico agrícola, aos 23 anos decidi enveredar por esta via.
– Então, só descobriu o interesse pela decoração já tarde…
– Não. Sempre soube o que queria ser. Tirei um curso agrícola quase por imposição familiar. E cheguei à conclusão que não era minimamente aquilo que queria.
– Como é que a sua família lidou com essa sua decisão?
– Para o meu pai, foi complicado. Mas como tinha um sócio no antiquário, que era o meu padrinho, que sempre me deu muito apoio, foi mais fácil. E, de alguma maneira, o meu pai também queria que eu desse continuidade ao negócio das antiguidades. E como sempre gostei dessa parte, foi mais fácil. Mas tenho pena que o meu pai nunca tenha aceitado muito bem a minha opção. Sempre gostei de marcar pela diferença, porque sou mesmo assim. Não posso ser aquilo que não sou. Mas também sou ribatejano de corpo e alma e não conseguia viver num grande centro urbano, pelo menos em Portugal.
– E como foi lançar-se neste negócio? Teve medo de não conseguir?
– Não, de maneira nenhuma. Nunca fui uma pessoa de medos. Sempre fui bastante determinado. E há alturas na vida em que temos mesmo de optar por aquilo que queremos. Comecei por desenhar peças, depois fui sendo solicitado nesse sentido, e tudo foi evoluindo.
– Em termos profissionais, não teria sido mais fácil para si ficar em Lisboa, onde viveu enquanto estudava?
– O antiquário estava aqui, os meus pais eram daqui, a minha mulher, que trabalhava no ramo da saúde, tinha sido colocada em Santarém, e aí juntámos as coisas e percebemos que o melhor era vir para cá. E estamos muito perto de Lisboa, a apenas 45 minutos. E eu saturei-me da capital. E penso que as pessoas, quando querem boas peças de decoração, também se metem num carro e vêm cá. Não há necessidade de estarmos integrados num meio urbano. E em Lisboa não posso oferecer a qualidade/preço que agora posso oferecer às pessoas.
– O que é que mais aprecia no facto de viver num meio pequeno?
– De certa forma, a tranquilidade, apesar de não ter uma vida nada tranquila. Viajo muito e não estou sempre cá. E, normalmente, os trabalhos que tenho não são aqui.
– E aqui também pode proporcionar outra qualidade de vida aos seus filhos…
– Sim, sem dúvida. Eles cresceram neste meio de província e aqui podemos controlá-los melhor.
– Sente que perdeu um bocadinho do crescimento dos seus filhos por viajar tanto?
– Sim. Houve uma altura da minha vida em que fui um pai ausente. Estava muito tempo fora e, quando estava cá, estava sempre a trabalhar, e era muito difícil conciliar o trabalho com a vida familiar. E aí tenho de reconhecer que a minha mulher foi muito importante.
Catarina – Não foi fácil, mas tinha que ser. Sempre aceitei a vocação do meu marido e sei que era importante ele realizar os seus sonhos. E tive de me sacrificar mais. Tive de viver simultaneamente com os meus filhos e com o meu marido.
– O Francisco culpabiliza-se por isso?
Francisco – Não sei… Nunca pensei nisso. Hoje estou muito mais presente e vejo isso com a Madalena, porque aprecio muito mais a infância dela. Hoje sei gerir melhor as coisas.
– E deve ser uma experiência engraçada ser pai de uma rapariga adulta, de um adolescente e de uma criança…
– Eu e a Maria, como temos feitios muito idênticos, chocamos um pouco. Com o Francisco, é uma situação mais complexa. Nos dias que correm, é mais difícil educar um rapaz. Hoje, as coisas começam a ser vividas muito mais cedo… Eu comecei a sair com 16 anos e eles querem sair com 12, 13 anos. Há uma diferença muito grande. E nesse aspecto, ainda bem que cresci em Almeirim, porque senão… [risos] A Madalena é uma querida e é lógico que adoro estar com ela, como com todos os meus filhos. Mas como é verdade que não tirei muito partido da Maria e do Francisco, podemos dizer que nisso a Madalena está a sair beneficiada em relação aos irmãos.
– Viver na província conteve-o nos seus ímpetos de adolescente?
– Exactamente. Sei o que fiz…
– O facto de ainda ter muito presentes essas vivências da adolescência tornou-o um pai mais permissivo?
– Mais cuidadoso. E mais não digo. [risos]
– A Maria começa a dar os seus primeiros passos na decoração. É bom tê-la a trabalhar consigo?
– [risos] Essa é uma pergunta complicada… Não é fácil… A experiência conta muito e ela, a pouco e pouco, vai percebendo que nesta actividade não conta só estudar, a prática também é muito importante.
– Catarina, ser mãe sempre foi a sua grande prioridade?
Catarina – Sim, com certeza. Vivo para os meus filhos, porque, de certa maneira, senti que eles precisavam mais de mim, pois não tinham o pai presente.
Francisco – A Catarina vive exclusivamente para eles. [risos]
– E no meio das viagens, da decoração e dos filhos, há tempo para os momentos a dois?
– Acho que essa preocupação de passarmos mais tempo a dois está a começar. Numa relação há fases, e acho que estamos a começar a perceber que temos de olhar mais para nós os dois.
– É difícil ter esse espaço quando os filhos ainda estão a crescer?
Catarina – Sim, é muito difícil. Eles precisam de muita atenção e eu apostei nisso. E não estou nada arrependida, muito pelo contrário. Acho que a educação dos meus filhos foi e continua a ser muito importante.
– E como é que um homem tão cosmopolita e com uma sede de partir pelo mundo conhece a Catarina, que é uma pessoa tão mais pacata e discreta?
Francisco – Os opostos atraem-se. Acho que a frase se aplica a nós. Quando nos conhecemos, eu tinha 18 anos. Conhecemo-nos na praia, na Nazaré. Entretanto, começámos a encontrar-nos em Lisboa, e tudo começou assim… E ainda tivemos uns bons anos de namoro. Entre casametno e namoro, já lá vão uns 27 anos…
– E acha que a complementaridade é o segredo do sucesso do vosso casamento?
– Acho que exijo de mais da minha mulher. Gostava que ela fosse muito mais participativa na minha vida profissional, porque gosto da crítica, que é algo que me permite melhorar. A Catarina participa de certa forma, mas eu muitas vezes forço um bocadinho para ter a opinião dela.
Catarina – Às vezes entramos um bocadinho em choque. Sou uma pessoa muito conservadora e muitas vezes é-me difícil aceitar excentricidades.
– Acha que o seu marido é excêntrico?
– Tem os seus quês de excentricidade!
Francisco – Considero-me um excêntrico moderado, mas por vezes gosto de ser arrojado. Gosto de arriscar, até na maneira de vestir. Sou capaz de me vestir de forma clássica, mas às vezes gosto de vestir umas calças rotas ou uns ténis. E quando estou fora deste meio, não me sinto bem se me vestir como ando muitas vezes no dia-a-dia. Gosto de mudar, de estar diferente, de sentir aquela liberdade em todos os campos.
– Cá em casa, o Natal é uma época de tradições?
– O Natal nos últimos anos tem sido um pouco complicado, por causa da morte do meu pai e do meu sogro. Sempre vivemos esta época de uma forma muito intensa e tentamos manter esse espírito, pelas crianças. Porque, para nós, o importante no Natal é estar com a família. Mas todos os anos fazemos uma árvore diferente e também temos todo o tradicionalismo da consoada e do dia de Natal.