Um mês e meio depois do início do julgamento de Afonso Dias, o principal suspeito do rapto de Rui Pedro, a CARAS falou com Filomena Teixeira e Manuel Mendonça, os pais do menino desaparecido de Lousada a 14 de março de 1998, no final da última sessão de produção de prova. Um dia particularmente desgastante e emotivo, em que Filomena e Manuel tiveram de reconstituir os últimos passos do filho antes do desaparecimento: além de terem de ouvir novamente os amigos de Rui Pedro dizer que o viram entrar no carro de Afonso, os pais – assim como todos os envolvidos neste julgamento – tiveram de visitar a zona de prostituição de Lustosa onde, alegadamente, o arguido levou o menino, e que terá sido o último local onde Rui Pedro foi visto.
Em Lustosa, enquanto Filomena optou por ficar no carro com a filha, Carina Mendonça, Manuel acompanhou tudo de perto e ouviu a prostituta Alcina Dias recordar o encontro com o arguido, junto do carro deste, e a conversa que teve a sós com Rui Pedro. Que na sua memória perdura como um menino muito nervoso, que começou mesmo a chorar por estar ali sem autorização dos pais.
Visivelmente mais magro, Manuel Mendonça explicou-nos: “É normal estar mais abatido. Além do nervosismo deste processo, passámos pelo período das festas natalícias, que implica muito trabalho. Temos uma família muito grande e, dadas as circunstâncias, até estivemos bem. Claro que sentimos a falta do Pedro e do meu cunhado, que tinha falecido, mas estivemos todos juntos.” À CARAS, referiu ainda que lhe foi “difícil” reviver o último dia em que viu o filho, mas suportável, porque acredita que poderá ajudar “a encontrar a verdade”. Sobre o silêncio de Afonso, o pai de Rui Pedro mostrou esperança de que ele decida falar ao tribunal. A acontecer, tal terá de ser requerido antes do próximo dia 26, altura em que os advogados Ricardo Sá Fernandes e Paulo Gomes farão as alegações finais. “Quem espera 13 anos, também espera mais uns dias”, concluiu Manuel Mendonça.
Horas mais tarde, Filomena, que ao longo do julgamento se manteve mais silenciosa que o marido, fez-nos o balanço deste momento difícil e reafirmou a esperança de encontrar Rui Pedro. Sempre bonita e impecavelmente arranjada, como aliás esteve ao longo de todas as audiências (a forma que encontrou para se sentir mais forte), ao longo de toda a conversa nunca disse o nome de Afonso, referindo-se sempre ao arguido como ‘ele’.
– Mês e meio depois do início do julgamento de Afonso Dias, noto-a mais abatida. Têm sido momentos esgotantes?
Filomena Teixeira – Com o tempo vamos ficando com menos forças. Vimos para o tribunal com a expectativa de que ele fale, mas chegamos sempre ao fim sem que o faça. Saímos de casa com uma ideia, mas são expectativas falhadas umas atrás das outras. É desanimador…
– Têm sempre dito que, mais do que uma condenação, querem que Afonso Dias vos diga o que aconteceu ao Rui Pedro...
– O nosso principal objetivo é encontrar o nosso filho. Isso é mais importante do que ele ser condenado. Temos provas para acreditar que ele fez alguma coisa ao Pedro, mas o quê ou onde, só iremos saber se ele falar. E é essa a minha mágoa. Ele podia pôr-se no meu lugar, também tem um filho…
– Nesta última sessão do julgamento, teve de reviver o dia em que viu o seu filho pela última vez. Foi difícil relembrar tudo?
– Foi difícil… já passaram quase 14 anos… Tivemos de reviver tudo e visitar os locais por onde o Pedro passou naquele dia, o que nos trouxe uma mágoa profunda. Agora que o dia chegou ao fim, penso: será que o meu filho esteve mesmo aqui? Será que eu podia ter feito alguma coisa para evitar isto? Há perguntas que ficam no ar e para as quais não temos resposta…
– Durante esta reconstituição, a Filomena mostrou uma força extrema, que contrastou com a sua fragilidade aparente. Como conseguiu superar-se?
