Isabel Stilwell, de 49 anos, é uma daquelas pessoas que consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Apesar de nem sempre ser fácil conciliar as várias realidades da sua vida, a jornalista consegue ser uma mulher, mãe e profissional muito empenhada e presente. Casada com
Luciano Patrão e mãe de três filhos,
Francisco, de 26 anos,
Ana, de 23, e
Madalena, de 19, Isabel tem nos momentos que passa com a família o seu prazer de eleição, aquele que a faz saborear cada minuto sem pensar no que tem para fazer a seguir.
Isabel soube partilhar com os filhos alguns dos seus interesses e paixões, entre os quais a escrita. Depois de partilhado a autoria de dois livros com a filha Ana, Isabel já vai no terceiro volume de Histórias para Contar em Minuto e Meio, obras escritas a seis mãos, com Francisco e Madalena.
Foi sobre estas aventuras em família que a CARAS conversou com a escritora, na sua casa, em Sintra, onde o espírito de Natal traz consigo muitas histórias e surpresas que não se perdem com o passar dos anos.
– Como é que se vive o Natal em sua casa?
Isabel Stilwell – O nosso Natal tem uma tradição muito inglesa. A primeira infância marca-nos muito, e os meus pais eram os dois ingleses. E mantenho as tradições desse tempo. Colocamos sempre meias ao fundo da cama, não pomos sapatos na lareira. O Pai Natal traz os presentes durante a noite e não fazemos nada de especial na véspera. Há só a Missa do Galo e depois uma ceia com chocolate quente. O almoço do dia de Natal é que é o grande acontecimento.
– Parece ser um Natal muito pouco materialista…
– Também temos presentes, que são distribuídos depois do almoço do dia de Natal. A minha mãe foi muito inteligente. Ela era católica e muito praticante e disse-nos sempre que era o Pai Natal que trazia os presentes e nunca falou de ser o Menino Jesus a trazer os presentes, porque achava que ficaríamos com uma ideia muito errada de Jesus ao ver que Ele tinha trazido presentes para uns meninos e não tinha trazido para outros. E achava que o Pai Natal era do reino da magia e da fantasia e que não estava ligado à crença. Eu e os meus irmãos acreditámos no Pai Natal até tardíssimo e continuámos a agir como se ele existisse, mesmo depois de sabermos a verdade.
– Nesta época há muitas pessoas que fazem um balanço do ano que acaba. Também faz isso?
– Acho que sim. Mas muitas vezes faço esse balanço no início do ano lectivo, no fim das férias. Todos os anos me acontece uma coisa que espero sempre que não aconteça, que é chegar ao Natal tão cansada e com tanto para fazer que não tenho tempo para aquelas coisas que acho mais essenciais, como estar com as pessoas de quem gosto e que já estão velhinhas, esses momentos de reconciliação com aqueles que achamos que são os nossos valores e que normalmente desaparecem a correr. O ano passado, consegui não trabalhar nos dias antes e depois do Natal e foi especial, porque recusei-me a andar de carro. Fiz tudo a pé e comprei tudo no comércio local. E isso fez uma grande diferença na quebra da rotina. E tive tempo… Continuamos a gastar o tempo, mas depois nunca sabemos muito bem o que é que fizemos com ele…
– Ajuda viver num sítio assim para conseguir estabelecer prioridades e restabelecer esse equilíbrio que tanto preza?
– Ajuda e não ajuda. Não ajuda quando tem de se fazer o IC 19 para Lisboa todos os dias e se perde um tempo disparatado no trânsito, que é tempo que não é nem do patrão, nem da família. Ajudava muito no ritmo de vida quando os miúdos eram pequenos e não tinham de ir para Lisboa.
– Há, ainda hoje, uma mistura da cultura portuguesa e inglesa em si e na sua forma de viver?
– Penso que o humor e a capacidade de rir de mim própria são as características inglesas que ficaram. E os meus filhos também as têm. E acho que estas Histórias para Contar em Minuto e Meio, que me deram muito prazer fazer, porque as fiz com os meus filhos, espelham bem o humor um bocadinho diferente com que encaro a infância. Conseguimos brincar com as coisas e ver as crianças como seres muito inteligentes.
