O seu nome é hoje uma marca: chama-se
Isabel Queiroz do Vale, é divorciada, foi mãe de cinco filhas – tendo perdido duas prematuramente – e tem oito netos, de uma gestora e de duas arquitectas. Em Portugal, foi a partir dela que a anónima profissão de cabeleireiro ganhou reconhecimento, estatuto e protagonismo, e que a tarefa de embelezar o cabelo das mulheres transitou de serviço a arte. Tem outros méritos: nasceu em Mesão Frio, uma encantadora aldeia nas margens do Douro, que deixou para tentar a sorte na capital, e não foram precisos muitos anos a trabalhar na sombra, com determinação, simpatia e humildade, para se tornar o nome nacional mais conhecido e prestigiado do ramo.
Haverá outros igualmente talentosos, mas a ela se deve a alquimia de transformar salões meramente utilitários em centros de beleza anfitrionados, refinados e de vanguarda, de grandes dimensões, linhas minimais e ambiente estimulante, de onde as clientes, além de mais bonitas, saem mais motivadas para cuidar bem de si. Já não se tratava meramente de beleza, mas de uma linha estética capaz de corrigir e superar a apresentação de qualquer cliente, mesmo as menos dotadas, a partir de um cardápio de serviços integral. Do edifício Avis, na Avenida Fontes Pereira de Melo, estendeu-se a vários cabeleireiros em Lisboa e no Porto, tendo inaugurado há dez anos, no Estoril, um Day SPA de conceito e projecto inovadores, quer nos serviços que oferece quer na decoração e ambiente criados.
Foi quem, durante muitos anos, se responsabilizou pela apresentação das Misses Portugal, e a primeira a assinar e a patrocinar a imagem das apresentadoras de TV. Distinguida com prémios nacionais e internacionais de grande importância e várias vezes condecorada, privou com estrelas congéneres como
Jean Louis David,
Warloo,
Guillaume,
Jambert,
Frank Provost e ainda
Alexandre de Paris. Iniciou e formou dezenas de profissionais, hoje reconhecidos graças à experiência obtida nos seus salões, trampolim para um estabelecimento autónomo bem-sucedido. Recebeu-nos no Hotel Village, em Cascais, para nos falar da uma história de sucesso que, até hoje, parece não ter conhecido reveses, e dessa arma feminina – os cabelos -cuja transformação por mãos sábias tem o condão de nos resgatar magicamente a alegria e a auto-estima.
– Era muito novinha quando se estreou num salão que ainda não era seu. Foi o primeiro emprego que arranjou em Lisboa ou já chegou com esse sonho?
Isabel Queiroz do Vale – Se era um sonho? Talvez… mas ainda inconsciente.
– Quais as maiores dificuldades que experimentou quando quis afirmar-se profissionalmente?
– Não senti dificuldades especiais porque nessa época havia tudo para fazer e eu era atrevida o suficiente para inovar, conceber e partilhar profissionalmente. Havia um público ávido de novidades e de modernidade e eu soube dar-lhe o que procurava.
– A aprendizagem com alguém que até pode ter menos vocação do que nós é sempre indigesta. Sucedeu-lhe?
– Tive a sorte de, quase na totalidade dos casos, encontrar mestres dentro e fora do país de muito bom nível e que apoiaram a minha grande vontade de crescer.
– Pedia-lhe que abandonasse a diplomacia por instantes para me responder com toda a franqueza: a maioria das clientes não é chata, petulante e mesquinha? Desculpe, mas é isso que frequentemente se observa…
– Vai dizer que não abandonei a diplomacia, mas tenho muita sorte ou… muita paciência! Raramente as pessoas que passaram ou passam pelas minhas mãos têm esse tipo de comportamento (houve uma cliente que dizia que eu servia de calmante pois não conseguia exaltar-se comigo).
– Lembro-me de verdadeiras guerras causadas por sobreposições horárias e desconfianças de favorecimento a certas clientes…
– Sobreposições de horários, sim, favorecimentos a clientes, não. Quem escolhe esta profissão é, à partida, alguém paciente, mas o grau de paciência tem a ver, sobretudo, com o quanto se ama aquilo que fazemos. E eu amo muito a minha profissão!
