Numa altura de grandes mudanças na sua vida, depois de ter posto fim à sua carreira no futebol,
Abel Xavier ou, melhor, Abel ‘Faisal’ Xavier revela à CARAS tudo sobre a sua recente conversão ao islamismo e consequente mudança de nome. Foi, aliás, na companhia de dois
sheikhs do Ras al-Khaimah, um dos Emirados Árabes Unidos – cuja família real acolheu o ex-jogador e o baptizou com o novo nome, acompanhando todo o processo da sua conversão -, que o ex-jogador esteve em Portugal. Nesta entrevista, fala, também, da sua reaproximação aos filhos,
David e
Lucas, de 15 e sete anos, proporcionada pelo facto de já não jogar.
–
As grandes mudanças que fez na sua vida nos últimos tempos surgem com a sua conversão ao islamismo?
Abel Xavier – Sim. Ao longo de vinte anos fui julgado pela minha imagem ou pela minha atitude em campo, mas nunca ninguém me conheceu verdadeiramente. Tinha um vulcão dentro de mim que tinha de explodir um dia. A minha identificação com o islamismo começou em 2003, quando joguei no Galatasaray, na Turquia, e vivi numa comunidade islâmica. Esse foi um ano de viragem na minha vida.
– Daí até à conversão ao islamismo, o que aconteceu?
– Sempre tive uma profunda curiosidade sobre o mundo árabe. Não posso esquecer que nasci em Moçambique, que tem vinte milhões de habitantes, dos quais seis milhões são muçulmanos. Eu próprio tenho uma parte da família que é árabe. Por isso, tudo isto faz sentido. Fui cristão, porque é normal que os filhos sigam a religião dos pais, até porque não têm acesso a outro tipo de informação. Mas com as minhas viagens, com a minha vida fora de Portugal e, sobretudo, em momentos de adversidade na minha carreira, foi no mundo islâmico que encontrei paz e equilíbrio. Deu-me força para lutar contra tudo o que me aconteceu, desde os castigos no futebol até à minha separação.
– Então esta não é mais uma excentricidade sua?
– Não. Isto é muito mais profundo. Isto é muito para mostrar o contrário daquilo que as pessoas pensavam que o Abel Xavier era. Poucas pessoas me conhecem interiormente.
– E a partir de agora, deixa de existir o Abel e passa a existir o Faisal?
– Podem chamar-me Abel, podem chamar-me Faisal ou Abel ‘Faisal’ Xavier. No fundo, quis manter o mesmo nome, mas ser reconhecido por um nome histórico no Islão, e que me foi atribuído pelo irmão do rei dos Emirados, que me baptizou, e que me encheu de orgulho por escolher um nome tão importante.
– Além do nome, que mais mudou na sua vida desde que se converteu?
– Desde que me converti, sinto-me mais livre, mais aberto. Temos a vida que nos foi dada por Deus e que devemos guiar por valores que estão presentes no islamismo. E esta é uma fase em que quero revelar-me de dentro para fora e não de fora para dentro.
– O islamismo traz também algumas obrigações, como as peregrinações a Meca, o Ramadão… Pretende cumprir tudo isso?
– Vou respeitar tudo aquilo que a minha conversão implica, por isso irei a Meca e cumprirei o Ramadão. Estou numa fase de aprendizagem, em que quero conhecer tudo aquilo que está por detrás da religião e da cultura. Quero aprender árabe, pois não percebo, e só a sonoridade da língua já me dá muita tranquilidade. A minha próxima viagem com a família real dos Emirados é ir a Meca juntar-me à grande família saudita. Mas o mais importante será criar sempre uma sinergia positiva e apelar sempre à paz. Porque todos nós podemos fazer algo em prol disso. Quero ser um mensageiro de paz.
– E a sua imagem vai mudar?
– Não. Porque não é mudando o exterior que vou alterar o interior.
– Vai ser fácil adaptar-se ao Ramadão?
– Seria difícil se continuasse a minha carreira. Podia ter feito tudo isto antes e não o fiz porque sabia que não ia conseguir fazer tudo o que o islamismo exige.
– Uma das coisas que esta religião permite é a bigamia… Equaciona vir a ter duas mulheres?