– Como é que tem sido partilhar a escrita com os seus filhos?
– A experiência começou com a Ana. Um dia apareceu uma conta de telefone completamente louca e tivemos uma grande discussão. E depois lembrámo-nos de fazer um diário de uma mãe e outro de uma filha, mas paralelos. Foi uma experiência muito divertida e importante, porque na adolescência começamos a perder algumas pontes em relação aos filhos. Depois, escrevemos outro livro juntas. A Madalena e o Francisco entraram nas histórias e já vamos no terceiro volume. E é engraçado ver como é que os meus filhos evoluíram na escrita.
– Mas custa-lhe ver os seus filhos a crescer?
– Não, desde que me dêem netos. Isto é uma indirecta para a minha filha Ana. [risos] Tenho muitas saudades de ler alto para eles. Acho que se perdem coisas, mas também se ganham outras. Sinto que em todas as fases dos meus filhos ganhei coisas. Neste momento, tenho imenso prazer em ir com eles às compras, lancharmos juntos, termos conversas que já não são as da infância. Quando crescem, já podemos estar mais de igual para igual. Os meus filhos sempre foram muito livres e autónomos, mas eu preciso de saber onde é que eles estão e se está tudo bem. Basta isso. Gosto de ter uma vida própria muito preenchida. O segredo para os deixarmos crescer em liberdade é termos a nossa própria vida, porque se vivermos dependentes deles, deve ficar um vazio horrível depois de crescerem. Tenho uma capacidade grande de me entreter a mim própria, com os livros, por exemplo.
– E como é que conseguiu conciliar os deveres familiares com a escrita e com uma profissão que sempre lhe ocupou muito tempo?
– No jornalismo, o ritmo é alucinante. No outro dia, alguém dizia que quando uma pessoa faz muito, ainda é capaz de fazer mais. Detesto sair da cama de manhã, odeio separar-me das almofadas, mas uma vez com os pés no chão, o ritmo acelera logo. E acho que conseguir conciliar tudo dá-nos uma satisfação enorme. É complicado, mas compensador. E temos de nos reequilibrar sempre. Uma das coisas que costumo fazer com os meus filhos é apanhar castanhas aqui num caminho em Sintra. E quando penso que já passou muito tempo desde a última vez que fui apanhar castanhas, percebo que estou a desequilibrar as coisas para o lado do trabalho. Quando sinto que alguma coisa falhou no meu lado profissional, dou mais atenção a isso. E é neste equilibrar de coisas que vamos andando.
– Gostava de se dedicar em exclusivo à escrita?
– Não gostava de deixar o jornalismo, porque é isso que me permite intervir no mundo em que vivo, nomeadamente reagir às decisões do tribunal, quando decidem coisas em relação às crianças e eu não acho que tenha sido a melhor solução. Ou, então, reagir à educação… Ao fim de trinta anos, esta capacidade de intervir e de reagir já é uma coisa visceral. E não ter a capacidade de intervir no momento e de exprimir a minha alegria ou indignação em relação a alguma coisa deixava uma parte de mim muito vazia.
– E o que é que a maturidade e a experiência lhe trouxeram?
– Trouxeram-me a capacidade de relativizar os problemas. Também percebi que o humor foi um investimento que valeu a pena. Só com a capacidade de nos rirmos de nós próprios é que conseguimos envelhecer sem ficarmos amargurados nem azedos com as experiências más que vamos tendo ao longo da vida. E deu para perceber que o tempo a passar é uma coisa que pode ser gerida com mais sabedoria. Outra coisa que queria conquistar, mas para isso ainda preciso de ganhar mais alguma maturidade, é a capacidade de ser mais assertiva. Ser capaz de perceber que posso dizer que não sem magoar a outra pessoa. Ou mesmo magoando-a! Podia pedir isso para o Natal. [risos]