Bárbara, de 34 anos, e
Kiki Gonzalez Feio, como Catarina é conhecida, de 31, preparam-se para viver um Natal diferente. Pela primeira vez, as filhas mais velhas de
António Feio vão passar esta quadra festiva sem o pai, que morreu a 29 de julho, mas já com a presença de
Dinis, filho de Bárbara, que nasceu a 13 de maio.
Durante estes quatro meses, a
designer de moda e a cantora têm tentado conciliar da melhor maneira possível a necessidade de viverem o seu luto na privacidade da família com aquela que acreditam ser a vontade do pai: perpetuar a sua memória, não deixando cair no esquecimento o legado pessoal e profissional que deixou ao público português.
Numa conversa franca, Bárbara e Kiki falaram com a CARAS de perda e de saudade, mas também de esperança e de memórias que permanecem muito para além da morte.
– O Natal está a chegar. Sempre viveram esta época com entusiasmo?
Bárbara Gonzalez Feio – Dou muita importância a esta época. Nos últimos anos comecei a perder mais aquela magia dos presentes e passei a ligar muito mais ao lado familiar e do convívio. Andamos cada vez mais ocupados e é um pretexto ótimo para estarmos com a família, que, no nosso caso, é grande, especialmente do lado do meu pai, que é, como ele gostava de dizer, uma espécie de família cigana. E este ano vai ter um sabor especial, porque há o pequenino! E, por isso, as coisas vão ter outra emoção.
– Para além de ser o primeiro Natal do Dinis, também é o primeiro que vão passar sem o vosso pai…
Kiki Gonzalez Feio – O pai vai fazer, naturalmente, muita falta. Claro que, nas celebrações que fizermos em casa da minha mãe e de outros familiares, o Dinis vai ser o grande protagonista e vai compensar um bocadinho as coisas menos boas. Não é que substitua ninguém, porque as pessoas são insubstituíveis, mas, pelo menos, vai compensar em termos de atenção.
– O vosso pai teve pouco tempo para conviver com o Dinis…
Bárbara – Foi uma experiência que durou pouco tempo, mas foi muito intensa. Foram apenas dois meses e meio, mas foram aproveitados ao minuto, até pela urgência que tínhamos. Ele tinha muito o sonho de ser avô, que eu só soube, aliás, quando já estava grávida. O meu pai ficou muito mais voltado para a família e para os verdadeiros afetos e o neto foi um ótimo pólo para canalizar aquelas boas coisas que no meio da doença ele também sentia. Isso foi muito positivo. Se as pessoas imaginassem a relação intensa que eles tinham… Foi uma coisa muito querida e ternurenta.
– Acham que tudo o que o vosso pai passou nestes últimos tempos o mudaram muito?
– A doença ajudou-o a fazer uma retrospetiva da vida e, à medida que o tempo ia passando, ponderou tudo o que tinha feito de positivo, de negativo e quis, à maneira dele, emendar algumas coisas e aproveitar bem situações e pessoas como não tinha feito no passado. E isso tornou-o um homem diferente. O que eu acho é que o meu pai começou a preocupar-se muito mais connosco e tornou-se mais presente para muitas pessoas. Tornou-se mais sensível. A doença começou a mexer com algumas emoções que lhe tiravam aquela capa dura que ele teve estes anos todos.
– A crescente debilidade da saúde do vosso pai ajudou-vos a prepararem-se para o desfecho?
Kiki – Bem, tenho de responder de duas maneiras. Por um lado, nada nos prepara efetivamente para a gestão dos sentimentos, da saudade e da solidão. Por outro, sinto que a maioria dos portugueses teve um choque maior com o acontecimento naqueles dias do que nós. No último mês da doença, fomos bastante reservados e nas últimas semanas já estávamos à espera do que acabou por acontecer. Só queríamos que fosse o mais pacífico possível, e foi.
Bárbara – É verdade. O meu pai sabia, desde o início, da situação gravíssima dele. Sabia ele e sabíamos nós. O que eu acho fantástico é ver a maneira como ele encarou a doença, mesmo não estando otimista em relação ao caso dele. Ele nunca entregou os pontos até ao último dia, mas é incrível como num caso em que temos quase a certeza de que não vamos vencer, o ser humano ainda arranja coragem para deixar o seu exemplo e ajudar outras pessoas. Ele queria que as pessoas aproveitassem uma situação adversa para construírem qualquer coisa positiva.
– Como é que os vossos irmãos mais novos, a Sara, de 26 anos, e o Filipe, de 18, estão a lidar com esta nova fase das vossas vidas?
Kiki – Penso que a gestão de tudo isto tem sido bem conseguida. Não creio que nenhum de nós esteja desamparado, sem apoio ou que esteja a ser mais complicado para um do que para os outros. Mas, devido às nossas idades, há coisas que afetam mais o Filipe, outras a Sara e outras a mim e à Bárbara. A Sara e o Filipe são muito mais resguardados e mais dificilmente vão conversar sobre isto com a imprensa, e nós respeitamos isso. Em relação à saudade, a experiência é bastante semelhante. Nós os quatro vivemos muito o nosso pai. Aproveitámos bem o tempo que passámos com ele.
– Não deve ser fácil equilibrar a necessidade de viverem o vosso luto em privado com a obrigação que sentem em perpetuar a memória do vosso pai…
Bárbara – Temos de perceber o que é mais importante para nós. Vejo o perpetuar da memória do meu pai como uma missão e fico mais feliz e de consciência tranquila a fazer aquilo que acho que ele queria que tivéssemos feito. É mais importante perpetuar o nome do nosso pai do que guardarmos as emoções só para nós. Não tenho problema nenhum em falar do meu pai e penso nele em grande parte do meu dia, com saudade, mas também com um lado positivo e com um objetivo por cumprir.
– O seu pai morreu no seu dia de anos… Transtornou-a ou acabou por ver aí algo simbólico?
– Já me passaram várias coisas pela cabeça… Não sei se é por ter um pensamento mais otimista, em que tento sempre ver o lado bonito da vida, mas penso que o meu pai quis esperar pelas onze e tal da noite do dia dos meus anos para finalmente serenar. E há muitos anos esse mesmo dia foi muito especial para ele, porque foi pai pela primeira vez. Se calhar, o dia 29 de julho estava destinado a acontecimentos muito importantes na vida dele. Não vi isso como uma coisa negativa… O meu pai quer ser festejado e, por isso, vamos fazer grandes festas no meu dia de anos, para celebrar o meu aniversário e o dia em que ele serenou. Tento ver as coisas assim.
– Sentem que agora têm um legado para continuar?
Kiki – Sim. Eu agradeço a Deus o facto de não ser atriz, porque iria ser uma responsabilidade ainda maior, iria ser sempre comparada ao meu pai e dificilmente seria melhor do que ele! Graças a Deus que não vai haver comparações desse tipo, porque eu e a Bárbara estamos no meio artístico, mas de maneira diferente. Há uma responsabilidade para honrarmos o nome do pai e todas as coisas que ele conquistou para nós.
Bárbara – Tudo o que estiver ao nosso alcance para preservar o nome do meu pai, fá-lo-emos. É pensar: se o meu pai aqui estivesse, o que é que ele gostaria de fazer? Sobretudo em relação a todos os objetos e coisas que ele deixou, que tenho a certeza que ele gostava que partilhássemos com o seu público. Mas tudo isto tem de ser feito no seu tempo e respeitando também o nosso luto. Não queremos que esqueçam o nosso pai. O importante é tentarmos que o seu nome continue presente e que o seu exemplo e mensagem sejam eternos. Ele vai continuar sempre vivo no meu coração.
– Durante o período da doença do vosso pai, viveram muito para ele. Agora que começam a apostar mais em vocês, quais são os projetos que querem desenvolver?
Kiki – Neste momento, eu estou a trabalhar para um álbum de originais, em nome pessoal. Convidei alguns nomes importantes da música portuguesa, já fiz algumas maquetas… É importante termos um disco para mostrarmos quem somos enquanto artistas. Depois, quero ir para os concertos.
Bárbara – Eu tenho a minha marca de pronto a vestir de edições limitadas, a Bmounti. Vi que fazia falta roupa que não fosse massificada, mas que não tivesse preços exorbitantes. O que acabou por acontecer foi que, poucos meses depois da marca começar, o meu pai ficou doente e eu canalizei a minha energia para ele… E voltaria a fazer tudo. Agora que infelizmente ele já não está cá, voltei a pegar nos meus projetos mais a sério, figurinos para teatro, televisão,
styling para bandas e estamos a iniciar a consultoria de imagem. Acho que tenho algum jeito para me dedicar às pessoas, e tento dar um bocado de mim nas áreas em que vou sabendo alguma coisa.
– Tem sido fácil porem em prática as palavras do vosso pai, de não deixarem nada por viver ou dizer?
– O melhor que podemos fazer é ver a vida de forma positiva. E nós aproveitámos tudo até à última nesta situação, que tinha dia e hora marcados… No meu dia-a-dia não sei se consigo fazer sempre isso, mas esforço-me e espero não desapontar o meu pai.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.