Ao fim de quase 30 anos de política activa e um tão grande mediatismo é quase insultuoso apresentá-lo. Ainda assim: chama-se
Paulo Sacadura Cabral Por-tas, tem 48 anos e é solteiro. Filho de
Helena Sacadura Cabral, economista, jornalista e escritora, e do arquitecto
Nuno Portas, é irmão de
Miguel Portas, economista, jornalista e político, e de
Catarina Portas, jornalista e empresária, e ainda sobrinho-neto do aviador
Artur Sacadura Cabral. Estudou no Colégio de São João de Brito e licenciou-se em Direito pela Universidade Católica Portugue-sa. Estreou-se no jornalismo aos 15 anos, co-mo estagiário na redacção de
O Tempo, e foi redactor de
A Tarde e do
Se-
manário, acompanhando
Vítor da Cunha Re-go. Foi militante da Juventude Social Democrata desde 1975. Juntamente com
Miguel Esteves Cardoso fundou
O Independente, inovando drasticamente o jornalismo português, em moldes "libertários e cultos".
Foi professor universitário, deputado ao Parlamento Europeu, vereador da CML e ministro da Defesa. É dirigente do partido CDS/PP. Tem uma paixão por cinema e uma esclarecida admiração por
Churchill. Sofisticado nos hábitos e
gourmet deleitado, é um orador brilhante e o mais persistente desmistificador da ideologia marxista-leninista. Aqui há anos, prometeu-nos um livro. Exuberante, solar e positivo, conversou com Rita Ferro no hotel Tivoli Lisboa, em clima de total informalidade, mais sobre ideias do que sobre causas.

– Trinta anos de combate te-naz sem desarmar é obra. Vai um balanço pessoal?
– Só fiz política quando tinha independência suficiente. Nunca dependi da política e só a farei enquanto achar que tenho mais a dar ao nosso país. E tenho a certeza de que farei outras coisas de que gosto, para além da política e depois da política: escrever romances, aprender escrita de cinema, alguma coisa em torno da arquitectura, aqui tem três paixões tão possíveis como a política.
– Sente que ter um irmão do outro lado da barricada o ajuda a olhar a sociedade com mais fraternidade?
– O Miguel e eu somos primeiro irmãos, a seguir irmãos e depois diferentes. Aliás: o Miguel, a Catarina e eu. Só se pode ser família assim, quando se aprende a tolerância em casa.
– A ditadura é inadmissível, mas a democracia é difícil de governar: demasiadas cabeças a ditarem sentenças cruzadas. A contemporização democrática pode comprometer a decisão justa?
– Rita, lembre-se sempre do que disse Churchill: a democracia tem imensos defeitos, mas ainda não se descobriu um sistema melhor.

– Presumo que, no parlamento, a colocação do timbre seja importante. Mas os deputados precisam de gritar tanto? [risos]
– Percebo-a. Mas tente perceber os deputados da oposição: mas que raio de vida política é esta em que, de quinze em quinze dias, fazemos perguntas a um primeiro-ministro que não ouve nada do que se lhe pergunta e não responde a nada do que se lhe diz? Falando do CDS, acho que é justo reconhecer que tem bons deputados e deputadas, pessoas novas mas com uma vida profissional que fala por elas, pessoas que dizem o que pensam e pensam o que dizem.
– Uma coisa que enerva é assistir a verdadeiras batalhas campais na Assembleia e depois surpreender inimigos de tribuna às palmadinhas nas costas e a comerem camarões juntos. Reconhece que isto possa confundir? Que fique difícil distinguir ‘o inimigo’?
– Claro! E já se perguntou porque é que isso acontece? Porque os dois maiores partidos são tão parecidos na substância que, depois, para se tornarem diferentes, recorrem muitas vezes a ataques pessoais, que tornam o debate político tão ácido como árido. Eu tenho a regra de separar o que é político do que é pessoal. Para convencer, não é preciso ofender. O que me leva a ter grandes diferenças políticas com quem até posso conversar com respeito.