– Um salão de cabeleireiro é, simultaneamente, um lugar para recuperar a autoestima e uma fonte de insegurança causada pela comparação com clientes mais bonitas e seguras, até socialmente. Como contorna essa vulnerabilidade?
– É essencialmente um local para nos mimarmos, para cuidarmos de nós. Não será no salão que as clientes comparam a sua beleza ou
look, mas mais com os ícones sociais, em festas ou no dia-a-dia. Mas contornamos essa vulnerabilidade melhor do que ninguém.
– Alguma vez pensou que atingiria esta notoriedade?
– Até certa altura não me passava pela cabeça, mas a partir de certo momento senti que era o resultado do meu empenhamento e espírito vanguardista. Isso criou em mim uma muito maior responsabilidade.
– Reparo que muitas clientes sem problemas económicos continuam a preferir cabeleireiros de bairro, com tratamento mais acolhedor…
– Acha? Não conheço essa versão. O nosso tratamento é muito acolhedor. Sabemos que a cliente, para além da parte técnica e artística, procura no seu cabeleireiro alguém que a ajude a sentir-se bem, e essa relação que se vai estabelecendo cria laços muito fortes de intimidade. Por isso, julgo que não terá a ver tanto com o espaço em si, mas mais com as pessoas que aí encontra.
– Noto sobretudo em senhoras mais velhas, que se sentem um bocadinho estonteadas em ambientes de grande movimento [risos]. Curiosidade: que lhe falta obter, dentro da sua actividade?
– Em primeiro lugar, manter o mérito e prestígio que me têm reconhecido. Desenvolver mais a marca Isabel Queiroz do Vale, em áreas novas. Gostaria muito de conseguir que a formação nesta área fosse mais reconhecida e prestigiante. Que a profissão de cabeleireiro fosse aceite como outra qualquer. Se conseguirmos desenvolver um curso que dê aos jovens um diploma como em qualquer outro curso técnico ou superior, então talvez mais pessoas possam seguir os seus sonhos e ser apoiadas pelos pais, sem que sejam demovidos da sua vocação (Cabeleireiro? Não, vai antes para médico, enfermeiro ou qualquer outra coisa…) Temos de conseguir criar um curso que satisfaça a necessidade de formação dos jovens e a vaidade dos pais, para que mais jovens se dediquem à profissão de cabeleireiro com orgulho e não como uma actividade "menor". E é uma área em que não há desemprego, pelo contrário, faltam profissionais para trabalhar. E já agora gostaria, talvez, de encontrar uma forma de passar para livro a minha vida. Já comecei a juntar algumas notas…
– Parabéns, Isabel, ficamos à espera! Outra coisa: tem-se a sensação de que a profissão que escolheu é particularmente atreita a invejas e a intrigas – engano-me?
– E em que profissão não existe inveja e intrigas?
–
Foi pioneira de um espaço para homens e senhoras. Quais as diferenças fundamentais entre ambos como clientes?
– Os homens são diferentes, procuram alguém que os trate, que quase adivinhe aquilo que pretendem e não lhe peça muitas opiniões sobre o serviço que pretendem ou precisam. E quando satisfeitos, são de uma grande fidelidade.
– Conte a história mais extraordinária que lhe aconteceu com uma cliente…
– Lembro-me de uma engraçada. A
Maria João Avillez, pessoa que eu muito estimo, costumava dizer que quando o pente com que a estava a pentear caía ao chão era sinal que nesse dia ficaria mais bem penteada do que nunca.
– [risos] O seu negócio parte de uma necessidade imorredoura das mulheres: o embelezamento que agilize a sedução. Tem resistido à crise?
– Nos momentos de depressão, o embelezamento é o elixir da boa disposição. Por isso vamos resistindo melhor à crise. Somos muito activos e procuramos criar momentos de bem-estar adaptados aos dias que se vivem. Mas, muitas vezes, uma ida ao cabeleireiro faz-nos ter outra disposição e mais força para enfrentar os dias menos bons. Qual de nós não se sente muito melhor quando está bem tratada e arranjada?
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo Acordo Ortográfico