– Hoje tive de demonstrar como vivi o último dia com o Pedro, e consegui, não me fui abaixo. Há qualquer coisa interior que todas as mães têm e que prevalece sobre tudo o resto. Amo os meus filhos acima de tudo. É um amor incalculável, que me dá forças para fazer tudo por eles. Essa força aparece quando menos espero, mas tão depressa estou bem, como me vou abaixo. Mesmo sem querer. Ontem à noite [referindo-se a 3 de janeiro], por exemplo, não conseguia ouvir nenhum barulho. Tive de me isolar no meu quarto, com as fotografias dos meus filhos, e ficar em silêncio. Tão depressa estou a lutar por eles como me esgoto. No entanto, tento superar-me sempre que eles precisam de mim.
– De tarde, quando se reconstituiu a ida às prostitutas, em Lustosa, não saiu do carro. A Filomena já lá tinha ido ou foi a primeira vez?
– Já lá tinha ido uma vez. E ela [Alcina Dias] disse-me o mesmo que disse hoje e de todas as vezes em que prestou declarações. Ela, tal como as outras testemunhas, têm dito sempre a mesma coisa.
– Treze anos depois do desaparecimento do Rui Pedro, a sua filha, Carina, o seu sobrinho, João André, e os amigos que andaram com ele na escola já são adultos. Consegue imaginar como estará o seu filho, aos 24 anos?
– É difícil, mas quando os vejo imagino sempre o meu filho ao lado deles… e fico melancólica.
– Ao longo destes 13 anos, a Carina manteve-se discreta, mas neste processo tem estado sempre ao seu lado. É importante o apoio dela?
– Ela é o sol da minha vida! É ela que me dá força e calor para lutar. A Carina sentiu que era importante para nós estar presente e tem estado sempre ao nosso lado. Além disso, também é uma causa dela, afinal, é do irmão que estamos a falar.
– Ela é muito assertiva quando fala de Afonso Dias, fala dele como responsável pela ausência do irmão…
– Eles chegaram a brincar juntos e ela também confiava nele… sente-se enganada, defraudada.
– Na décima sessão do julgamento, a última de dezembro, foram apontadas várias falhas à primeira investigação feita pela Polícia Judiciária, o que veio confirmar o que a Filomena sempre afirmou: que a PJ não tinha feito o suficiente para encontrar o seu filho. Como se sentiu?
– Foi difícil ouvir aquilo tudo, mas serviu para constatar que o que eu dizia era verdade. Durante 13 anos, chamaram-me louca, e agora, passado este tempo todo, vêm dar-me razão: afinal, não estava louca, estava certa. De qualquer das maneiras, esta é uma daquelas alturas em que preferia não ter razão, preferia estar errada e ter aqui o meu filho. Preferia que eles tivessem feito o trabalho deles na altura e que hoje o meu filho estivesse aqui ao meu lado. Mas infelizmente eu é que estava certa. Sempre disse que eles estavam a ir pelo caminho errado, que não estavam a procurar, que não estavam a fazer nada…
– Já para o seu marido, foi um grande choque, uma vez que ele sempre defendeu o trabalho da PJ…
– Sim, ele agora está revoltado. Ficou muito dececionado, porque acreditou cegamente no trabalho deles. Mas nós tentamos ajudar-nos mutuamente: quando eu estou mais em baixo, ele ajuda-me, quando ele está em baixo, eu tento ajudá-lo. Procuramos que haja equilíbrio.
– Tem esperança de que Afonso Dias fale antes de dia 26, data das alegações finais?
– Espero que ele fale, se não, que seja condenado com uma pena que prove que há justiça em Portugal. Se a pena for grande, pode ser que ele reflita e, mesmo que seja depois, nos diga o que fez ao Pedro. Tenho esperança de que ele confesse a qualquer altura, nem que seja daqui a algum tempo.
Filomena Teixeira: “Ele [Afonso Dias] podia pôr-se no meu lugar, também tem um filho…”
No final do julgamento do principal suspeito do rapto de Rui Pedro, os pais do menino de Lousada falaram com a CARAS sobre este doloroso momento e disseram que ainda mantêm a esperança de encontrar o filho.