– Sei que não usa avental. Será a maçonaria e não o PS e o PSD o verdadeiro Bloco Central?
– Não uso, não. Escapa-me a razão que leva uma pessoa, numa sociedade aberta, a fazer parte de sociedades secretas. Cada um sabe de si e a minha educação é cristã.
– Admitindo que os povos têm características que os distinguem, e mesmo sabendo que um minhoto nada tem que ver com um alentejano, que traços identitários conservam os portugueses?
– Primeiro, é preciso perceber que a Pátria, como a família, é algo único que nos acontece: não a escolhemos, mas recebemo-la, e o nosso dever é entregá-la melhor à geração seguinte. Todos os povos, como todas as pessoas, têm coisas boas, e outras menos boas. Saber liderar uma Nação em crise é saber puxar pelas suas melhores qualidades, aquilo que, ao longo da História, nos resgatou das tempestades: quem no povo tem coragem, quem no trabalho é profissional, quem nas empresas arrisca, quem na educação é exigente, quem face à pobreza é generoso.
– Reconhece-se em si uma evidente vocação para a alegria. A alegria ‘independe’ da felicidade?
– É fácil perceber de onde vem a minha alegria: basta olhar para a minha mãe… E também acho que uma boa parte da nossa alegria está na capacidade de nos rirmos de nós próprios.

– Sendo a política tão maltratada e desacreditada pela opinião pública, como consegue manter esse espírito?
– É verdade que a política está muito desacreditada. Mas porque será que a maioria das pessoas, às vezes sem se dar conta disso, acaba sempre a votar nos mesmos dois partidos? Pela minha parte, acho que os partidos não são clubes nem religiões. Servem ou não, consoante o mérito, o trabalho, o esforço e a razão. E também, senão principalmente, por saberem cumprir.
– Subsiste no político que é o jornalista que foi?
–
O Independente começou com um extraordinário encontro, na livraria Buchholz, com o Miguel Esteves Cardoso, e nunca teria sido a inspiração que foi sem o Miguel Esteves Cardoso. Não me arrependo do sucesso do jornal, embora tenha aprendido com as coisas certas, e também com as coisas erradas que fiz nessa altura.
– Valéry disse "
A política foi primeiro a arte de impedir as pessoas de se intrometerem naquilo que lhes diz respeito. Em época posterior, acrescentaram-lhe a arte de forçar as pessoas a decidir sobre o que não entendem." Não acha que estamos em plena segunda premissa?
– Rita, os portugueses foram literalmente enganados. Há um ano e meio disseram-nos que o défice era 5,6%, que as contas estavam em ordem, que a dívida não era problema e que o desemprego ficava nos 8%! Há um ano e meio, aumentaram os funcionários públicos, subiram os abonos de família, deram rendimento mínimo a torto e a direito e até iam dar um cheque aos bebés! Não é o povo que não entende, é um governo que mentiu.

– Vê-se que adora trabalhar…
– Toda a vida gostei de trabalhar e trabalhei para ser independente desde miúdo. O trabalho é o valor social que eu respeito mais. Ou seja, se não fosse presidente do CDS, onde trabalho imenso, estaria certamente no ramo do trabalho máximo garantido…
– Um aspecto que me faz espécie: os escritores matam-se em barda. Os políticos, que são responsáveis directos pelo estado em que anda o mundo, duram mais do que pilhas Duracel. Às vezes, assistimos a ditadores a serem presos aos 90 anos, responsáveis por genocídios inomináveis, ainda de grimpa levantada. Que têm a mais ou a menos do que os artistas?
– Interessante comparação. Há uma certa relação entre génio e sofrimento, tal como ainda há – no século XXI! – uma relação entre tirania e impunidade.
– É demagógico dizer-se que o amor é a única energia inesgotável da Terra?
– Não, não é demagógico. Bendito seja o amor.
– E esse prometido romance, Paulo, que já pôs tanta gente a salivar?
– Um dia [risos]. Quando menos se esperar…
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico