Com o pretexto do seu novo filme,
A Bela e o Paparazzo, marcámos um encontro com
António-Pedro Vasconcelos. O cineasta, que por norma é um homem bastante reservado, abriu uma excepção e partilhou com a CARAS o seu lado mais pessoal, falando dos seus dois casamentos – o último com
Teresa Schmidt, com quem partilha a vida há mais de 30 anos -, da relação que mantém com os três filhos,
Pedro,
Patrícia e
Diogo, e os seis netos, e esclarecendo por que razão anda sempre de chapéu.
– Define-se como um intelectual. Porque é que decidiu fazer um filme comercial como
A Bela e o Paparazzo?
António-Pedro Vasconcelos – Não é mais nem menos do que os meus outros filmes. Acho que há aí um grande equívoco, que é rotular de comercial um filme de que o público gosta. A ideia de que os americanos fazem filmes que têm grandes audiências de público, e que nós, europeus, temos de fazer filmes que ninguém queira ver, é muito perversa. E eu sempre combati isso. Este filme é tão pessoal como os outros. Pode ser bom ou mau, mas é um filme de autor, exactamente como todos os meus outros filmes. Foi o filme que eu quis fazer, que me apeteceu fazer. Já há muito tempo que me apetecia alternar um pouco o meu pendor para tratar problemas mais duros com alguma comédia.
– E porque escolheu este tema das revistas e dos
paparazzi?
– Porque ando sempre à procura de histórias e, normalmente, tento inspirar-me na realidade do meu país. E este é um tema curioso. Para haver um filme, tem de haver um conflito, e temos de perceber onde é que há um bom conflito. E aqui havia um problema interessante, que era o das vedetas que precisam da mediatização, da fama, da exposição, mas não gostam da contrapartida disso, que é serem "apanhados". E isto pareceu-me interessante. Depois, apetecia-me fazer uma homenagem àquilo que foi o melhor do cinema português, que foi a comédia, em particular a romântica. Em que por um lado havia o
António Silva, que garantia a parte da comédia e da crítica de costumes, e, por outro, a
Milu, que era a menina bonita, a noiva de Portugal, e que dava o lado romântico. Aliás, o filme é dedicado à Milu e ao
Raul Solnado.
– Já teve muitas ‘Belas’ na sua vida?
– Isso é outra coisa [risos]. Tive, como toda a gente. Casei-me uma primeira vez, muito novo, depois voltei a casar-me, e tenho três filhos, dois da minha primeira mulher e um da actual. Filhos que adoro e que já me deram uma catrefada de netos… Obviamente, houve um período da minha vida, entre o primeiro casamento e o segundo – que, ainda por cima, correspondeu ao período extraordinário em que se inventou a pílula -, em que tive as minhas aventuras… Eu gosto muito de mulheres, do universo feminino. O meu universo é masculino, tenho uma cabeça masculina e, talvez por isso, as mulheres são seres que têm um certo mistério para mim. Tenho mais curiosidade e mais dificuldade em perceber o que move as mulheres do que o que move os homens. E, depois, sou muito sensível à sua beleza. Acho que nos meus filmes as mulheres são muito bem tratadas.
– Parece-me ser um sedutor, um galanteador… É?
– Não [risos]. O romance é uma coisa bonita. Na minha vida sentimental nunca fui uma pessoa leviana, de amores fáceis, portanto, quando me apaixonava era a sério. Sempre tive enorme respeito pelos outros, fossem homens ou mulheres. É evidente que com as mulheres, o respeito traduz-se noutras coisas…
– É o que se chama ‘um homem à antiga’?
– Não sei… Mas ainda hoje gosto de abrir as portas às senhoras, de as deixar passar, que elas se sentem primeiro, de lhes acender o cigarro… Acho que as mulheres ganharam a sua independência, e muito bem, mas não devem perder a sua feminilidade, porque são diferentes dos homens, e eu gosto que o sejam. Por exemplo, acho que as mulheres são muito mais responsáveis e os homens mais românticos. Eu nunca conheci uma mulher verdadeiramente romântica. Parecem românticas porque gostam de homens românticos, esse é o seu romantismo. Elas choram muito mais nos filmes, comovem-se mais, mas na vida real são muito mais práticas. As mulheres que eu conheci são muito mais sensatas e, em certas coisas, mais corajosas. E obviamente que, tal como os homens têm de ter um toque feminino, as mulheres tem de ter também um toque masculino, na medida em que gosto de mulheres determinadas, que sabem o que querem, que não são choramingas. Gosto de mulheres fortes com alguma fragilidade.
– Continua casado com a sua segunda mulher?
– Sim, com a mãe do meu filho Diogo, há trinta e muitos anos, praticamente desde o 25 de Abril. Nunca dei muita importância social ao casamento. Casei-me porque tinha filhos e achei que era a melhor solução. Por exemplo, nunca fiz uma festa de casamento. Nas relações que tive, só me casei quando tinha filhos e sempre pelo registo. Não sou católico.
– Então, para si, o casamento é só um papel assinado?