– Antes de mais, é preciso perceber e desmistificar algumas coisas. A questão dos muçulmanos poderem ter várias mulheres é subjectiva, porque para isso acontecer eles têm restrições. E tudo isso depende sempre de uma decisão pessoal. No meu caso, pelos valores que defendo e considero importantes numa relação, e que mostram até uma mentalidade mais aberta, não faz sentido ter duas mulheres. Quero ser aceite nesta comunidade, mas não reprimindo os meus valores. Respeito quem tenha mais que uma mulher, mas terei sempre apenas uma.
– Neste momento está com alguém?
– Não. Estou numa fase de introspecção e acho que é muito importante a paz interior que a minha decisão de me converter ao islamismo me está a dar.
– A vida nos EUA desviou-o de alguns princípios?
– Não, de forma alguma. E vou continuar a fazer algumas coisas da vida que levava, vou continuar a viver entre Los Angeles, Lisboa e, agora, os Emirados.
– E qual é o seu próximo passo enquanto muçulmano?
– Continuar a viagem da minha consumação. Vou a Meca, e há várias famílias reais que me querem receber e agradecer, porque sou considerado um filho para eles. E isso é muito importante.
– E também uma série de projectos humanitários de larga escala… Quer adiantar alguma coisa sobre isso?
– Sempre me dediquei à solidariedade, mesmo que muitas vezes não o tenha divulgado. Fiz muita coisa e quero fazer ainda muito mais. Quero aproveitar a minha imagem, a minha força, para contribuir para grandes causas no mundo, para ajudar não uma ou duas, mas milhões de pessoas. Quando acontecem coisas como o que aconteceu no Haiti, temos que agir não olhando a raças, cores, partidos ou o que quer que seja.
– Conta com o apoio desta sua família árabe nesses projectos?
– Vou contar com o apoio de todas as famílias árabes. Neste momento sou parte integrante de um grande projecto, sobre o qual vão ter novidades em breve. Temos que agir cada vez mais e levantar certos países que realmente precisam. Porque, quando se gastam milhões para ir à Lua e os problemas estão na Terra, alguma coisa está mal. É aqui que temos que resolver problemas.
– E o primeiro projecto vai ser em Moçambique?
– Provavelmente. É lá que estão as minhas raízes, foi lá que eu nasci, e por mais longe que vá, não vou esquecer nunca de onde vim.
– O fim da carreira parece abrir novas oportunidades à sua relação com os seus filhos…
– Sim! A maior pedra no sapato em toda a minha carreira foi a distância dos meus filhos. Não fui um pai presente, mas tentei sempre estar lá quando era necessário. A mensagem que tento passar-lhes é que tudo o que fiz, todos os sacrifícios por que passei, foi para que nada lhes faltasse. Espero que eles entendam isso. E agora quero passar o máximo de tempo possível com eles.
– É por isso que aparece com eles nesta sessão fotográfica? Há muito tempo que não era visto publicamente com eles…
– Sempre quis preservar a imagem da minha família e, por isso, eles nunca apareceram muito. Mas existem momentos na vida em que faz sentido que eles estejam. Este é um momento em que me estou a revelar interiormente e faz todo o sentido que aqueles de quem mais gosto estejam presentes. E daqui para a frente será assim, os meus filhos vão estar cada vez mais presentes na minha vida, seja a que nível for.
– Tenta, de alguma forma, compensar o tempo perdido?
– Sem dúvida. Tenho muitas saudades dos meus filhos e quero que viajem comigo, quero levá-los a conhecer outros mundos e, sobretudo, quero que tenham opções. Que eu, infelizmente, não tive na minha infância.
– Que balanço faz dos anos em que jogou futebol?
– Quando olho para trás, sei que através do futebol acabei por crescer ou amadurecer cedo de mais, pois na fase inicial tive algum confronto familiar. Nunca é um sonho para os pais que um filho seja jogador de futebol… Mas acabei por ter sucesso nessa carreira, e isso foi o mais importante, porque vivi experiências fantásticas. Foram vinte anos pelos quais estou muito grato a todos os clubes onde joguei e a todas as pessoas que me apoiaram.
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