José Luís Peixoto tem apenas 36 anos mas já é considerado, tanto pelo público como pelo seus pares, como um dos escritores portugueses mais talentosos e promissores da última década. Publicado em mais de 40 países e traduzido em mais de uma dezena de línguas, o escritor natural de Galveias, Alentejo, tornou realidade o sonho apenas atingível para alguns – viver da sua escrita e viajar pelo mundo inteiro para falar dos seus livros.
Se profissionalmente José Luís Peixoto se sente realizado, o mesmo se pode dizer em relação ao homem de todos os dias. Pai de
João, de 14 anos, e de
André, de seis, frutos de anteriores relacionamentos, o escritor vive há mais de um ano um romance feliz com
Helena Canhoto, atriz, de 25 anos.
Foi rodeado de livros, na livraria Ler Devagar, em Lisboa, que o escritor, distinguido com o Prémio Literário José Saramago em 2001, partilhou com a CARAS como tem escrito a história da sua própria vida e como encarou o desafio de participar no Cin ReMake, um projeto de intervenção e reabilitação urbana, no qual os seus textos sobre Lisboa inspiraram vários trabalhos criativos agora expostos em muros da capital.
– Como é que reagiu ao ver as suas palavras escritas na própria cidade de Lisboa?
José Luís Peixoto – Eu acredito muito na escrita como alguma coisa que se dirige às pessoas, que não exclui ninguém e que procura, justamente, comunicar com todos, por isso, em relação aos seus veículos não coloco limites. Neste projeto um aspeto que me seduziu bastante foi mesmo esse carácter tão democrático da apresentação do trabalho às pessoas, uma vez que a rua é o espaço público por excelência, o lugar por onde todos passam. Foi uma forma de comunicação íntima com a cidade que me agradou bastante.
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– Ganhou notoriedade praticamente desde o início da sua carreira. Lida bem com o facto de ser conhecido ou é avesso à fama?
– Compreendo que na escrita há uma série de entidades que são reflexos de mim, mas todas elas têm a sua individualidade. Por exemplo, é muito normal as pessoas considerarem que sou o narrador dos meus textos. No entanto, eu sei que transcendo um pouco essa voz, que às vezes coincide comigo e outras não. O próprio autor é uma figura que tem diversas vertentes… Eu sou uma grande quantidade de coisas que muitas vezes não estão acessíveis ao público em geral. E o que é importante para mim é não perder de vista essa pessoa que sou efetivamente, até porque é dessas pessoas que nasce aquilo que escrevo.
– Há aquela ideia romântica de que os escritores vivem em função da sua escrita. Consigo acontece isso ou a atividade literária é só uma parte da sua vida?
– A escrita tem um lugar muito importante na minha vida, porque escrevo bastante. E é também um processo muito intenso. Ao final de um tempo, há coisas que já não tenho a certeza se as vivi, se sonhei com elas ou se as escrevi. A partir de certa altura, é como se ficassem quase ao mesmo nível. No entanto, há outros aspetos da minha vida que valorizo de uma forma maior do que a escrita, nomeadamente aqueles que amo e que me são próximos. Esses são o grande centro da minha vida.
– Acredito que esteja a falar dos seus filhos… Que tipo de pai é?
– Tento ser um pai presente na vida deles, estar lá, acompanhá-los e dar-lhes um exemplo positivo. Acredito de uma forma muito absoluta que as crianças interiorizam muito mais aquilo que veem fazer do que aquilo que lhes dizem. Tento amá-los e ensinar-lhes que devem seguir um caminho cheio de bons sentimentos. Perfeito ninguém consegue ser. A perfeição é algo que varia consoante a perspetiva que se olhe e não é fácil de atingir. Alcançá-la é sempre uma luta.
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– Quem é o José Luís Peixoto de todos os dias?
– Felizmente, sou alguém cheio de contradições. Sou alguém que nasceu no Alentejo e que tem o Alentejo a correr-lhe nas veias, mas que tem
piercings, gosta de
heavy metal, frequenta a cultura urbana com muita regularidade. Ao mesmo tempo, sou português, e não questiono isso, mas quero, gosto e preciso de conhecer o mundo. Se alguns dos meus livros têm um lado um pouco duro, só é verdade que essa dureza se evidencia pelos momentos de luminosidade e doçura. Aquilo que sou é certamente uma procura que continuarei a fazer por toda a minha vida. Espero ter uma complexidade suficiente para nunca saber quem sou. Parece-me que quem sabe exatamente quem é estagnou. Tenho muitos motivos para agradecer a vida que tenho.
– A Helena Canhoto, a sua namorada, faz parte desses momentos de luminosidade e de ternura?
– Sim, claro. A Helena para mim é incandescente, é o lugar onde eu descanso, onde encontro apoio e compreensão e espero ter esse mesmo papel para ela. A vida coloca-nos tantos desafios e tanta necessidade de esforço que é importante termos um lugar onde podemos deitar a cabeça, fechar os olhos e saber que está tudo bem. É uma relação muito tranquila, positiva, cheia de sorrisos e de graças.
– Pela maneira como fala, parece que não existem momentos menos bons entre vocês…
– É claro que somos também duas pessoas e nessa medida ha-verá interesses que colidem. Por um lado existe a compreensão, de parte a parte, e por outro lado existe o respeito pela individualidade de cada um.
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– Que legado quer deixar à Literatura Portuguesa?
– O
José Saramago chamava-me muito a atenção para a minha obra. Dizia-me sempre para prestar atenção à obra. No entanto, sempre tive a tendência para olhar e dedicar a minha atenção àquilo que estou a escrever no momento. E nessa medida, os desafios são sempre os mesmos, porque aquilo a que se propõe qualquer escritor é uma ambição que não tem fim. É de dizer aquilo que nunca foi dito e exprimi-lo da forma mais precisa e correta. E não podemos perder essa capacidade de querermos ir mais além e de alcançar o impossível.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.