É argumentista, realizador, músico e às vezes actor, e as pessoas rendem-se à sua criatividade vulcânica. Nasceu com o dom de imaginar produtos simultaneamente de qualidade e de sucesso e a virtude de levar até ao fim os seus projectos. Tem 36 anos e uma carreira de êxitos tão grande que seria impossível inventariá-los. Foi, entre mil coisas, autor e guionista dos mais hilariantes programas do Herman, Contra-Informação, Bocage, Conversas da Treta e Major Alvega, colaborador do suplemento O Inimigo Público e realizador premiado. O seu alter ego, Phil Stardust, tem uma banda chamada Cebola Mol, que editou cinco discos e realizou centenas de espectáculos por todo o país. Um dia, para fazer um documentário – Curiua Catu – passou mês e meio na floresta amazónica a viver no meio dos índios. Licenciado em Publicidade, frequentou cursos decisivos: Brandon Cole (Lisboa), Media Pilots (Sitges, Espanha), Story de Robert McKee (Lisboa) e o Acting 12 Week Program da New York Film Academy. É free-lancer e colabora com quem o estimular. Além de escrever, cantar, compor, interpretar e filmar, ainda arranja tempo para comer bem: é doido por empada de lebre. Recebeu-nos na discoteca Musicbox, ao Cais do Sodré, onde é anfitrião das já lendárias Poetry Slam Nights, agora chamadas Slam Lx, que se realizam mensalmente e recebem poetas de todo o mundo.
– Que bicho te mordeu em pequeno?
– Não chegou a morder. Tentou, mas eu desviei-me.
– Vives alucinadamente ou consegues ter rotinas?
– Ainda não consegui livrar-me de todas as rotinas, mas lá chegarei.
– Quantas horas dormes por noite?
– Raramente mais de cinco. A grande falha do homem é ter de dormir. Se assim não fosse, sonhávamos acordados e isto tinha tudo muito mais piada.
– Costumas dizer que o dom da ubiquidade representa ‘a nova exclusividade’ – que queres dizer com isso?
– Alguém que trabalha a recibos verdes não pode trabalhar em exclusivo com ninguém. Por isso, é bom que trabalhe com todos – todos os que valem a pena, aqueles com quem se está em sintonia. Tenho tido a sorte de colaborar directamente com algumas das pessoas que mais admiro. Aprendo com elas e elas comigo. É muito compensador e acho que essa boa onda se reflecte no nosso trabalho.
– Onde te visita a musa? No computador ou no banho?
– Visita-me no banho, mas aí raramente falamos de trabalho. Quando estou ao computador, chamo-a e, às vezes, ela vem.
– Fizeste quase tudo: cinema, animação, telefilmes e séries de TV, e abalanças-te agora a um filme de terror radical. O que terá alimentado em ti o imaginário macabro?
– Assistir, quando petiz, aos comunicados oficiais do na altura Presidente da República Ramalho Eanes. Foram experiências aterradoras. Na ordem do que penso sentirem hoje as crianças quando ouvem falar o ministro Vítor Gaspar, mesmo não percebendo tudo o que ele está a dizer.
– Fala-nos um pouco desse guião…
– É uma fábula cruel acerca dos limites do amor maternal. A minha história é sobre os extremos a que uma mãe pode chegar para proteger uma filha. Pretendo que seja também uma reflexão sobre o corpo, pelo que a evolução das personagens passará muito por transformações físicas dantescas.
– Que dificuldades experimentas sempre que te candidatas a um novo projecto?
– Tenho a sorte de ser muitas vezes convidado para projectos interessantes por pessoas que querem trabalhar comigo, e de ter sempre quem queira participar no desenvolvimento dos meus próprios projectos. Das vezes que me deparei com dificuldades na altura de candidatar um projecto meu, ou colectivo, o principal obstáculo foi a falta de visão dos decisores.
– Que portugueses te inspiraram?
– Já tive o gosto e o privilégio de trabalhar com alguns deles: Herman José, António Feio, José Pedro Gomes e Miguel Guilherme. Outros, quem sabe um dia venha ainda a fazê-lo: Miguel Esteves Cardoso, Mário Zambujal e Rogério Ceitil. Bocage, Luiz Pacheco, Diniz Machado e Roussado Pinto também constam desta lista, mas com eles será mais difícil vir um dia a colaborar, porque há aquele pequeno inconveniente de já não estarem entre nós.
– O que falha na cultura, em Portugal?
– Tudo o que não tenha a ver com foco, entusiasmo, uma aliança entre conhecimentos técnicos e objectivos artísticos, a criação de plataformas onde se dê espaço para o desenvolvimento de projectos fora da norma, e um investimento efectivo na divulgação de obras e artistas com o intuito de criar mercado em vez de apenas explorá-lo, é contraproducente a médio e longo prazo.
– E na TV?
– Faltam conteúdos de ficção com valores de produção à séria. As voltas que se tem de dar a uma narrativa por causa dos limites de produção acabam muitas vezes por prejudicar a história. Gostava de escrever uma série com o orçamento de um concurso do prime-time. O investimento poderá ser maior se o mercado destas séries não for, à partida, circunscrito ao público nacional. Há que criar conteúdos, conceitos e formatos exportáveis.
– Que título darias à nossa novela política?
– O nome perfeito já foi tomado, em 1986, pelo Sílvio de Abreu, numa novela que não vi mas sei que escreveu: Cambalacho.
– Que pensas dos reality shows?
– Conquistaram o mundo online. As redes sociais são reality shows, pessoas que expõem as suas vidas de forma voluntária, ansiando por reconhecimento e aprovação através dos comentários e dos likes do seu público.
– No filme O Guardador de Rebanhos, inspirado em poemas de Alberto Caeiro, revelaste o teu lado poético: escreves ou lês poesia?
– Sim, estou agora a ler Lérias, a última obra do meu amigo Miguel Martins, provavelmente o poeta português mais visceral da actualidade. Quanto a mim, já publiquei um pequeno livro de haikai intitulado conta gotas, pela editora Tea for One.
– A um homem com tantos sonhos como tu apetece mesmo perguntar: a que projecto cultural te lançarias se tivesses dinheiro?
– Teatro. Já escrevi algumas peças e já estive envolvido na direcção artística de outras, mas gostava de fazê-lo mais vezes.
– E se alguém um dia te oferecesse um canal?
– Vou partir do princípio que não seria um canal falido, e que teria meios para proporcionar a quem lá trabalhasse as condições ideais para desenvolver os seus projectos. Convidava os meus amigos talentosos e outras pessoas que não são minhas amigas mas que também têm camadões de talento, para fazerem lá o que lhes apetecesse.
– E a música? Como apareceu na tua vida?
– Muito cedo. Lembro-me de, quando era criança, ouvir o Sinatra na rádio e de a minha avó me falar dele. Curiosamente, essa ligação com a música não se reflecte em nenhuma das minhas bandas: não se pode dizer que aquilo que fazemos seja música.
– O que jantavas hoje, se pudesses?
– Empada de lebre. E vou – temperei-a de véspera e assim que chegar a casa vou acabar de cozinhá-la. É servida?
Filipe Homem Fonseca: “Há que criar conteúdos e formatos exportáveis”
Escreve, compõe, canta, interpreta e filma. Um criador genial à conversa com Rita Ferro.