– É um papel que é importante, é um vínculo, um compromisso. E acho que é bom dar estabilidade aos filhos. Obviamente que quando nos casamos, nunca sabemos o que é que vai dar, podemos separar-nos ao fim de três meses… mas sempre dei muita importância aos meus filhos. O meu filho mais novo sempre viveu connosco, mas os outros dois, como me separei relativamente novo – o mais velho tinha seis anos e a minha filha tinha meses – não pude conviver com eles da mesma maneira. Até porque depois a mãe deles se casou com um diplomata que foi embaixador em vários países, portanto, eles andaram muito por fora e eu perdi os seus melhores anos, pelo menos quando eram crianças.
– E hoje em dia mantém uma boa relação com eles?
– Sim, fantástica. Os meus filhos são tudo para mim, são a coisa mais importante… os meus filhos e os meus netos. Recuperei muito desse afastamento quando eles vieram viver para Lisboa, ainda na sua adolescência. A partir daí, recuperei o tempo perdido… Agora tenho seis netos, o mais velho tem 22 anos e a mais nova tem dois, três rapazes e três raparigas. É o equilíbrio perfeito. Eles são todos benfiquistas e vão comigo ao futebol, é uma coisa muito boa que lhes incuti, não sei como é que conviveria com netos ou filhos que não fossem do meu clube [risos]. Hoje sinto que tenho uma família. Já fui neto, filho e agora sou avô… Infelizmente, os meus pais já faleceram há uns anos e eu sou, assim, o ponto mais alto da pirâmide e dou-me bem com isso… interesso-me muito pela vida deles, acompanho-os e vibro com os seus sucessos.
– É melhor avô do que foi pai?
– Os meus filhos é que podem dizer se fui um bom ou mau pai. A vida quis que eu vivesse longe deles e eu não pude fazer nada contra isso, porque sabia que eles estavam melhor com a mãe. Tentei ser sempre bom pai, mas as pessoas não são perfeitas. Mas desde que eles estão a viver em Portugal, sou um pai assíduo e muito interessado na vida deles, dando-lhes uma margem grande para eles escolherem… Não censuro nem intervenho, nem na vida sentimental nem profissional deles. Prefiro estar disponível para os ajudar quando eles me pedem. E com os netos é a mesma coisa. Há netos que gostam mais de falar comigo, de expor os seus problemas e de se aconselharem comigo. E aí eu digo-lhes o que sei.
– Porque é que anda sempre de chapéu?
– Uso chapéu já há muitos anos, porque o meu otorrinolaringologista achou que eu devia proteger a cabeça, pois sou atreito a constipações e tenho uma sinusite e uma rinite alérgica muito forte, que me incomoda em particular nas mudanças de estação… Ando para ser operado há 30 anos e nunca arranjei tempo, preciso de parar uma semana e não tenho. Portanto, tenho adiado isso e o chapéu protege-me. E hoje em dia, se não uso, sinto a falta. É já um hábito, não é por achar que me fica bem…
– Não tem tempo para ser operado?
– É verdade. No ano passado tive de arranjar tempo para ser operado ao coração, estive praticamente três semanas inactivo. Porque aí o médico disse-me mesmo: "Você escolhe. Cada dia que passa, que adia a operação, a sua qualidade de vida piora e a sua perspectiva de longevidade diminui." E decidi ser operado logo. Tinha um problema na válvula mitral, que não funcionava bem, cansava-me excessivamente… A minha filha mora num quarto andar e eu tinha dificuldade em subir as escadas. De início, pensei que fosse da idade, os anos que não perdoam… Como sou um hiperactivo, desde os meus 20 anos, quando saí de casa e me fiz à vida, que me vejo a trabalhar, nunca páro. Às vezes gostava de parar um bocadinho…
– Mas nem a operação lhe serviu de emenda?
– Não, pelo contrário. Como me comecei a sentir melhor, comecei a fazer mais coisas. Nem imagina o que eu faço. Só abrando quando estou a filmar, por isso é que eu digo que as minhas férias são quando estou a filmar ou em convalescença. Por exemplo, as três semanas de convalescença da operação foram fantásticas, porque estava em casa, lia, ouvia música, via filmes, tratavam de mim…
– Mas se é hiperactivo, essas três semanas de inactividade devem-lhe ter custado…
– Não. Eu sou hiperactivo porque tenho uma certa impaciência e porque tenho que ganhar a vida. A minha independência tem um preço. Eu não tenho emprego, não tenho nenhum vínculo, nem ao Estado nem a nenhuma empresa, tenho que trabalhar para ganhar. E depois há um luxo a que eu me dou, que é tentar fazer sempre só as coisas de que gosto. Como me pagam para fazer isso, é bom! É evidente que faria menos coisas… dou imensos
workshops, aulas, cursos, escrevo, faço um programa sobre futebol, faço filmes… Por isso as filmagens são férias. São oito semanas em que me vêm buscar a casa de manhã e me vão pôr de volta no fim, servem-me o almoço, toda a gente está a trabalhar para mim, não tenho telemóvel, ninguém me incomoda, é extraordinário! O mundo pára à minha volta e eu estou ali protegido. São os melhores momentos da minha vida.
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