O encontro com a CARAS decorreu no Curia Palace, hotel onde em criança e adolescente passou bons momentos com os pais. Agora, acompanhado pela família que entretanto formou ao lado de Carlota Guedes Gião, Manuel Gião fez um balanço dos seus 30 anos de carreira, falou do legado deixado pelo pai – Manuel Lopes Gião, campeão de ralis – e revelou como gostaria de ser recordado pelos seus próprios filhos, Manuel, de dez anos, e Camila, de sete.
– Estão juntos há 16 anos e casados há 13. Qual o segredo de uma relação tão longa e estável? Certamente terão muitos amigos que não conseguiram manter o casamento durante tantos anos…
Manuel – Muitos…
Carlota – Também já passámos por fases menos boas, mas acho que se deve à insistência de ambos em não desistir porque, no fundo, gostamos muito um do outro.
Manuel – A base é essa. Sempre adorei a Carlota e acho que tem sido uma mãe excelente. Gosto muito de vê-la educar bem os nossos filhos, que vão consolidando cada vez mais o nosso amor. A nossa dedicação aos nossos filhos, vê-los crescer com bons resultados, dá-nos uma imensa alegria. No fundo, eles são o espelho da nossa relação e do nosso esforço. Quanto mais crescemos, mais experientes somos, mais saudades tenho dela quando vou para fora em corridas, e acho que esse é o segredo. Também tentamos sair da rotina. Gostamos muito de passear com eles, de viajar, e acho que isso também fortalece a relação.
– Têm viajado muito?
– Como viajo muito para fora de Portugal em trabalho, fazemos muitos fins de semana no nosso país, que adoro.
Carlota – Vamos muitas vezes para a Sertã, para a zona de Castelo de Bode, que adoramos.
– E esta zona da Curia, há quanto tempo a descobriram?
Manuel – Eu passei aqui bons fins de semana com os meus pais. A primeira vez que aqui ficámos foi quando houve uma corrida de karts aqui perto, em Cantanhede.
– O Manuel participou na corrida e os seus pais acompanharam-no?
– Sim, o meu pai era o meu mecânico, meu manager, tudo.
– Nessa altura o seu pai já não corria?
– Não, ele deixou de correr no ano em que eu nasci, 1971, para se dedicar mais à família.
– Revejo em si essa dedicação aos filhos, porque também parece ser muito preocupado com eles…
– Sou, de facto. O meu pai era brilhante, era um génio na condução. Ele nunca me contou nada do seu passado e muitos dos testemunhos de jornais ficaram na posse de uma ex-namorada dele. O orgulho que tenho em ser seu filho é porque ele era uma pessoa super simples. Tudo o que sei da sua carreira foi-me transmitido por pessoas que me contam histórias fantásticas relacionadas com ele.
– Então só descobriu que ele era brilhante muito mais tarde?
– Sim. No início da minha carreira senti a responsabilidade de ser filho do Manuel Gião. O Pedro Matos Chaves ainda hoje conta que se esquecia de material quando ia para as corridas e era o meu pai quem o ajudava e lhe dava o que ele precisava, e fazia isto com imensas pessoas. O primeiro kart que o Pedro Lamy teve era meu, foi-lhe dado pelo meu pai. Tinha um coração enorme. Aos fins de semana andava sempre com imenso material de karts no carro. O divertimento dele era estar comigo de volta dos carros, coisa que não acontecia quando ele corria. Os mecânicos contam-me que o meu pai se limitava a sentar no carro e era sempre brilhante na condução. Comigo era capaz de estar de manhã à noite de volta do kart a montar e desmontar peças.
– Ele conseguiu passar-lhe essa paixão pelo mundo motorizado, coisa que parece não estar a acontecer com os seus filhos…
– Até agora, pelo menos, não.
Carlota – Mas o Manel é muito competitivo. De tal forma que, por vezes, prefere não competir para não ficar atrás.
– Com a idade dele já corria?
– Sim, com nove anos já treinava todos os fins de semana no Kartódromo do Estoril e não era sacrifício nenhum. Os anos 80 foram fantásticos: o ambiente, as corridas, as pessoas espetaculares… Era muito divertido e foi um escape que me desviou de maus caminhos. E é isso que eu procuro para o meu filho. Quero que ele goste de fazer algum desporto, seja ténis, surf ou futebol. Nos karts começa a mostrar algum interesse, mas não faço pressão absolutamente nenhuma.
– Gostava que o apelido Gião estivesse mais uns anos ligado ao mundo automóvel?
– Seria a terceira geração, mas isso tem que partir dele. Acho que a família Gião é a que tem mais tradição no desporto motorizado em Portugal. Eu tenho 30 anos de carreira e o meu pai teve cerca de 20 anos, portanto são 50 anos ligados a esta modalidade.
– A Fórmula 1 foi um sonho não concretizado?
– Foi. Apanhei um excelente piloto na antecâmara da Fórmula 1, o Fernando Alonso, com quem disputei o campeonato até à última curva. Pena que em Portugal não tenhamos muitas condições. Mais recentemente aconteceu o mesmo com o Félix da Costa, que foi preterido por pilotos de outros mercados, como o russo, que tem um peso muito maior. A Fórmula 1 anda à volta do marketing, há muita política por detrás, os números falam muito alto, e é um mercado muito restrito: são poucos carros e lugares disponíveis. Não cheguei lá, mas tenho muito orgulho na minha carreira. Este ano tenho um projeto muito ambicioso e estou ansioso por o pôr a andar, porque acredito imenso nele.
– Estipulou alguma data limite para terminar a carreira?
– Não. É uma carreira que pode ser longa, ao contrário do futebol, do atletismo ou até da Fórmula 1. No tipo de corridas em que participo, os GT, há pilotos com 50 anos a fazer excelentes resultados.
– Então tem, pelo menos, mais uma década à sua frente?
– Depende de como me sentir. Se estiver motivado e continuar a gostar de correr… Gosto de estar em forma, de praticar desporto, portanto, nesse aspeto tenho um estilo de vida adequado para ter uma carreira com uma longevidade um bocadinho maior.
– Como é que gostaria de ser recordado enquanto desportista?
– Como um lutador, uma pessoa que não baixa os braços, que não tem medo de arriscar quando é preciso. Gostaria de ser recordado como um piloto que nunca tirou o pé do acelerador.
– E como pai? Tem as melhores referências do seu pai…
– O meu pai é o meu ídolo. Tenho muito orgulho em ser filho dele, muito mesmo. Deixou-me esta herança fabulosa, a melhor que um filho pode receber, que é ter um pai de quem toda a gente gostava, não só como piloto desportista, mas também como pessoa. Adorava que os meus filhos sentissem por mim o orgulho que eu sinto pelo meu pai.
Na Curia, Manuel Gião recorda o pai, que também brilhou como piloto
“Deixou-me uma herança fabulosa, a melhor que um filho pode receber, que é ter um pai de quem toda a gente gostava”