Depois de terminar a Maratona da Grande Muralha da China, no início de maio, Filipa Elvas escreveu a todos os amigos uma mensagem emocionada e emocionante: “Estive 7h50 a correr, a subir degraus de uma dimensão inexplicável e a descer rampas com uma inclinação surreal. Fui a única mulher que conseguiu terminar a prova. Foram 45km, 20.000 degraus apontados para o céu, 140 atletas, 110 homens, 30 mulheres”. Destes, apenas 15 conseguiram terminar a prova no tempo limite do regulamento, oito horas. Pela sua proeza na China, Filipa, de 37 anos, recebeu uma medalha de reconhecimento do Comité Olímpico de Portugal. Agora, no último dia 19 a atleta enfrentou na Gronelândia um novo e duríssimo desafio, a Maratona Polar, no Círculo Polar Ártico. Considerada a “maratona mais fresca do mundo”, pois nesta altura do ano a temperatura média na região é de -10° celsius, Filipa Elvas voltou a elevar o nome de Portugal, vencendo a prova no sector feminino. “Querida família e amigos, todos vocês correram ao meu lado em cada segundo. Foi muito duro. É uma felicidade indescritível. Estou convosco onde vocês estiverem. Sempre. Viva Portugal!”, escreveu a atleta num SMS, depois de ter subido ao pódio. A CARAS quis conhecer melhor Filipa e descobrir como surgiu a sua paixão por uma das mais longas, desgastantes e difíceis provas do atletismo.
– Quando começou a correr e por que razão?
Filipa Elvas – Comecei a correr há dois anos, mas desde os 16 que pedalava todos os dias, às seis da manhã, numa bicicleta estática que havia no jardim de casa dos meus pais, durante 60 minutos, fizesse chuva ou sol. Depois, em 2007 entrei para a TAP e fui desafiada por um colega, Álvaro Leite, a entrar para a equipa de triatlo da companhia, onde estive durante dois anos. Adorei, fiz várias provas, esforcei-me, corri, nadei e pedalei e tenho muito orgulho em ter conseguido fazer as três modalidades, mas senti que o meu desafio era outro: correr. E desde 2011 dedico-me apenas às maratonas, aos 42 quilómetros. Apaixonei-me pela corrida de corpo e alma. Correr é o meu passatempo, o meu desporto. Faço-o todos os dias com gosto e um sorriso.
– Traça metas nas suas corridas?
– Sim, o meu objetivo em todas as provas é chegar ao fim e dar tudo de mim, absolutamente tudo. Treino diariamente para realizar os meus sonhos. Numa prova, ponho em prática todo o meu esforço e dedicação diários.
– Em quantas meias maratonas e maratonas já participou?
– Tudo começou com a prova da Marginal à Noite, em 2011. Fiz os oito quilómetros em 32 minutos e terminei em 8.º lugar. E gostei! Pouco tempo depois, fiz 15 quilómetros, na Corrida das Fogueiras, e a seguir 21, na meia maratona do Rio de Janeiro. Fi-la em uma hora e 40 minutos e terminei em 30.º lugar. Foi nessa altura que percebi que estava apaixonada pela modalidade e que a seguir teria de fazer uma maratona. Liguei ao meu amigo e colega Manuel Machado, perito em corridas de longa distância, e pedi-lhe que me ajudasse a preparar para os 42 quilómetros. Desde essa altura, o Manuel é o meu treinador. Fiz a minha primeira maratona em Helsínquia, era a única portuguesa. Seguiram-se as maratonas de Varsóvia e de Miami, em 2012. No mesmo ano, fiz a de Chicago, uma cidade que adoro.
– E este ano foi a da Muralha da China…
– Sim, e foi a mais extraordinária de todas! Há cerca de dois anos, o Álvaro Leite falou-me desta maratona. Aceitei o desafio e inscrevemo-nos os dois. Pagámos 196 dólares. Fomos os únicos portugueses inscritos.
– Que sensações experimentou?
– Ainda estou sem palavras! A Grande Muralha da China é a maior fortificação feita pelo Homem. Correr nela é um desafio único e inesquecível. Toda a paisagem é linda e indescritível. E o silêncio… Mas fisicamente foi o desafio mais duro, mais difícil e violento que enfrentei até hoje. Grande parte da prova é feita em degraus e rampas muito acentuadas. Foram 20564 degraus. Estava muito calor, cerca de 30 graus. Desde o primeiro minuto que fui muito focada e concentrada, a olhar para os degraus, para não cair nem tropeçar. Durante uma maratona vou no meu nível de concentração máxima. Esta prova não foi exceção. Mas numa parte mais ampla e sem degraus lembro-me de conseguir olhar para toda a envolvente e, de braços abertos, ‘voar’ pela Muralha… Nesses instantes senti uma leveza indescritível!
– Como descreveria as emoções que sentiu ao terminar a prova?
– Um orgulho eterno, de missão cumprida. Quanto ao facto de terminar esta prova em ‘primeiro lugar e único’ das mulheres… ainda me deixa sem palavras!
– Como concilia as corridas com a vida profissional?
– É muito fácil, como sou assistente de bordo, onde quer que esteja, vou correr… Em qualquer país, em qualquer cidade.
– Esta vitória mudou alguma coisa em si?
– Não, sou a mesma Filipa de sempre!
Filipa Elvas, a portuguesa que vence as maratonas mais duras
A assistente de bordo da TAP foi a única mulher a terminar a maratona da Grande Muralha da China no tempo limite e a primeira a cortar a meta da maratona Polar Circle.