Desde que perdeu a mulher,
Ruth, há dois anos e meio,
Ruy de Carvalho, de 83 anos, vive rodeado de histórias e memórias que o fazem manter-se junto dela e continuar a recordá-la. Deste amor nasceram dois filhos,
Paula, agora com 50 anos, e
João, de 55, dos quais tem três netos,
João Ricardo, de 27 anos,
Diogo Henrique, de 23, e
Henrique, de 19.
Há dias, o actor foi convidado do programa
Depois da Vida, de
Júlia Pinheiro, no qual foi surpreendido pela médium inglesa
Anna Germain com informações que só a sua mulher poderia saber. No dia a seguir à emissão do programa, o actor recebeu a CARAS na sua casa, para uma conversa onde, mais uma vez, a sua simpatia, generosidade e humildade sobressaíram.
– Faz três anos em Setembro que a Ruth morreu. Como tem vivido desde então?
Ruy de Carvalho – Sozinho… E acompanhado.
– São mais as vezes que se sente sozinho ou acompanhado?
– Procuro as companhias que há por aqui, espalhadas pela casa, e olho para elas.
– As memórias também são uma companhia?
– Claro que sim. Tenho a imagem da minha companheira sempre que quero e me apetece. Penso nela e pronto. Mas isso acontece-me com todas as pessoas que já partiram. Penso nelas e estão presentes, como eu quero, mais novos, mais velhos…
– E como recorda a Ruth?
– Com 63 anos de convívio. Em todos os sítios, em todas as posições, mais doente, cheia de saúde… Tenho esses momentos todos gravados, e depois há coisas que recordo com as fotografias, olho para elas e vejo o que estava a acontecer.
– Há quem fuja dessas memórias por sofrer mais com a ausência, mas com o Ruy isso parece não acontecer…
– Antes pelo contrário. Não me faz sofrer, mas sim viver melhor e mais acompanhado. As memórias, para mim, são úteis, são a história da vida.
– E a saudade também não diminui com o passar dos anos?
– Nem pensar, até porque nos vamos aproximando daquilo que perdemos.
– Mas não sente necessidade de aproximar esse ‘reencontro’…
– Não. Sei que vou morrer, por isso vou vivendo o melhor que posso e sei até ao segundo em que esta coisa que me anima me abandonar e deixar o resto, que será cremado.
– Sei que ontem assistiu ao programa
Depois da Vida na companhia do seu filho mais velho. Como é que ele reagiu?
– Também chorou. É claro que ele deve ter sentido que era realmente a mãe, com as coisas que estavam a acontecer, pois ele também sabe delas, pois tudo o que a médium foi dizendo era verdade.
– Foi um momento difícil para si?
– Não. Senti-me até muito bem. Senti que talvez quando lá chegar acima encontre uma pessoa extremamente satisfeita por lá estar.
– Isto porque houve uma altura em que a médium referiu que a Ruth lhe estava a dizer que estava no paraíso. Isso tranquiliza-o?
– Claro que sim. Não sei se ela vai aparecer outra vez, mas a mim aparece-me todos os dias. Dedico-lhe todo o trabalho que faço e desta forma ela está sempre presente. Não sou um crente absoluto e nem acredito em espiritismos, mas nisto acredito. A médium tem um dom, como há pessoas que têm outros dons, para a música, para a ciência…
– Não duvidou, então, da ‘presença’ da Ruth no programa?
– Não. Ela era uma mulher muito culta, ligada às artes, estava muito perto de mim e tocou em quase tudo o que está nesta casa. Desde os móveis às loiças, talheres, tudo tem uma história.
– Houve coisas que foram ditas no programa que só a família poderia saber, como o terço que está no jazigo, os crucifixos que a Ruth coleccionava e o Ruy guarda…
– Esse crucifixo foi-lhe dado por uma amiga muito jovem, que a visitava muito quando ela já estava doente e muitos dos crucifixos estão no meu quarto…
– Foi ainda feita referência de que a tratava por ‘princesa’.
