Treze anos depois de ter editado o seu primeiro álbum, Mariza lança agora um Best Of, que reúne os temas mais emblemáticos da sua carreira, aos quais se juntam um inédito e duas versões. Foram anos intensivos de trabalho, que a levaram aos grandes palcos mundiais, e só agora a artista tem tempo para ser mulher e mãe. Ao lado do marido, o empresário António Ferreira, e do filho, Martim, de dois anos, a fadista descobre-se agora na sua vida familiar, vivendo em pleno emoções que durante anos não tiveram espaço para surgir.
Numa conversa intimista, Mariza mostrou a mulher feliz que é hoje, relevando o melhor do seu fado, em cima e fora dos palcos.
– Mariza, com este Best Of sente que já está numa altura de fazer balanços?
Mariza – Bom, 13 anos depois começa-se a pensar naquilo que já se fez. Foram 13 anos muito intensos que me permitiram estar em grandes palcos. Foram anos de muitas palmas, sorrisos e de lágrimas de emoção. Por isso, decidi fazer este Best Of, que contém aqueles temas que se não cantar num concerto deixa as pessoas zangadas comigo! E assim decidimos pôr tudo num só trabalho discográfico.
– E o que foi o melhor e mais desafiante ao longo destes 13 anos de palcos?
– O melhor foi perceber que o fado pode estar nas grandes salas do mundo a concorrer com grandes nomes da música mundial. Foi constatar que se pode pisar esses palcos orgulhosamente e que o fado tem muita qualidade. O mais desafiante é poder fazê-lo para um público que não fala português. Mas é precisamente esse desafio que me dá vontade de fazer mais e melhor. Mostrar a cultura de um povo numa música que tanto nos revela é desafiante no sentido em que a maior parte das pessoas não conhece a cultura portuguesa. Mas quando entro num palco, tenho a certeza de que as pessoas vão gostar.
– Sempre foi assim tão segura de si?
– A segurança vai aumentando com a nossa experiência, mas também sinto que à medida que o tempo passa fico mais nervosa, até porque a nossa responsabilidade vai aumentando. Sei que não existem concertos perfeitos, mas quero ser cada vez melhor naquilo que faço. E assim sendo, é impossível o sentido de responsabilidade não aparecer.
– Há muitas diferenças entre a artista que pisa o palco hoje e a que pisava há 13 anos?
– Então não há?! Muitas! A voz, por exemplo, é muito mais madura, tem mais corpo, mais experiência. Existe também um maior à-vontade, apesar de as primeiras três músicas serem sempre muito difíceis para mim, porque estou a tentar perceber o ambiente e que tipo de concerto vai ser. A minha perspetiva sobre a música também mudou, sobretudo depois de ter sido mãe. Antes disso, todas as viagens que fiz permitiram-me perceber que música queria fazer, qual era a minha verdade, mas depois de o Martim nascer essa perceção voltou a mudar…
– Há, então, uma mulher e uma artista diferentes depois do nascimento do Martim?
– Antes do nascimento do Martim não havia uma mulher, havia uma artista. A mulher anulava-se completamente para poder ser artista. Antes, sentia-me feliz quando subia a um palco, era isso que tinha realmente expressão na minha vida. Não tinha tempo livre e nem sequer sabia o que fazer com ele, porque tinha tantos concertos que onde me conseguia realmente encontrar era quando estava em palco. E isso tudo fazia com que houvesse um espaço vazio na pessoa que eu era, porque quando tudo acabava não estava lá ninguém. Saía do palco, apagavam-se as luzes, ia para o hotel e não estava lá ninguém…
– Mas entretanto nasceu o seu filho…
– Sim, entretanto nasce o meu filho… Continuo a precisar da música e dos palcos para me entender e para ser feliz, mas hoje já há a artista e a mulher. Não quer dizer que ambas não estejam juntas, mas de certa forma a mulher consegue perceber a artista e vice-versa. Antes, a minha família ficava com o resto do tempo que sobrava, quando havia tempo. E hoje há tempo e quero mesmo estar com a minha família. Quero muito estar com o meu filho, participar nas brincadeiras dele, nos jogos, estar lá para ouvir a sua primeira palavra, ver o seu sorriso, que é algo que me faz ganhar o dia…
– E isso é melhor do que qualquer palco do mundo?
– Então não é?! [risos] Mas não consigo viver sem o palco, porque isso faz parte da minha identidade, daquilo que sou. Mas penso e sinto que o Martim vem sempre em primeiro lugar.
– Arrepende-se de se ter dedicado em exclusivo aos palcos durante tantos anos?
