Filipe La Féria é um homem de lutas e de sonhos. Entregou toda a sua vida à cultura e o contributo que tem dado ao teatro português é reconhecido tanto pelos seus pares como pelo público. Com
A Flor do Cacto em cartaz, o encenador já está a preparar
O Melhor de La Féria, um espetáculo que faz uma retrospetiva daquilo que já levou até aos palcos.Numa conversa intimista com a CARAS, La Féria falou de assuntos como as suas conquistas, as desilusões, a saúde e o seu lado mais pessoal.
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– ‘A Flor do Cacto’ vem acrescentar o quê à sua carreira?
Filipe La Féria – É uma peça diferente das que tenho feito. É uma comédia, que é o género mais difícil de ser feito. Está a correr muito bem, temos tido casa cheia, e o público vai ao delírio com os atores. É o riso total e feliz, que nos faz falta nesta época em que estamos todos mais depressivos. Adaptei esta comédia para a nossa sociedade. Temos acrescentado ao texto muitas das coisas que vamos sabendo no dia-a-dia.
– Sentiu a necessidade de fazer algo diferente dos musicais, que é o género que mais tem encenado nos últimos anos?
– Já fiz muitos géneros, desde o teatro clássico, ao contemporâneo, ao de vanguarda… Gosto muito do teatro musical e houve um fenómeno com os meus espetáculos. A seguir a esta comédia, espero fazer a
Evita, que é uma ópera
rock. E o próximo espetáculo que vou levar até ao Casino Estoril já está praticamente escrito. Depois de
Fado –
História de um Povo, vou fazer
O Melhor de La Féria, que, no fundo, é a minha vida. São todas as grandes cenas que já fiz e as que gostava de ter feito. O público vai ser surpreendido, não só com o recordar de algumas cenas da
Maldita Cocaína,
Jesus Cristo Superstar, como com cenas de algumas peças que nunca fiz.
– Falando agora do palco da vida real, o que é que tem sido o melhor da vida de La Féria?
– O melhor da minha vida tem sido o concretizar dos sonhos. Há sonhos possíveis e impossíveis. Há sonhos que não concretizei… Agora estou com um grande problema com o Olímpia… Quis modificá-lo, mas devido a esta crise e a outras contingências tenho medo de não conseguir transformá-lo noutro teatro e numa escola de atores.
– Foi publicado que as empresas Bastidores e Todos ao Palco, que estavam associadas a si, entraram em insolvência…
– Eu trabalho para empresas, que são como as pessoas: nascem, vivem e morrem. E o seu fim teve a ver com a minha retirada do Porto. Tentei fazer lá grandes espetáculos, mas foi impossível, porque o norte sofre mais com a crise e as pessoas não vão tanto ao teatro.
– Com ‘O Melhor de La Féria’ pode-se dizer que entra numa fase de balanço?
– Gostava de continuar por muitos anos, mas ninguém é eterno. Já sou um homem de meia-idade e começo a olhar para a vida de outra maneira. O tempo passa. Damos tudo por uma peça, mas o pano acaba por cair.
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– A peça da sua vida tem sido uma encenação feliz?
– Há momentos muito felizes, há grandes lutas… Vivemos num país em que é muito difícil fazer teatro. A cultura foi sempre um parente pobre. É raro ouvir um político falar de cultura. Nunca tive subsídios e a pátria para mim, mais do que mãe, foi madrasta. A minha força tem sido o público, que nunca me abandonou, mas compreendo que agora seja mais difícil trazer as pessoas ao teatro… Eu vendo bilhetes, não vendo pão, e tenho essa consciência.
– Mas sonhos não lhe faltam…
– Isso não! Mas não sei se vou conseguir recuperar o Olímpia! De dia para dia as coisas tornam-se mais difíceis. Vivemos numa época em que temos de dar as mãos uns aos outros para levarmos isto para a frente. É o momento de acreditarmos mais em nós próprios. Mais do que em Portugal, acredito nos portugueses e nas gerações mais jovens. Os mais novos são cidadãos do mundo, o que é um enorme avanço.
– Para um lutador e um impulsionador da cultura, como é lidar com os fracassos?
– Já falhei muitas vezes! Tento sempre lutar e esgotar todas as possibilidades e só depois disso é que desisto. Arrisquei tudo o que tinha e o que não tinha, a minha saúde, o meu pouco dinheiro. Foi uma dádiva total. Dei tudo a esta arte pela qual me apaixonei.
– Falou agora da sua saúde. Como é que se sente?
– Temos de viver de acordo com as nossas possibilidades físicas… O ano passado foi muito difícil, porque tive de ser operado aos olhos várias vezes. Agora estou muito melhor. Sou um lutador, temos de lutar para superar as nossas fraquezas e fragilidades. Este ano não vou ser operado. As coisas agora estão equilibradas.
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– Entretanto, a sua filha, Catarina, casou-se. Como viveu esse momento tão importante na vida dela?
– Foi um grande momento de felicidade. A vida dá-nos coisas inesquecíveis! Ela tem a sua vida e não gosta que eu fale dela… Eu também não gosto muito de falar da minha vida privada…
– E, de alguma maneira, o teatro é que tem sido a sua vida privada…
– O teatro é a minha única vida, a privada e a pública… Até fico com a sensação de que trabalho mais do que as 24 horas por dia!
– Não sente que o Filipe privado se perde um bocadinho no La Féria público?
– O Filipe realiza-se no La Féria. Não tenho nada daquelas frustrações dos artistas que dizem que se dedicaram tanto ao trabalho que se esqueceram de si próprios. Eu não me esqueci de mim próprio, mas o que eu amo é a minha profissão. Gosto muito de trabalhar e acho que sou um bom trabalhador. Gosto de fazer coisas difíceis e tenho de estar sempre envolvido em novos desafios. Nunca fiz as coisas sozinho e tenho pessoas maravilhosas a trabalhar comigo.
– O Filipe é descrito como alguém muito exigente com as pessoas que trabalham consigo, podendo algumas vezes ser um encenador duro. Continua assim ou a idade tem-no mudado?
– Acho que é uma fusão entre as duas atitudes. Por um lado, a idade dá-nos compreensão e sabedoria, mas, por outro, queremos ser perfeitos. A perfeição é muito difícil e só com muita exigência conseguimos fazer bem as coisas. Antes, tínhamos de ir a Londres para ver grandes musicais. Agora, é o público de lá que vem ver os nossos espetáculos e diz que são melhores. E para conseguirmos isso temos de trabalhar muito.
– Não sente necessidade de parar um bocadinho, de tirar umas férias para pensar em outras coisas que não o teatro?
– Só sou La Féria de nome. Já não tenho férias há muitos anos. Nestes últimos verões tenho apresentado espetáculos em Portimão, mas este ano também não vamos para o Algarve, por causa da contenção. Para o turismo não haveria melhor cartão de visita que
Fado – História de um Povo… Mas às vezes há sonhos impossíveis!