– E ela a mim por ‘príncipe’. Fui pseudonamorado da Zezinha [
Maria José Ribeiro], mãe da Rita Ribeiro, e como elas eram amigas, a minha mulher foi dizer um dia que namorava um principezinho, e só depois chegaram à conclusão de que era eu, e ficou assim desde então. Foi princezinha toda a vida, não sei se não será rainha onde está. [risos]
– A médium disse também que o Ruy protegeu muito a Ruth quando ela esteve doente e que sofreu muito com isso…
– É natural que sim. Foram nove anos de sofrimento. Tive de me separar dela quando foi para a Casa do Artista e eu só não ia lá quando o meu trabalho não me permitia, e mesmo assim cheguei a ir lá muitas madrugadas.
– Para uma pessoa que vive uma vida inteira com outra, passar por isso é como ver uma parte de si partir.
– Exactamente, mas essa parte que partiu qualquer dia terá a que lhe falta. A razão que me leva a pensar que há mais qualquer coisa para além desta vida é a interrogação sobre o destino disto que nos anima, o espírito, a alma… Tem de regressar a qualquer lado!
– Não será mais fácil, para alguém que passa por uma perda como a sua, acreditar que no dia em que partir irá estar com a pessoa que perdeu?
– Acho que é melhor fazermos isso, pois ajuda-nos a viver melhor, talvez até por egoísmo. Mas tento acreditar que realmente há mais qualquer coisa e que de vez em quando regressa noutro corpo. Um menino com cinco anos a tocar piano maravilhosamente, o que é que ele terá sido antes? Por que toca tão bem? Por que temos tantas vezes a sensação de
déjà-vu?
– A médium referiu ainda que a Ruth o considera muito corajoso desde que a perdeu.
– Julgo que sim. Antes tinha mais o apoio dela. Ela não me dava só améns, também ralhava quando era preciso. [risos] Sinto muito o apoio dela.
– Está sempre a pensar na Ruth?
– Sempre não, mas maioritariamente, sim. Vivo no meio que ela mais ou menos criou. Ela veio a esta casa três vezes, mas tudo o que está aqui fazia parte da nossa casa, e isso tem uma influência muito grande. Sentar-me nas cadeiras onde ela se sentava, fazer festas na cadela de que ela tanto gostava…
– Como é que se lida com as saudades?
– Acho que é uma palavra muito bonita, mas a dor de as ter é que é pior. Mas quando se mata as saudades é muito bom, e eu faço-o com as minhas recordações, e cada vez que cumpro alguma coisa, fiz uma oferta, matei uma saudade.
– Imagino que a voz da Ruth lhe faça especial falta…
– A minha mulher está sempre comigo e ainda tenho muito presentes a sua voz e o seu cheiro.
– Qual foi o segredo para a longevidade do seu casamento?
– Não sei, mas houve muito amor, amizade, respeito, liberdade sem libertinagem, e tudo isso faz as pessoas serem felizes, e eu fui.
– Mudando um pouco de assunto: está de férias e vai entrar proximamente numa novela da TVI. Não consegue, realmente, estar parado?
– Não consigo, nem posso. A minha reforma não me permite descansar, teria de abdicar de tudo o que tenho. Não poderia ter este carro, a minha casa… Valeu bem a pena trabalhar 63 anos para ter uma reforma como tenho, mas enfim…
– Se pudesse parar, teria essa vontade?
– É melhor não, só gostava de ter mais liberdade, para ter mais tempo para ler, para passear. Às vezes apetece-me ficar na cama, mas não fico, faz mal à saúde. [risos]
– Ao longo da sua carreira tem sido reconhecido com diversas homenagens, e ainda o mês passado foi condecorado como Grande Oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada, pelo Presidente da República.
– Já tenho três condecorações grandes, parece que estou a falar de um grande senhor, que não sou, mas os outros é que me julgam. Tenho muitos defeitos… É claro que é bom ser reconhecido, mas não altera em nada a minha maneira de ser, de estar, nem a minha capacidade. Continuo a ser a mesma pessoa desde o início da minha carreira.
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