– Não, de forma alguma! Foi muito bom. Pisei palcos que nunca tinha sonhado pisar na vida! Já fiz o que acho que deveria ter feito. Aconteceram-me tantas coisas boas e, por isso, agradeço muito ao público, à música e ao fado. Mas acho que chegou o momento de viver outras emoções, de estar em família e perceber o que isso é… Também já estou numa fase da vida em que tudo isto me fazia falta. Abrandei muito o meu ritmo de trabalho e já nem quero fazer tantos concertos como fazia.
– Para quem já conquistou tanto na música, que sonhos lhe falta concretizar?
– Continuar a cantar será sempre um sonho. Quero que tudo se mantenha neste patamar e isso é difícil. Sinto-me muito feliz por poder continuar a cantar, até porque agora tenho um ouvinte muito especial… O Martim ouve tudo com muita atenção. Ele foi assistir ao concerto dos 50 anos do Carlos do Carmo e bateu palmas, dançou e agora até canta em frente ao espelho!
– Que mãe é que a Mariza é?
– Sou uma mãe muito orgulhosa, sou ‘mãe-galinha’. Acho que sou uma mãe como todas as outras. Gosto de estar muito atenta a tudo o que o Martim faz, estou sempre a controlar o desenvolvimento do meu filho, até porque nasceu prematuro e poderia ter algum atraso no desenvolvimento. Mas não tem atraso nenhum, até é esperto demais! Estou sempre muito atenta e quero que o Martim seja um ser humano de exceção.
– É essa a grande missão da sua vida?
– Acredito que na vida nada acontece por acaso… O Martim tinha mesmo de ser meu filho e eu teria de passar por tudo aquilo que passei para descobrir que existe um amor inexplicável. Muitas vezes falei com Deus e perguntei-lhe o que me queria mostrar com aquela dor tão grande de ver um filho passar por tudo aquilo… Mas hoje consigo perceber o ensinamento que Deus me quis dar, consigo perceber o que a vida me quis mostrar… Eu tinha de aprender a amar incondicionalmente, fosse como fosse, tivesse o meu filho o que tivesse. Quando os médicos me disseram que a minha gravidez não podia continuar, olhei para eles e disse-lhes: “Perdido por cem, perdido por mil, o que vier é meu, porque eu já amo e já quero.” E foi uma luta gigantesca. Houve um dia em que os médicos me disseram que tinha chegado aquela fase em que o Martim tinha de lutar sozinho, porque a ciência já não podia ajudar. E eu, que sou crente, falei com Deus e disse que já não aguentava ver sofrer um ser que amava tanto. E passadas duas semanas o Martim estava fantástico.
– Sente que a luta que ele travou mal nasceu fez dele um ser humano ainda mais especial?
– O meu filho é um ser humano extraordinário. Às vezes olha para mim com um olhar tão sabedor… Ele fala muito pouco, até porque é bilingue, mas apesar de ser ainda tão pequeno parece ser muito sábio. O Martim veio ajudar-me a ser um ser humano melhor, a ser mãe e mulher. Também aprendi a ter mais calma com a vida e a ser mais humilde. Antes era extremamente competitiva comigo, com o trabalho e com os outros. Hoje, continuo a ser muito competitiva comigo própria, mas depois olho para o Martim, para o meu marido e para os meus pais e penso: “O que tiver de ser, será. Vou é viver este momento.”
– Temos estado a falar da importância do Martim na sua vida, mas a verdade é que o seu marido também foi fundamental para descobrir toda esta nova dimensão emocional…
– O António é um pai delicioso. Para já, é um pai extraordinário por quem sinto um enorme orgulho. É um homem muito batalhador. Nesta fase mais difícil do Martim, o António foi super dedicado. O Martim é o nosso projeto, que foi feito com muito amor.
– O António passa muito tempo em Angola. Como é que têm gerido a vossa vida familiar, uma vez que a Mariza dá concertos por todo o mundo?
– O Martim já é um cidadão do mundo e adora andar de avião. Nós tentamos estar o máximo de tempo juntos. O António voltou à sua vida profissional em Angola e eu divido o meu tempo entre Lisboa, Luanda e o mundo. Quando casamos queremos estar com o nosso marido, queremos ser uma família e sentir-me-ia descompensada se não estivesse perto do meu marido e se não visse o meu filho crescer perto do pai. E é para isso que lutamos, para sermos uma família.
– Para terminarmos, pergunto-lhe: o que é o melhor de Mariza?
– O melhor da Mariza é o Martim! [risos]
Mariza: “Antes do nascimento do Martim não havia uma mulher, havia uma artista”
A fadista, que acaba de lançar o seu ‘Best Of’, revelou à CARAS a mulher que é fora dos palcos. Numa conversa intimista, Mariza confessou as suas emoções mais profundas e contou como é a sua relação com o filho, Martim, de dois anos.